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Serafina

Estrela de 'O Grande Hotel Budapeste', Willem Dafoe encena peça com Baryshnikov no Brasil

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Willem Dafoe não gosta de lugares frios. Quando nos encontramos numa tarde escaldante de primavera, dentro de um restaurante refrigerado em Nova York, ele prefere sentar ao ar livre. "Você não acha que está gelado aqui?", pergunta, me estendendo a mão.

Eu não achava, mas concordei em quase derreter com ele debaixo do sol. Vestido com jeans e camiseta preta, é mais baixo do que eu imaginava (mede 1,78m), mas, quando fala, a voz grave e pontuada faz com que pareça maior.

Em cartaz nos cinemas com "A Culpa É das Estrelas", no qual interpreta um escritor alcoólatra, e se preparando para desembarcar em São Paulo e no Rio no fim de julho para apresentar a peça "The Old Woman - A Velha" dirigida por Bob Wilson, Willem se diz animado para voltar ao Brasil, onde esteve há dois anos.

"Minha mulher [a atriz e diretora italiana Giada Colagrande] é apaixonada pela cultura e pela música brasileiras. Ela toca bossa nova no violão em casa e me arrastou para o Rio de Janeiro nas férias. Eu adorei", diz. Willem e Giada contracenam no filme "Pasolini", ainda sem data de estreia.

Antes disso, no próximo dia 3 de julho, entra em cartaz o longa "O Grande Hotel Budapeste", de Wes Anderson, com Ralph Fiennes, Adrien Brody, Tilda Swinton, Jeff Goldblum, Jude Law, Bill Murray e Saoirse Ronan, entre outros. Willem faz Jopling, um capanga contratado para matar o personagem principal, o senhor Gustave, um concierge com quem a riquíssima Madame D. mantém um relacionamento sexual, sem maiores compromissos.

MISHA E BOB

Ele vem ao Brasil junto com o ator e bailarino russo Mikhail Baryshnikov, 66, para se apresentar no Sesc Pinheiros, em São Paulo (de 24/7 a 3/8), e na Cidade das Artes, no Rio (de 8 a 10/8). A peça, falada em inglês e em russo (com legendas em português), é uma adaptação da novela de mesmo nome do poeta e escritor russo Daniil Kharms (1905-1942). E segue a linha do teatro do absurdo que marca a obra do diretor e artista plástico americano Bob Wilson, com quem o ator já fez outros trabalhos (o mais recente foi o espetáculo "Vida e Morte de Marina Abramovic", apresentado em Nova York).

"É divertido trabalhar com Misha", diz, referindo-se à Baryshnikov. "Ele vem de uma tradição tão diferente Para você ter ideia, da última vez que fui à Rússia alguém me disse: 'Quando estiver andando na rua, não sorria porque as pessoas vão achar que você é louco ou idiota'." Conta a história e solta uma gargalhada.

"The Old Woman" é uma novela dos anos 1930 e trata da história de um escritor com bloqueio criativo que encontra uma mulher morta em casa e não sabe o que fazer. "A atmosfera é paranoica, mas a narrativa é simples e linda, uma explosão de poesia."

Willem é um homem apaixonado pelo que faz, e a cada frase jogada à mesa isso fica mais evidente. Mas tudo poderia ter sido diferente se ele tivesse seguido a vontade do pai.

BRINCANDO DE MÉDICO

Caçula de oito irmãos, filho de um cirurgião e de uma enfermeira, diz ter sido criado pelas irmãs porque os pais viviam no hospital. "Às vezes, meu pai entrava em casa gritando: 'Quem quer visitar os pacientes comigo?' Todos se escondiam. Eu não queria ir, mas não tinha coragem de frustrá-lo, então ia. Acho que ele tinha me apontado como sucessor."

Enquanto o pai trabalhava, ele limpava o chão ou ficava no vestiário. "Tinha dias em que ele resolvia me dar umas aulas, falar do paciente, mostrar uma cicatriz. Amava o que fazia." Dos oito irmãos, apenas Willem e outros dois (uma escritora e um advogado) não seguiram a carreira: quatro viraram enfermeiras e um, médico. "No fim, ele talvez sinta orgulho de mim porque escolhi meu próprio caminho."

Buscando as palavras exatas, continua: "Acho que todos aqueles que seguem uma carreira tradicional, em certa altura, sentem uma pequena frustração por não terem escolhido o caminho menos convencional. Eu encontrei o meu sem que houvesse uma prescrição para isso".

Na pequena Appleton, no Estado de Wisconsin, onde moravam os Dafoe e onde Willem nasceu em 22 de julho de 1955, o ambiente em casa era politizado e liberal, muito por causa da ausência dos pais. As irmãs mais velhas já estavam na faculdade e levavam para casa os temas das revoluções sociais da década de 1960.

"Elas falavam sobre sexo o tempo inteiro. Faziam uma brincadeira que se chamava Jay McIntire, o nome do cara que engravidava todo mundo na cidade", lembra rindo. "Era o seguinte: desenhavam um pênis de papelão, grudavam na calcinha e andavam assim pela casa. Cresci sem aqueles jantares de família na mesa e sem aquele clima conservador tão característico do centro do país. Foi bom porque me libertou, me tornou independente e me fez entender que havia um outro mundo lá fora."

IOGA E VEGETARIANISMO

Aos 22 anos, mudou para Nova York, depois de fazer parte de um pequeno grupo de teatro em Wisconsin. Lá, se sustentava como modelo vivo em uma escola de artes enquanto fazia uma peça ou outra. "Conheci uma companhia de teatro experimental e o ambiente me fascinou, mas a ideia de ser ator nunca se concretizou da forma tradicional. Nunca fiz um book, nunca tive agente, nada disso. Andava com essas pessoas que faziam teatro e eram pessoas interessantes, e eu gostava disso."

Foi então apresentado àquela que seria sua mulher por 27 anos, a diretora de teatro Elizabeth LeCompte, com quem tem um filho, Jack, de 32. Também começou a fazer ioga ashtanga -hábito que mantém até hoje e ao qual credita um grande conhecimento do próprio corpo- e virou vegetariano. Mas, em 2008, depois de uma viagem à Argentina, voltou a comer carne. "Tão difícil ir a Buenos Aires e não comer carne", diz, rindo.

Em 1980, fez seu primeiro filme, "O Portal do Paraíso", com Christopher Walken e Kris Kristofferson, que viria a ser um grande fracasso. "Um produtor me viu no palco e, como queria alguém com meu tipo físico, me convidou", diz. "Foram três meses filmando, até que um dia tive que passar oito horas em pé para que o diretor, Michael Cimino, ajustasse a iluminação. Ele era um perfeccionista e, a uma certa altura, alguém me contou uma piada suja e eu ri alto. Cimino se enfureceu e me demitiu na mesma hora." Willem está no filme -mas seu nome não consta dos créditos.

Ele acha graça do episódio, mas diz que, na época, se sentiu humilhado. "Achei que o cinema não era para mim."

Em menos de um ano, estava de volta, como protagonista, no papel do líder de uma gangue de motoqueiros, o primeiro de uma longa lista de personagens desajustados, em "The Loveless" (sem título em português), de Kathryn Bigelow.

A cineasta, além de revelar o ator, rompeu uma barreira importante em Hollywood sendo uma das primeiras mulheres a escrever e dirigir um filme. Em 2008, dirigiu e produziu "Guerra ao Terror", o grande vencedor do Oscar do ano seguinte.

Hoje, aos 58 anos, Willem tem mais de 70 longas no currículo, duas indicações ao Oscar (por "Platoon", de 1986, e "A Sombra do Vampiro", de 2000) e alguns papéis inesquecíveis.

Depois do sargento alienado de "Platoon", o primeiro grande sucesso, e de interpretar Jesus no polêmico "A Última Tentação de Cristo" (1988, de Martin Scorsese), alguns vilões marcaram sua carreira, especialmente o do longa "A Sombra do Vampiro" (2000) e o Duende Verde, antagonista da trilogia "Homem-Aranha", na qual o herói é interpretado por Tobey Maguire.

"Fico lisonjeado quando me falam que um personagem é perturbador", diz enquanto mastiga um pedaço de pecorino da salada verde que pediu. "Sou atraído por papéis com os quais não posso me identificar. Todos somos moralmente misturados, qual a graça de ter uma dimensão só? Então, eu os habito e tento humanizá-los."

Willem diz que gosta de personagens que não se deixam levar pela opinião dos outros. "É uma turma guiada pela emoção, pela própria esquisitice, pela dimensão humana, que me ajuda a formar uma visão mais ampla do mundo. Então, quando me dizem: 'Você é sempre o vilão', entendo a colocação, mas não sei o que responder porque acho que estão sendo preguiçosos."

Digo a ele que a TV parece ter se dado conta de que até o herói precisa ser humanizado e que há inúmeros protagonistas que flutuam entre o bem e o mal. Mas ele me interrompe para contar que não vê televisão. "Acho que a TV é uma mídia voltada para agradar o público, dar a ele o que ele quer. Não acredito que exista poesia e mistério."

Explica que o que lhe incomoda é um certo isolamento que a televisão encoraja. "As pessoas não fazem mais coisas juntas. Você sai para jantar com amigos e, em instantes, estão todos checando os celulares", reclama. "E ver um filme com um monte de gente que você não conhece é uma experiência linda. É um território neutro e você está nele com estranhos, o que torna a experiência mais poderosa. Dentro de casa, você está na sua zona de conforto."

Outro crédito que o ator talvez mereça é o de trabalhar bem com diretores considerados complicados. Tem grandes parcerias com Wes Anderson (além do filme que estreia na semana que vem, participou de "A Vida Marinha com Steve Zissou", de 2004, e "O Fantástico Sr. Raposo", de 2009) e Lars von Trier ("Manderlay", de 2005, "Anticristo", de 2009, e "Ninfomaníaca", de 2013).

Diz que gosta desses diretores porque se sente livre com eles, ainda que sejam cineastas com métodos de trabalho muito diferentes: enquanto Von Trier proíbe ensaios, Anderson é obsessivo e chega a fazer 50 takes de uma mesma cena.

Willem conta que não gosta de diretores que querem ver o ator "atuando", mas sim dos que, ao contrário, apenas criam o ambiente para que ele esteja presente. "Habitar o personagem é a grande beleza dessa arte", diz.

"A verdade é que me sinto mais um dançarino do que um ator. A ideia de ser um ator tem mais a ver com psicologia, com observação. A dança não, ela apenas é. E, para que ela seja, você precisa estar presente. Não é literatura, não se dá na cabeça, está mais perto do meu coração", diz.

"Confio no meu corpo. Ele não sou eu, é o que me foi dado e é o que uso. Não me vejo interpretando tanto quanto me vejo sendo o personagem. No final, é a diferença entre se exibir e fazer. E eu prefiro fazer."

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