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Serafina

Colunista radicado na Europa diz que amizade como a do Brasil não há

Bruno Santos
ilustração para a coluna Zooropa, de Henrique Goldman na Serafina 100
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Minha mulher, que é inglesa, sempre volta do Brasil comovida com a enorme gentileza e com o carinho dos amigos e parentes brasileiros. Aqui em Londres, ninguém dá carona até o outro lado da cidade de madrugada, ninguém cobre teu filho de mimos e o leva para passar o dia na piscina ou segura aos berros a mão do garçom para arrancar a conta e pagar o jantar.

Ela não é muito versada nas idiossincrasias nacionais e diz, com uma ponta de ironia, que talvez os brasileiros que conhece sejam tão dedicados aos amigos porque têm um exército de empregadas, babás e faxineiras para executar suas tarefas domésticas. Portanto, dispõem de mais tempo para os outros.

Tentando em vão explicar os Brasis para os gringos, navego sempre por uma baía minada com enormes clichês e contradições. Dei de presente para ela uma cópia do "Roots of Brazil" ("Raízes do Brasil", traduzido em inglês) do Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Não sei se o historiador, que publicou o livro em 1936, concordaria com a sua explicação (meio irritante) para a tão frequentemente proclamada cordialidade do brasileiro (essa muito irritante). Ao terminar de ler o livro, ela me pergunta: "Povo cordial e mais de 60 mil mortes violentas só no ano passado?"

Todo casamento tem seus temas recorrentes, os "leitmotifs" da relação que resistem à passagem do tempo, aquele papo que você já ouviu mil vezes mas, por amor, finge que é a primeira vez. Há anos ela me ouve dizer que nosso racismo é diferente do racismo europeu e norte-americano, que a nossa segregação é muito mais socioeconômico-cultural do que propriamente racial.

Mas o que dizer quando vamos numa festa de casamento enorme e cafona no Buffet França e ela me faz notar que os únicos negros no local são dois garçons e os dez membros de um grupo de percussão tipo Olodum que veio animar a festa -e que nenhum dos convidados é capaz de sambar decentemente?

A provocação é uma forma de carinho. Ela sabe que desisti há muito tempo de tentar me relacionar com amigos ingleses com a mesma intensidade de afeto que tenho com amigos brasileiros. Porque por aqui não existem amizades assim -com ou sem servos da gleba.

Durante o verão, nos poucos dias ensolarados, todo mundo em Londres fica mais afável. Amigos reaparecem e se convidam para festas no jardim, vizinhos que normalmente passam reto se cumprimentam sorridentes e no trânsito até te deixam mudar de faixa sem buzinar.

Mas neste verão do Brexit paira sobre a cidade um palpável pressentimento negativo e cinzento. Somos partículas infelizes da onda de auto-obsessão e egoísmo que pode nos levar a uma tragédia.

A quantidade média de carinho nas relações não pode ser medida e transformada em padrão comparativo. Uma pena. Se fosse, poderia fazer parte do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), para benefício do status internacional e da autoestima do Brasil, que anda tão por baixo.

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