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Serafina

'Mamãe me ensinou tudo sobre moda', diz filha de Zuzu Angel

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Há uns 15 anos, comecei a me exercitar dando voltas a pé na Lagoa, saindo de minha casa em Copacabana muito cedo. Invariavelmente, eu terminava a caminhada no Humaitá, no ateliê de costura da estilista Lucília Lopes, onde, antes mesmo de ela chegar, e, sem qualquer autoridade para isso, eu me dedicava a arrumar sua sala de trabalho, colocar em ordem as amostras de tecido presas na parede, os croquis sobre a mesa, os alfinetes, catar os fiapos no chão.

Como eu, mais do que uma cliente, era "de casa", as funcionárias achavam graça e deixavam aquela atleta, de miolo mole, legging e tênis, fazer a faxina diária, sem discussão.

Quando Lucília chegava, nem comentava o que tinha se passado. Olhava à volta, via tudo em ordem, pedia um café para as duas e, depois de colocarmos o papo em dia, oferecia seu motorista para me levar de volta à minha casa.

Psicóloga nata, minha amiga estilista entendera, muito antes de mim, que o que eu diariamente fazia era matar as saudades do ambiente de minha infância, o ateliê de costura doméstico, onde praticamente nascera e crescera, sempre com os fiapos presos às saias de tergal dos uniformes escolares. Eles faziam parte de mim. Eram extensão de minha história, minha vida, meu corpo.

Detalhe: eu era uma jornalista ocupadíssima, assinando coluna diária em grande jornal, e aquela "digressão" diária no ato de faxinar valia como uma, digamos, terapia de regressão.

Estava ali expresso o amor intenso pela moda, transmitido a mim pela minha mãe, Zuzu Angel. Amor que pode me fazer discursar, de modo inflamado, na defesa da atividade moda, como política traquejada, líder sindical ou simplesmente fã entusiasmada.

Mamãe me ensinou tudo sobre moda, sobretudo a discernir o que é roupa bem-feita e malfeita. Incomoda-me uma bainha torta, uma costura franzida, um decote desembeiçado e uma manga costurada fora do lugar. Uma caixa de busto que, em vez de favorecer e acomodar o volume, arrocha, atocha é erro imperdoável. A roupa sem pence, quando deveria ter.

Não consigo desviar o olhar de crítica. Um zíper curto demais ou muito comprido, posto de mau jeito. Um tecido inadequado para o modelo. O forro errado, que não combina com o tecido principal. A estampa desencontrada no corte do centro, o que antes era heresia e hoje virou lugar-comum. Tudo isso entendo e percebo. É como se eu tocasse a moda "de ouvido", apesar de não saber costurar.

Conheço o vocabulário da moda, do instrumental aos estilos, das técnicas aos tecidos. Conheço a história da moda. Sei de suas dificuldades, pelo avesso e pelo direito. Suas manhas todas. Suas fragilidades. A moda me comove.

Quando éramos meninas, mamãe nos vestia, a mim e à minha irmã, com o mesmo modelo, só variavam as cores. Ana Cristina gostava de azul, eu de vermelho. Ela de azul clarinho, eu de rosa.

Os modelos só variavam nas fantasias de Carnaval e nas festas de São João.

Através da moda igual, mamãe queria expressar seu desejo de que nós fôssemos sempre amigas e muito unidas. Era seu discurso permanente.

Mamãe era quem cortava nossos cabelos, como o do Príncipe Valente, de franjinha. Parecíamos gêmeas. Apesar de Ana Cristina ter cabelo castanho claro e olhos azuis e eu ser bem lourinha de olhos verdes.

Só na adolescência passamos a ter nossas roupas diferenciadas. Sempre lindos modelos by Zuzu. Dos quais muito nos orgulhávamos.

E quando, já adulta, eu por acaso usava a roupa de algum costureiro concorrente, ah, era um deus nos acuda! Zuzu Angel era muito ciumenta.

Hildegard Angel é filha de Zuzu Angel e jornalista social, de comportamento e de moda. Fundou em 1993 o Instituto Zuzu Angel. Hoje, se dedica à montagem de um museu da moda, no Rio de Janeiro

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