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Serafina

Repórter faz 'road trip' pela Islândia em busca da sua Björk interior

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EXPLOSÃO VULCÂNICA

"Todo babuíno é costurado de dentro para fora". Perdoe que este parágrafo comece assim, meio de repente, com uma frase estapafúrdia. O contexto parece pedir por um início selvagem e inesperado, como uma explosão vulcânica na dorsal Atlântica ou o tema desta reportagem: uma viagem ao redor da Islândia, entre lagos de enxofre e praias de areia negra, em busca de uma Björk interior, de uma experiência que me ajudasse a entender sua obra.

Não que a Björk exterior seja desimportante. É que essa artista, que aos 49 anos lançou em janeiro o álbum "Vulnicura", é tão inacessível quanto algumas de suas canções. Ao ignorar por anos meus pedidos de entrevista, Björk me obrigou a conversar mentalmente com ela durante a ducha, em interessantíssimas —mas até agora inéditas, e talvez ilegais— entrevistas que escrevi no espelho embaçado sem seu consentimento.

Inez van Lamsweerde & Vinoodh Matadin
Cantora islandesa Björk em ensaio para o álbum "Vulnicura"
Cantora islandesa Björk em ensaio para o álbum "Vulnicura"

A Björk interior é menos fugidia. Ela mora na paisagem que inspirou sua obra nas últimas décadas e na sociedade islandesa, uma fascinante comunidade de 300 mil pessoas obcecadas por cachorros-quentes, suéteres e piscinas térmicas.

*

DIVÓRCIO E PAISAGENS

"Vulnicura" é um álbum de doer. Acampamos por sete dias pela estrada circular islandesa, que roda o país em 1.332 quilômetros, ouvindo as nove faixas lançadas no início deste ano. No disco, Björk canta sobre seu divórcio com o cineasta Matthew Barney, após 13 anos de casório e uma filha que também se veste engraçado, chamada Isadora. Desnecessário dizer que Barney, chateado com o lançamento de uma hora de canções sobre seu casamento fracassado, está processando a ex-mulher.

É também um disco de voltar. Björk nunca foi muito dada a mencionar a Islândia diretamente em suas músicas, mas tem gravado ali —em um momento intimista— os videoclipes de "Vulnicura". "Stonemilker" foi rodado na praia de Grotta, onde a canção também foi escrita. A filmagem de "Black Lake" foi feita em uma caverna que é propriedade do irmão da cantora. "Lionsong" tem um trecho entre montanhas geométricas e esverdeadas típicas da paisagem local.

Não há, afinal, muito mais nessa ilhota do que a natureza —dois terços dos habitantes estão instalados em torno da capital, e a segunda maior cidade do país reúne apenas 18.000 moradores. É um cenário marcado por altos picos nevados dos quais, no verão, o gelo derrete e desce pelas encostas como uma cortina de lágrimas. A impressão é de que há mais cachoeiras do que pessoas ali. Provavelmente também há mais ovelhas e papagaios-do-mar.

Essas visões brutas, com extensos campos de lava solidificada, desertos vulcânicos e colunas de água quente que jorram da terra, marcam a obra de Björk. Em 1995, a artista islandesa murmurou na canção "Possibly Maybe": "Meu pequeno vulcão / Suas erupções e desastres, me mantenho calma / Admirando sua lava, me mantenho calma". Dois anos depois, em "Joga", declarou-se às "paisagens emocionais". Em 2011, em homenagem às placas tectônicas, gritou em "Mutual Core" que "essa erupção desfaz a estagnação".

*

A PARTE PELO TODO

Convenhamos que Björk e Islândia são praticamente sinônimos. A cantora é talvez a única criatura que saiu dessa ilha e se tornou um ícone cultural. Para alguém, digamos, no Brasil, Björk já é a parte que representa o todo. Aproveito para sugerir que entrem na linguagem corrente expressões como "Björk declara apoio a medida da ONU" —em que o nome da artista apareça no lugar do país, assim como dizemos "Washington declara guerra ao Estado Islâmico".

VEJA O CLIPE DE "STONEMILKER", FILMADO NA ILHA DE GRÓTTA

Veja o clipe de Stonemilker, filmado na ilha de Grótta, na Islândia

Estabelecido esse fato, surpreende o pouco caso dos islandeses em relação à sua filha prodígio. Nas lojas de música, os discos da Björk estão expostos ao lado dos de centenas de outros artistas. Não há fuzuê do tipo "Para você que só veio à Islândia por causa dela, reunimos todos os badulaques neste canto". É quase como se insistissem em não tratá-la como a figura que é. Assim como a funcionária de um posto de gasolina que perguntou a razão da minha viagem enquanto eu comprava um malcheiroso salgadinho de peixe seco. "Vim pela Björk", disse. Ela virou os olhos e soltou o ar por entre os lábios apertados, com um sorriso incomodado.

*

UMA IDEIA CURIOSA

Em uma das minhas entrevistas apócrifas com a artista islandesa, perguntei-lhe quem veio antes: a experiência emocional ou a música. Ela me respondeu com sua peculiar pronúncia do inglês, tema, aliás, de uma tese de sociolinguística na Universidade da Islândia. "É como o ovo e a galinha, e como a via Láctea, um túnel, minhas vértebras, as suas vértebras, as vértebras de todo mundo, até mesmo das pessoas que não têm vértebras."

Perguntei-lhe, então, que tal lhe parecia que eu tivesse inventado uma entrevista com ela.

— Que ideia mais curiosa! Não sei como eu reagiria. Mas é verdade que a minha abordagem em relação ao real e ao irreal me faria pensar. Será que já não estou respondendo a essa entrevista fictícia quando eu canto? Quando atuo? Será que nós não respondemos às perguntas das pessoas quando transpiramos?

— Respondemos?

— Acho que sim. O suor diz: está muito quente aqui! E pense nos dinossauros. Os ossos deles respondem às perguntas dos paleontólogos. O que um dinossauro come? Os dentes dizem. Como andam? As articulações sugerem. O mundo é uma interação entre perguntas e respostas. Assim o babuíno se costura a si mesmo.

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