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Serafina

Estilista icônico abandona passarelas e ajuda na luta contra a Aids

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Espreguiçado na poltrona de um hotel em São Paulo, Jean Paul Gaultier, 63, não deixava que ninguém interrompesse seus pensamentos. Quando alertado do tempo gasto na entrevista à Serafina, quase uma hora, o estilista mais importante em atividade da França, talvez do mundo, deu de ombros. Era mais urgente falar sobre a inevitabilidade da morte.

Gil Inoue
O estilista francês Jean Paul Gaultier
O estilista francês Jean Paul Gaultier

Sua história é recheada de cor, listras azuis e brancas, sexo, sutiãs cônicos e glamour cinematográfico, como os figurinos de "Kika" (1993) e "A Pele que Habito" (2011), ambos do espanhol Pedro Almodóvar. Mas o momento é de pensar em rupturas e recomeços.

Desde 2014, Gaultier não desfila mais suas coleções. Fez isso para se libertar dos compromissos comerciais do ofício. Sua última coleção foi exibida em um cinema centenário da capital francesa, repassou toda a trajetória do designer e foi chamada pelos jornais locais de "a morte do sonho da moda".

Meses depois, Gaultier ressurgia em uma grande retrospectiva de roupas, vídeos e objetos, que leva seu nome e está em cartaz até agosto no museu Grand Palais, em Paris. Em abril, em São Paulo, recebeu homenagem da organização amfAR pela luta contra a Aids.

Em 1990, o estilista perdeu o grande amor e parceiro comercial da vida, o empresário Francis Menuge, para o vírus HIV e, desde então, viaja pelo mundo abrindo o verbo e a carteira em favor das pesquisas que procuram uma vacina contra a doença.

SERAFINA - Moda ainda te inspira?
JEAN PAUL GAULTIER - Sim, claro. Sempre acreditei na moda como representação do que a sociedade pensa. A roupa cria personalidades, identidades, constrói um personagem. Mas não me sinto um artista, me vejo mais como um artesão. Moda é uma expressão.

Como surgiram as marcas registradas de sua moda, as listas de marinheiro, a nudez, as peles?
Tentei subverter os estereótipos dos gêneros, o padrão de vestimenta.
Inverti a estética e transferi masculinidade para a mulher e feminilidade para o homem. Daí surgiram os marinheiros, a exposição do corpo, a imagem selvagem.

Há uma tentativa de retorno dessas imagens na moda, não acha?
Percebo um olhar sobre a minha criação do passado. As pessoas estão mais conservadoras e os estilistas, ao que parece, querem retomar a quebra de padrão.

Por que parou de desfilar o prêt-à-porter em Paris?
Para me sentir livre como fui um dia. Meu ex-namorado [o empresário Francis Menuge, morto em 1990] dizia para eu aprender a fazer marketing. Eu respondia que, se o fizesse, morreria.

Sua despedida foi chamada de 'a morte do sonho da moda'.
Meu Deus, não, por favor. Há vários estilistas maravilhosos. Adoro [o americano] Rick Owens, Gareth Pugh [estilista britânico], Van Herpen [a estilista holandesa], Rei Kawakubo [estilista japonesa, da Comme des Garçons]. Mas prefiro exercitar meu estilo criando roupas para shows, cinema, teatro.

Uma de suas criações mais marcantes foi o sutiã com cones usado por Madonna na turnê "Blond Ambition", nos anos 1990. Como ela surgiu?
Não criei para Madonna, mas para o meu ursinho de pelúcia. Ela sabe disso. Quando eu era criança, meus pais não me deixavam ter boneca. Daí botei dois cones no ursinho para fazer dele uma boneca.

Depois disso você criou vários figurinos para ela.
No início da carreira, ela usava muitas cópias do que eu fazia e comprava algumas roupas minhas. Veja, Madonna comprava roupas [risos]. Uma vez, em 1988, ela me convidou para um show, e, quando a encontrei, disse que poderia fazer seus figurinos. Mas não nos falamos há muitos anos.

Outra grande parceria foi com Pedro Almodóvar.
O primeiro figurino que fiz para ele foi para a personagem Andrea Caracortada, no filme Kika (1993). Ela era uma jornalista sensacionalista de um programa de TV cheio de mortes e casos bizarros. Sou de uma geração de estilistas que pensava no sentido cênico da roupa, como o [francês, Thierry] Mugler, por exemplo.

É verdade que sempre houve muita rivalidade entre os estilistas franceses, principalmente você, Mugler e Yves Saint Laurent [1936-2008]?
Numa entrevista à revista "Paris Match", Saint Laurent disse que eu despia as mulheres enquanto ele as embelezava. Colocaram essa história num diálogo do filme "Saint Laurent", de Bertrand Bonello. Quando li aquilo, na época, pensei: "ele está fora de moda, não vou me importar" [risos]. Anos depois me convidou para um desfile e me mandou um bilhete dizendo que gostava muito do meu trabalho. Pensei em colocar a carta na exposição do Grand Palais, mas achei muito pessoal.

Você veio ao Brasil receber da amfAR uma homenagem por sua luta contra a Aids. Como o vírus HIV esteve presente em sua vida?
Perdi muitos amigos para o HIV, um deles, meu namorado. Ele morreu apenas três meses depois de descobrir a doença.

Após a morte do seu namorado você mudou a forma de se relacionar?
Claro que sim. O amor, algo tão bonito para mim, se transformou num tabu para o mundo, algo que podia matar. Ninguém falava de Aids na rua nos anos 80. Quando Menuge descobriu a doença, tentamos lidar da melhor forma possível, sem fazer daquilo um monstro maior do que já era.

Tem medo da morte?
Não, ainda tenho que terminar esta entrevista e fazer sua foto [risos]. A imagem que tenho da morte é a de uma história que minha avó contou sobre o meu avô. Uma noite, ele agradeceu a ela por tudo e ela foi dormir sem entender. No dia seguinte, meu avô faleceu. Acho que, de alguma forma, salvo em situações trágicas, as pessoas se deixam levar pela morte. Eu não vou fazer isso.

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