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Serafina

Amigo de Neymar, MC Guimê fala de maconha, ostentação e seu 'hino' da Copa

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MC Guimê sonhava com carrões enquanto trabalhava em uma quitanda. Hoje, além de automóveis, o dono de "país do futebol", hit não oficial da Copa, ostenta uma amizade com Neymar, música na abertura da novela e cadeira VIP na SPFW

Saias curtas e saltos altos não são empecilho. Como um artilheiro que corre atrás do gol, elas saltam da plateia ao palco em busca do objetivo. A primeira é interceptada pelo segurança. De olho no lance, a segunda dribla o capanga e goool! Consegue agarrar o artista. A sequência se repete ao longo dos 40 minutos de show. São incansáveis essas fãs de Guilherme Aparecido Dantas.

Mais conhecido como MC Guimê, ele está acostumado ao assédio de suas voluptuosas seguidoras. Sem ser atacante de seleção nenhuma, nem por isso deixa de marcar presença forte na Copa: é amigo do artilheiro Neymar, que participa do clipe da sua música, "País do Futebol" ("Eu sou país do futebol, negô/ Até gringo sambou /Tocou Neymar é gol!"), espécie de hino não oficial boleiro que, por sua vez, toca em dez entre dez festas ligadas ao evento esportivo.

Não é sarado, não tem gogó de ouro, nem faz letra romântica. É, aí sim, o craque de um estilo de música (e de vida) chamado funk ostentação, filhote paulista do funk carioca que canta como é "da hora" ter carros, motos e roupas de marca —e que garante muito sucesso com as moças.

Com suas músicas bombando, o garoto pôde ter tudo aquilo que ele antes só cantava. Afinal, as bases do movimento ostentação se sustentam na conjugação do verbo ter. Guimê, por exemplo, tem 21 anos. E tem também um carrão (Range Rover) e um carrinho (Mini Cooper), além de casa própria, brincos de brilhantes de R$ 15 mil e um monte de outras coisas mais. O que ele não tem? Vergonha de ter tudo isso.

No show numa boate da Vila Olímpia, bairro nobre de São Paulo, o MC mostra que tem também um óculos escuros Evoke Bomber (que usa às 3h da manhã), um boné Compton e uma camiseta escrito "Sabe bolar é pra casar". Já as meninas que não conseguiram agarrá-lo no palco têm que fazer fila pós-show para abraçar o ídolo no camarim. Beijam, apertam Guimê, que apenas sorri. E bebe água. Uma das fãs, se exibindo para o MC, diz que curtiu o "cheirinho" do lugar.

VEJA VÍDEO DA ENTREVISTA COM MC GUIMÊ:

Veja vídeo

AMIGO DE CONVENIÊNCIA

"Maconha, pra mim, é como café. O cara vai lá, pega a planta e toma. É a mesma coisa pra mim", diz Guimê sobre os baseados, que fuma todo dia. "Quando quero relaxar, é uma parada que me agrega, me deixa no bem-estar."

Apesar de se dizer "sujeito homem, que assume que usa" e de ter se encantado com o clima de libera geral em Amsterdã, o cantor não encampa a causa da legalização porque diz que muitos caras que admira sempre batalharam por isso e não conseguiram nada. Atua então em defesa própria: "Fumo meu baseadinho, não falho com meus compromissos e não atraso o lado de ninguém. Acho que não tem nada errado nisso".

Guimê gosta de dizer que nada em sua vida acontece por acaso. Como não foi por acaso que ele conheceu Neymar. "Um dia, no começo do ano passado, saí de Osasco, onde morava, e fui comer num Subway, na [rodovia dos] Bandeirantes, de madrugada, com um amigo. O Neymar saiu de um evento e parou na loja de conveniência do lado. A gente se viu e ele falou: 'Guimê, tira uma foto com os parça aqui'." No dia seguinte, os dois postaram fotos da nova amizade no Instagram.

Um tempo depois, se encontraram num evento e Guimê mostrou seu futuro hit "País do Futebol", que trazia Neymar na letra. O craque da seleção brasileira "adorou, não parava de ouvir". Mesmo prestes a se mudar para Barcelona, arranjou um tempinho pra virar estrela do clipe. O músico, que é corintiano, ficou "felizão".

ASSISTA AO VÍDEO DE "PAÍS DO FUTEBOL:

Vídeo

Com Guimê, Neymar e participação do rapper Emicida, "País do Futebol" tem 30 milhões de visualizações no YouTube e tinha tudo pra ser o hino oficial da Copa. Mas não foi. No lugar dela, a Fifa botou uma música cheia de olês e olás, cantada por Jennifer Lopez, Claudia Leitte e o rapper americano Pitbull -aquele que apareceu com calça branca de cintura alta na abertura da Copa. Guimê não ficou triste com isso.

"Se tinha que acontecer assim, aconteceu. Sou fã da Claudia Leitte, sei que ela tem mérito de estar lá, trabalhou pra isso. Mas fico muito feliz porque a minha música foi eleita pela galera. Vou atingir o público de qualquer maneira, oficialmente lançado pela Copa ou não."

SATISFAÇÃO

Guimê chega para o ensaio de Serafina em sua Range Rover (cantada por ele em "Na Pista, Eu Arraso"). Quem dirige não é ele, mas o produtor Dinho, que também carrega a mala de apetrechos do cantor -uma bolsa Louis Vuitton recheada com um relógio Breitling e joias JBH, recém-adquiridas em Los Angeles. O MC prova um terno de Alexandre Herchcovitch.

Conta que o estilista também já é "parça" dele. Por conta da nova amizade, ganhou um lugar na primeira fila do desfile da grife, na São Paulo Fashion Week, logo em sua estreia no evento. Achou "bacana pra caramba".

Menino educado que é, quando conhece alguém pela primeira vez, Guilherme diz: "Satisfação". Mas, quando encontra o fotógrafo J.R. Duran, ele não diz satisfação porque os dois já tinham se "trombado". Duran havia convidado Guimê para um ensaio de fotos pouco tempo antes. É uma dessas pessoas, como Neymar, Herchcovitch e Emicida, que "fortalecem" a carreira de Guimê.

Enquanto troca de roupa para as fotos, conta que, além de frequentar postos de conveniência de madrugada, ele e Neymar têm outra coisa em comum: Adão, o tatuador. "Ele tatua lá em casa, igual ele faz com o Neymar." Por mais que use roupas e joias finas, as tatuagens de Guimê são ainda mais exibidas.

Se a quantidade pode até assustar, as mensagens, entre beijos e tiros de paintball, comprovam a postura de bom moço: nas pálpebras, "good vibes" (boas vibrações); no peito, a máxima "Olhe por nóiz, senhor, que nóiz olha por cada fã"; na coxa direita, "I love quebrada". Na barriga, um pouco de ousadia: "Bitch, don't kill my vibe" (algo como "vaca, não estrague minha curtição"), que, segundo ele, não se refere a nenhuma "bitch" específica. É só uma música do rapper americano Kendrick Lamar.

Mas nem tudo é poesia na arte corporal de Guimê. Entre sapeca e acanhado, ele aponta um "coraçunda" na testa -tatuagem que mistura duas partes do corpo e dispensa maiores explicações. Todas doeram demais, diz. A mais simbólica é a palavra "music", grafada acima da sobrancelha esquerda e em que traçou seu destino. "Fiz com uns 16 anos. Na época, eu não tinha futuro, mas falei pra mim mesmo que ia viver da música independente do que acontecesse."

Atitude ousada para um filho de eletricista de Osasco que começou a carreira profissional como ajudante numa quitanda. O moleque gostava de rimar no colégio, mas "ficava vergonhoso" na hora em que clamavam por um de seus improvisos nos churrascos da turma. Quando decidiu virar cantor, procurava os telefones das casas de shows no Orkut e ligava para vender a nova estrela como se fosse o empresário. "Muita gente que já me desligou o telefone na cara hoje contrata 20 shows meus."

Até que, em 2010, se juntou ao produtor Hugo Maximo (hoje, empresário da maioria dos funkeiros ostentação) e começou a colocar seus clipes no YouTube. Aí, Guimê estourou.

Em "Tá Patrão" ("A picadilha pode ser de boy/ Mas não vale esquecer que somos vida loca"), de 2011, ele passeia num Camaro. "Na Pista, Eu Arraso" ("Camarote fechado/ E champanhe pra estourar"), de 2013, tem participação da modelo Mariana Weickert.

Em "Plaquê de Cem" ("Contando os plaquê de cem, dentro de um Citröen/ Ai, nóis convida porque sabe que elas vêm"), o primeiro grande hit, Guimê é filmado desfilando entre motos e gostosas e conta notas (falsas) de R$ 100 (os plaquês). Hoje, com o vídeo oficial passando de 48 milhões de visualizações, ele diz que já teve oportunidade de contar muito plaquê de cem de verdade.

ASSISTA AO VÍDEO DE "PLAQUÊ DE CEM":

Vídeo

DIREITO DE COMPRAR

O cachê do primeiro show Guimê negociou por R$ 50 pra pagar a gasolina do amigo que ia dar carona. Hoje, ganha de R$ 35 mil a R$ 50 mil por apresentação. Muito requisitado, de festa de clube grã-fino a casamento no Rio Grande do Sul, diz que agora quer "qualidade e não quantidade".

Ou seja, faz três shows por noite (de sexta a domingo) —e não os seis (ou até nove) de até pouco tempo atrás. Se a distância entre os shows é de até 200 km, vai de van. Se a distância é grande e o tempo curto, vai de jatinho.

Entre shows e lucro com os anúncios em seus vídeos no YouTube, a renda por mês varia, mas pode chegar a R$ 1 milhão (dividida com a equipe). Quando não está ganhando dinheiro, se dedica a gastar o que ganhou. "Mas não peguei o primeiro cachê e fui comprar uma corrente de ouro. Sabia que, antes da corrente, tinha que ter uma comida da hora em casa e tinha que ter uma casa da hora."

Além dos dois carros e do apartamento próprio no Tatuapé, comprou também uma casa para o pai, que vivia de aluguel, em Osasco, com a madrasta (a mãe largou a família cedo e reapareceu depois que o filho ficou famoso).

Os gastos, ele aprendeu rápido, devem caber no orçamento. Na hora de comprar roupa, gosta "de ter limite", então gasta de R$ 7.000 a R$ 10 mil por vez. Diz que ainda não pode adquirir um carro de R$ 2 milhões. "Mas, se eu tiver condições de ter, vou querer ter, porque sei que é meu direito."

O segredo do sucesso foi bem simples: olhar pro lado. "O que mostro nos clipes é o que eu via na minha quebrada. Esses caras que trabalham 12 meses sem férias pra comprar uma Hornet, uma moto de R$ 30 mil, nem que seja parcelada. Com seu suor, o cara conquista um luxo e vira patrão. O trabalhador também pode ter um carrão."

Pela exaltação da pompa e da ostentação, Guimê já ouviu muita crítica. Dizem que ele cria ilusões. "Começaram a me falar: 'Seus fãs são da favela, eles não vão conseguir comprar esse carro. Isso é uma ilusão'. Mas também fui iludido desde moleque: pela sociedade capitalista, pela televisão."

"A propaganda só fala que vou ser bonzão se tiver aquele carro, mas não fala o que tenho que fazer pra conseguir. Me dá um trampo preu ter aquele carro?"

Se os comerciais não respondem a essas perguntas, o cantor pelo menos ensaia uma receita de como chegar lá. "Meu foco é mostrar que vim de uma origem adversa e hoje tô ostentando porque batalhei pra ter. O cara que vê o Guimê com um carrão vai pensar: 'O que ele fez pra ter isso?' Se eu inspirar ao menos esse cara, já vou tá firmão."

Guimê não se vê só como representante firmão da famosa e ascendente classe C mas "também da D, da E e da galera que tá mais em alta. A galera me tem como inspiração pra esse pulo pra frente".

NEM MAIOR, NEM MELHOR

Inspiração pra ele são os rappers americanos (Dr. Dre, Lil Wayne, Kendrick Lamar, Drake) e os Racionais MC's. "Eu sempre sonhei em ser o Mano Brown." Nos shows, canta quase sempre uma música deles, "Da Ponte pra Cá", que não por acaso cita Nike, Honda e Gti. Mas a maioria do repertório é mesmo de ostentação escrachada.

O único momento em que Guimê para de ostentar —pertences, sucessos ou sorrisos- é quando fala do Daleste, MC da mesma idade e estilo dele, baleado durante um show, em Campinas, em julho do ano passado. A cena da morte de Daleste, enquanto cantava, em cima do palco, foi filmada por fãs e difundida na internet. Ninguém foi preso.

"Foi sinistro. Mexeu com o movimento todo." Guimê, que anda com pelo menos dois seguranças ("um pessoal e outro pra fãs"), começou a sentir que "o perigo tá mais próximo do que você imagina". "O processo de evolução não é deixar de fazer show em favela, mas que se faça com uma ótima estrutura, com ambulância, com segurança."

Se nos fins de semana Guimê faz maratona de shows, durante a semana o circuito é em programas de TV. Antes de encontrar com a equipe de Serafina num fim de segunda-feira, ele já tinha gravado um programa na Globo de manhã e outro na Record à tarde.

Com "País do Futebol" tocando também na abertura da novela das sete, ele não quer contrato de exclusividade com ninguém. "A Globo e a Record são dois lugares em que me sinto em casa. Mas a gente tem que expandir. Quero estar em todos os canais."

Os planos são ambiciosos. Vai gravar um CD, quando muita gente já desistiu dessa mídia. Logo logo, lança uma coleção de bonés com seu lema, "NMNM" —nem maior, nem melhor. Faz três shows nos Estados Unidos, em agosto. "País do Futebol" já é trilha sonora em baladas europeias.

"Hoje, meu sonho é atingir o mundo todo com minha música." Quando tinha 15 anos, o sonho do garoto Guilherme era outro -ter uma moto Falcon, que custava uns R$ 11 mil. Graças a Deus, diz, o funk deu certo e sua perspectiva mudou. "Com 18 anos, eu já tinha um New Civic, um Corsa e uma moto R600. Tava bem pra lá da Falcon. Aí, passei a ter outros sonhos."

UM ESTILO DE MÚSICA E DE VIDA

Características
Filhote do funk carioca, o subgênero nascido em São Paulo não faz crítica social nem fala de criminalidade. Os paulistas listam sonhos de consumo e celebram a aquisição de bens de quem subiu na vida e virou "patrão"

You Tube
Sem lançar CDs, foi com vídeos no YouTube que os funkeiros ganharam fama - e milhões de visualizações. Inspirado nos clipes dos rappers americanos, o diretor Konrad Dantas, o Kondzilla, criou a estética dos ostentadores

Pontapé inicial
"Tá Patrão", de MC Guimê, é considerada o marco zero do funk ostentação pelo livro "101 Funks que Você Precisa Ouvir Antes de Morrer", de Julio Ludemir. A música cita Nike, Oakley, Veloster e Camaro e teve 1 milhão de exibições em 15 dias no YouTube

Vocabulário ostentação
Kit: conjunto de roupas e acessórios de grife
Nave: carro possante
Picadilha: estilo
Plaquê: notas de dinheiro

Representantes
MC Guimê, MC Dede, MC Rodolfinho, MC Nego Blue, MC Boy do Charmes, MC Lon, Backdi e Bio G3, MC Gui, MC Danado e os cariocas MC Menor do Chapa e MC Pocahontas, que se renderam ao estilo paulista

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