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Serafina

Ex-estilista dos Beatles, Pierre Cardin afirma que sua moda não é tendência

Sabine Villiard
Pierre Cardin
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Este texto foi originalmente publicado na Serafina de fevereiro de 2011

Aos 88 anos, Pierre Cardin é daquelas figuras mitológicas do século 20. Está para a moda assim como Pelé para o futebol - com a diferença de que é craque também na gestão dos negócios. Além de permanecer na ativa, desenhando mais do que contando dinheiro. "Antes de estar aqui, eu estava no estúdio, criando um vestido", disse à Serafina, no encontro que aconteceu em seu escritório da avenue Marigny, na manhã do último dia de desfiles da Semana de Moda de Paris. "Desenhar é minha droga, o que me permite sonhar."

Uma espécie de Semana Pierre Cardin acontecerá em São Paulo entre os dias 24 e 29 de abril, quando o designer estará na cidade para a abertura da exposição "Pierre Cardin - Criando Moda Revolucionando Costumes" (shopping Iguatemi, 9º andar, de 29/4 a 28/5), idealizada por Kalina Bourgeois, com curadoria de Denise Mattar. Farão parte da mostra roupas, croquis e fotografias. No dia 26, ele acompanha desfile da marca na sala de exposições do mesmo shopping. Por fim, no dia 29, às 11h, faz palestra para estudantes de moda do Senac.

Antes chefe do ateliê dos alfaiates na maison Christian Dior, Pierre Cardin fundou sua própria marca em 1950. Vestiu Jackie Kennedy Onassis, Jeanne Moreau, madame Georges Pompidou, Lauren Baccal, a brasileira Carmen Mayrink Veiga, os Beatles. Seu desenho futurista -esta sua grande revolução- transcendeu a alta costura para abrigar-se até nas lojas de departamento (leia o box na pág. 31). A obra de Cardin é comumente colocada no mesmo altar de Chanel, Dior, Balenciaga e Saint Laurent.

Com a diferença de que seu traço foi além da própria moda, transformando a Pierre Cardin em um império que vende desde roupas, jóias e relógios até cinemas, teatros, hotéis, projetos arquitetônicos, aviões, chocolates, água mineral. "Não vim ao mundo para fazer uma grife (que, em francês, significa arranhão), e sim para deixar uma marca", diz Cardin, cuja maison é a última entre as tradicionais que ainda não foi vendida a um grande conglomerado. Ainda assim, estima-se que sua fortuna ultrapasse um bilhão de euros.

De costas para uma parede coberta por fotos suas com grandes personalidades do século 20, Pierre Cardin concedeu à Serafina a seguinte entrevista.

Que impressões o senhor tem do Brasil?
A primeira vez que fui ao Brasil tem mais de 50 anos, convidado para inaugurar a primeira feira de moda do país, que ainda era muito pequena e se chamava Fenit [Feira Internacional da Indústria Têxtil, criada em 1958] -eu e o presidente [Juscelino Kubitschek] cortamos a fita. Dessa época, me lembro de um Nordeste muito pobre e de uma São Paulo que começava a se desenvolver -não era essa coisa gigantesca de hoje.

O senhor fez um filme no Rio com [a atriz francesa e sua ex-mulher] Jeanne Moreau.
Sim, chama-se "Jeanne la Française" [1972]. Foi filmado no Rio de Janeiro e em Maceió, e dirigido por Carlos [Cacá] Diegues [com música de Chico Buarque e figurinos de Pierre Cardin]. Quando terminaram as filmagens, eu e Jeanne viajamos para a Bahia, Fortaleza, Manaus e depois ainda fomos para o Sul. Como vê, conheço bem o país, para onde já viajei umas 15 vezes, tanto de férias como a trabalho. Desfilei em São Paulo, no Rio, em Brasília. Cheguei a apresentar uma coleção para o presidente Juscelino e sua esposa, no palácio. Depois fomos passear de barco pelo lago artificial. Muito divertido!

Nessa época, já tinha clientes brasileiros?
Lembro-me da família Matarazzo e de Carmen Mayrink Veiga. Ela vinha muito a Paris, e eu adorava vesti-la.

Como se sente agora que voltará ao Brasil para a abertura de uma exposição em homenagem ao seu trabalho?
Não sei como vai ser, porque a maioria das minhas clientes e amigas têm a minha idade, ou já morreram (risos). Mas estou muito interessado no público jovem, apesar de não conhecer essa geração de brasileiros. Quando olho hoje os jornais e revistas, vejo que a juventude continua a descobrir meu trabalho, desde a moda até a arquitetura.

O senhor diria que esteve à frente de seu tempo?
Eu era muito moderno, e tudo que é moderno assusta ou intriga as pessoas. Meu trabalho sempre foi baseado no contemporâneo mas também no futurista, no "avant- garde". Ao mesmo tempo, todo ele é muito simples. Isso corresponde ao que as pessoas buscam nos dias atuais. Minha moda não é uma tendência, não é algo efêmero.

Como um bom projeto de arquitetura.
Exatamente. Aliás, minha moda é como minha arquitetura, da mesma forma que, às vezes, meus vestidos se parecem com o mobiliário que desenhei. Tudo faz parte do mesmo universo. Criei um estilo que não existia e continuo fazendo isso. Por exemplo, no novo Palais Lumière, uma escultura habitável que estou construindo em Veneza.
O senhor, que fazia alta costura, foi o primeiro a criar moda para uma loja de departamentos. O que o motivou?
Antes atendia somente clientes muito ricas, e isso começou a ficar chato -afinal já tinha vestido todas as grandes damas da época. Como bom socialista, queria invadir as ruas. Queria vestir os jovens e criar algo novo, ousado. Quando inventei o "prêt-à-porter" [para a loja de departamentos Printemps], consegui isso. Mas foi um choque, porque a moda era muito clássica. Hoje em dia é diferente, sinto que os jovens me admiram. Se vou a festas, e vou muito pouco, eles vêm falar comigo. Também, têm 20 anos e eu devo parecer uma antiguidade (risos).

Que futuro vislumbra para a moda?
Existem muitos costureiros, mas todos me parecem presos demais ao passado. John Galliano, para mim, vale pelo teatro: é lindo o que ele faz, são roupas espetaculares, mas não é moda -é somente espetáculo. É muito bonito, mas não é "avant-garde"! Ele é meu favorito, ao lado de Jean Paul Gaultier. Agora, mesmo eles me parecem buscar excessivamente o passado. Quando eu era mais novo, sempre ia aos museus para saber o que já havia sido criado, e não para fazer igual.

O que achou do afastamento de John Galliano da Christian Dior?
Se não fosse a Dior, Galliano não existiria. Também comecei na maison Dior em 1946, e também eu não existiria se não fosse por isso. Com a diferença de que, antes, as pessoas não conheciam Dior. Éramos sete na maison -quando saí, eram 800. Fiz o "New Look" [primeira coleção, de 1947]. Hoje, o que Galliano faz -ou fazia- é copiar isso [mostra foto de um dos vestidos].

Por que o senhor saiu da Dior naquele momento?
Tinha esse desejo de possuir minha própria marca. Não uma grife, que desaparece com o tempo, mas a marca que fica para sempre. E assim comecei, no final dos anos 50, com o "prêt-à-porter". Foi o que me permitiu alcançar todas as idades e países -e imprimir meu estilo. Mas o ontem já passou, já é "yesterday" (risos).

A exemplo do que aconteceu no período em que fazia apenas alta costura, o trabalho hoje não lhe causa tédio?
Antes de estar aqui, eu estava no meu estúdio, criando um vestido. Isso é minha droga, o que me permite sonhar. Sou acadêmico, embaixador, outras coisas. Se me pedissem para abandonar tudo e escolher uma única profissão, ficaria com a de costureiro.

Pierre Cardin é a única maison que ainda não foi vendida para um grande grupo. Como consegue mantê-la?
De fato é a única. Mesmo a Christian Dior, já em seu début não pertencia a ele exclusivamente. Depois de Dior, nunca mais tive um patrão. Mas devo dizer que eu até venderia a maison, se pudesse permanecer nela, trabalhando. Não preciso de dinheiro, mas estar aqui todos os dias é minha razão de ser.
Para finalizar, fale de sua amizade com o ex-presidente Collor.
Eu o conheci muito novo. Ele adorava minhas criações e me pediu para ser modelo. Depois, quando fomos filmar em Maceió, ficamos hospedados na sua casa. Era um rapaz educado e charmoso. Os anos se passaram, e eu estava certo dia no Rio, em uma convenção com o presidente [François] Mitterrand, quando encontrei novamente o Fernando. Ele era o presidente. Ele gritou: "Pierre!", e me abraçou daquela maneira que só os brasileiros fazem. No outro dia, lá estava eu em todas as capas de jornais. "J'adore le Brésil!"

O astronauta da moda
por COSTANZA PASCOLATO

Os anos 60 foram os únicos, na história recente da moda, em que se olhou para o futuro. O homem estava muito fascinado pela tecnologia, era o começo dos projetos espaciais. O homem chegou a Lua, aconteciam coisas que só conhecíamos pelos quadrinhos. Tudo isso causou um deslumbramento que influenciou a moda e o design.
Pierre Cardin, junto com Courrèges, foi o grande revolucionário dessa moda futurista. Aparecia uma alta costura com cara de astronauta, como uma zeigeist no tempo certo. Só que Cardin foi além da estética e iniciou aquilo que a gente conhece como "prêt-à-porter", a moda sendo difundida mais democraticamente. Entre comprar um Courrege que tinha um preço de alta costura, você comprava um Cardin por um terço do preço que, apesar das linhas futuristas, era menos estilizado, mais usável
Ele fazia grandes desfiles porque moda precisa de show, mas a roupa não era uma coisa exagerada, era para usar na rua, era moderna. Eu sei disso porque eu estava lá.
Além do momento futurista, sua inspiração veio da libertação feminina, sexual, da pílula, bem 60 mesmo.
Pierre Cardin é uma pessoa importantíssima no mundo da moda, olhou para a frente na questão estética, nunca abandonou a qualidade e foi o grande difusor da moda. Ele também foi pioneiro na globalização, lançou coleções em diversos países e foi o primeiro estilista a entrar na China comunista. Uma palavra para defini-lo é futuro, esse é o grande lance dele.
(depoimento a Silvia Crespi)

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