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Serafina

Em alta na Globo, Marcelo Adnet fará talk show 'nada a ver com o Jô'

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Reunidos no estúdio F, no Projac, oito atores aguardam a ordem de "gravar" do diretor João Gomes. É dia 1º de dezembro de 2015. Estão todos prontos, em silêncio, em suas posições, quando alguém nota um problema. Uma pintura ao fundo do cenário, praticamente escondida por Danton Mello, está um pouco torta. O iluminador, então, é chamado para acertar a posição do quadro. É um ajuste de centímetros. Observando tudo, Marcelo Adnet ironiza: "Agora a audiência sobe".

O deboche pode ser entendido, em parte, pelo cansaço. Estavam todos ali já havia mais de uma hora gravando cenas curtas de um esquete do "Tá no Ar: a TV na TV" —um quadro que, ao ser exibido na TV, terá menos de três minutos de duração.

O comentário de Adnet também ajuda a visualizar a sua confiança no programa. "O 'Tá no Ar' não se propõe a dar audiência. 'Como a gente pode dar audiência?' A gente nunca se fez essa pergunta. Nunca. Nunca", repete ele, duas semanas depois daquela gravação, em um restaurante em Botafogo. "Sou partidário de que audiência não necessariamente quer dizer qualidade", enfatiza.

Toda essa segurança se explica pelo reconhecimento geral ao humorístico que criou em parceria com Marcius Melhem e Maurício Farias. Com humor afiado e certeiro, atualmente em sua terceira temporada, o programa ri de todas as emissoras, inclusive da Globo, dos apresentadores ridículos, do excesso de drama, da cafonice geral, do sensacionalismo, do assistencialismo e da apelação que contamina a programação.

Para quem duvidava, "Tá no Ar" ajudou a provar que o Adnet crítico e politizado da MTV não foi "domesticado" ao migrar para a maior emissora do país em 2013.

"O programa tirou a gente da zona do óbvio. É muito ousado como linguagem. Tem pancadas e surpreende. É relevante", diz, usando uma palavra que repetirá algumas vezes durante a conversa.

Exemplo maior dessa ousadia, na visão de Adnet, foi uma paródia de samba-enredo exibida em 2015, no qual o humorístico aponta as relações promíscuas envolvidas no Carnaval carioca entre bicheiros e artistas. Nesta semana, outra prova da força criativa do humorista: o clipe sobre spoilers em séries de TV, que viralizou nas redes sociais.

"Com o 'Tá no Ar' o discurso avançou bastante. As pessoas lá dentro ficaram animadas", diz, reivindicando um papel de tropa de vanguarda para a sua equipe. "O pessoal agora quer participar do programa", observa, listando os que farão participações especiais nesta temporada, como Lilia Cabral e Tiago Leifert.

Outro motivo a encher o peito de Adnet de orgulho é a decisão, já tomada pela Globo, de colocá-lo no comando de um novo talk show, com estreia prevista para o segundo semestre. Antes de revelar à Serafina detalhes do programa-piloto, gravado em 2015, avisa: "Não é uma substituição ao Jô".

Ainda sem título, a atração começou a nascer em um dos fóruns criados pelo diretor-geral da Globo, Carlos Henrique Schroder, para discutir a programação da emissora. O jornalista Pedro Bial foi designado, então, para montar um grupo de discussões a respeito. As reuniões ocorreram na casa do ator Bruno Mazzeo. Definiu-se que o ator Mateus Solano seria o primeiro entrevistado e, em função desta escolha, pensaram em quadros e dinâmicas específicas.

"Se a gente recebesse outra pessoa, seria outra coisa. É um talk show, tem algumas características comuns a esse gênero (banda, cenário, sofá, um convidado). Mas tem também um pouco da minha cara, meus gostos pessoais", diz Adnet, enquanto beberica uma caipirinha de saquê.

No piloto, o apresentador canta com a banda e faz uma entrevista, nas suas palavras, "não convencional" com Solano. Um vídeo, feito no dia em que os dois se conheceram, em 1998, mostra Adnet imitando Silvio Santos e o convidado representando um gay. "Não mudamos nada", diz, rindo. O entrevistado também é submetido a uma pegadinha —grava uma campanha "por áudios menores no WhatsApp", sem saber o tema. "É um talk show sem muito talk, mais show do que talk", diz.

Cobaia da experiência, Solano avalia: "Achei o piloto legal, criativo, com muito potencial. Passa a impressão para quem assiste: 'Ainda posso me divertir muito com esse programa'. O Marcelo tem o perfil para a face camaleônica do show. Achei ele muito seguro."

Ainda que tenha sido pensado inicialmente de outra forma, no momento fala-se na Globo em uma atração semanal. "Se fosse um programa diário ou três vezes por semana, seria um projeto de vida", diz Adnet. "Se ele é semanal, ele cabe dentro da vida. Diário o desafio é maior. Achar mais pautas, se posicionar diariamente e tem um limite físico também, de trabalhar mais."

Adnet deixa claro estar preocupado com a necessidade, natural em um talk show, de manifestar suas opiniões: "Gosto de gente que pensa diferente. Gosto de discordar. Gosto de conversar. Mas não tem lugar para isso no Brasil", desabafa.

"Vivemos em uma sociedade que não debate. A gente não quer ouvir ninguém. Não quer saber o que ninguém tem a dizer. Quer zoar, não quer ouvir ninguém falar sério sobre nada. A gente quer fazer uma revolução sem ter que ler meio livro. Porque dá muito trabalho ler um livro, debater alguma coisa", afirma.

Bruno Mazzeo não vê problemas no desafio oferecido: "Marcelo talvez seja nosso melhor 'one man show' no momento. Acho ele perfeito pra esse tipo de programa. É inteligente, culto, interessado, curioso, por dentro do que está rolando, é de raciocínio cuja velocidade nem precisamos comentar. E se difere dos outros porque nenhum outro artista atual tem um leque de versatilidade tão grande. Durante uma simples entrevista ele não tira um coelho da cartola. Pode tirar uma ninhada!".

No piloto do talk show Adnet fez um monólogo de abertura sobre o clima político do país. "Falo que o ódio está na moda. Tá super 'in'. Odiar, xingar. A culpa é da Globo, a culpa é da Dilma, a culpa é da imprensa golpista, a culpa é da igreja, é do PT, do PSDB, do PMDB".

*

ESQUERDA, DIREITA

Questiono Adnet se esta reflexão será entendida como "de esquerda". "Não acho. É humanista. Esse entretenimento de direita alimenta um certo moralismo: 'Prende!' 'Mata!' 'Bate!' 'Atira!' A gente vive um momento de crise. Fica todo mundo exaltado. Tem um clima tenso no ar. As pessoas estão chateadas."

Entretenimento de direita? "Nós temos uma televisão de direita. Rachel Sheherazade, o próprio sucesso do Danilo [Gentili] tem a ver com isso. Alguém me perguntou: por que não tem um talk show de esquerda, em contraposição ao Danilo? Porque o entretenimento e o espetacular são de direita."

O assunto empolga Adnet: "Você nunca vai ter um Datena falando: 'Sabe o que tem que fazer com esse menor infrator? Sabe o que tem que dar pra ele? Cuidado, carinho, educação'. Todos os Datenas, Marcelo Rezende, todos os jornalistas que gostam de fazer aparte, Sheherazade, Boris Casoy, Paulo Martins... Se você falar coisas de esquerda nestes espaços, é a maior decepção. As pessoas têm um pequeno Bolsonaro dentro de si que querem satisfazer vendo a TV."

A conversa é brevemente interrompida para Adnet fazer o papel de maître e explicar para mim as especialidades do bistrô que ele frequenta. Logo ele retoma:

Daryan Dornelles
Marcelo Adnet --- Serafina 94

"Não consigo classificar se o meu posicionamento é de esquerda ou direita. É mais esquerda porque tenho afeição a alguns temas... Sou a favor de direitos humanos. Isso não significa que quero recolher bandidos e dar de mamar para eles. Isso é incompreensível. É um 'Walking Dead' da burrice", reclama.

"Acho que o Adnet é um humorista de esquerda, sim. Um dos poucos", diz o amigo Gregório Duvivier, que dividiu o palco com o comediante no espetáculo "Z.É. Zenas Emprovisadas". "É de esquerda em um sentido amplo, que não tem nada a ver com partidos. É de esquerda porque ousa fazer piada batendo nos mais fortes, e não nos mais fracos."

Fã do Twitter, onde tem 2,8 milhões de seguidores, Adnet anda ressabiado: "Se eu digo que não como em rede de fast-food, alguém fala: 'Então vai pra Cuba!' Tudo que você fala entra na polarização. As pessoas que representam a polarização não debatem entre si. É embate. Isso é muito chato. Sou uma pessoa que gosta de se comunicar, conversar", diz.

"O cara que é da Bíblia diz que liberar maconha é um absurdo. Mas maconha foi Deus que fez. O uísque foi o homem, cocaína, LSD foi o homem, mas maconha foi Deus que inventou, ele que colocou a semente. Não posso me expressar. A vontade de não entender é muito grande. Há um esforço imenso pelo desentendimento, pela polêmica, pela frase. Fico assustado com isso. A gente não consegue conversar."

Outro tema que o empolga é o que ele chama de "colunismo de fofoca", e a sua "fome em desconstruir" os famosos. Em consequência, diz, hoje "o artista está enclausurado, se fecha, não convive com a rua e perde a noção da realidade".

ASSISTA À PARÓDIA LORD OF THE ENDS

Esta reflexão diz respeito, também, a uma experiência pessoal traumática. Em novembro de 2014, Adnet foi fotografado aos beijos com uma moça no Leblon. A repercussão alcançada pelo flagrante do paparazzo chocou o ator.

"Resolvi no meu pessoal o que tinha que resolver e deixei bater. A Record fez uma reconstituição no 'Domingo Espetacular'. Isso é uma sacanagem", diz. "Bater em mim é uma forma de bater na Globo. O meu fracasso, se eu morrer, se eu virar uma bruxa do Mágico de Oz, definhar, isso é bom para algumas pessoas".

Adnet diz ter superado totalmente a situação com a também atriz e comediante Dani Calabresa, com quem é casado. "Tudo na vida fica cicatriz, fica lembrança. Doeu em mim, doeu na
Dani, mas já passou. Só que a gente não vai celebrar isso no 'Castelo de Caras'."

Aos 34 anos, Adnet voltou a morar com a mãe, no Humaitá. Ou fica em hotel, com Calabresa, que mora em São Paulo. "O preço dos apartamentos no Rio é muito surreal."

Depois de anos morando na capital paulista, por causa do trabalho na MTV, Adnet teve uma volta complicada ao Rio. Antes do episódio do paparazzo, houve a estreia da série "O Dentista Mascarado", o seu primeiro trabalho na Globo, cuja repercussão foi a pior possível. "Se fosse outro ator no meu lugar, não seria considerado ruim. As pessoas viram para não gostar. Eu não podia me dar bem", avalia.

"Olha a programação que a gente tem. 'O Dentista Mascarado' não era uma ofensa, uma coisa digna de vergonha. Pode dizer: 'Não era bom'. Sem problema. Podia ir mais pra cá, mais pra lá. Mas se eu não estivesse, a repercussão ia ser outra. Foi um trabalho", diz. "Tem gente que gerencia melhor a carreira. O Wagner Moura só vai na boa. Mas eu não estou no lugar dele. Sou moleque. Não posso escolher... Tenho que trabalhar".

É verdade que Adnet não é Wagner Moura, mas não está tão longe assim. E 2016, tudo indica, vai ser um ano em que só irá na boa.

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