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Serafina

Conheça as NoMo, ou 'não mães', as mulheres que não querem ter filhos

Ana Matsusaki/Folhapress
A partir da esquerda: a artesã Gabriella Araújo e a editora Alyne Azuma em ilustração de Ana Matsusaki
A partir da esquerda: a artesã Gabriella Araújo e a editora Alyne Azuma em ilustração de Ana Matsusaki
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Ser livre –ou simplesmente não estar a fim, querer cuidar da carreira, salvar o planeta, salvar-se. Seja qual for o motivo, as mulheres NoMo (sigla de "No Mothers", "Não Mães", em inglês) têm uma certeza: não querem ser mães.

"Não sou uma não-mãe, sou gente", diz a cantora pernambucana Karina Buhr, 44. "Que nos chamem de selváticas", brinca a artesã mineira Gabriella Araújo, 43. "Ter filhos não é ético", dispara a escritora carioca Clara Drummond, 31.

"Filho não é default, é escolha", comenta a paulistana Alyne Azuma, 38, tradutora e editora de livros. "Se me perguntam, digo: nunca precisei", diverte-se a maquiadora mineira Cida Nogueira, 51.

Karina, Gabriella, Clara, Alyne, Cida... Nomes de uma turma que já tem rótulo: NoMo.

A sigla foi inventada pelas inglesas da Gateway Women, organização com sede no Reino Unido, que oferece suporte às mulheres sem filhos. A reivindicação é universal: o respeito de uma sociedade construída sobre o pilar da maternidade como único caminho possível para o nirvana.

O movimento em prol da liberdade de escolher –e de existir– só cresce, assim como o número de mulheres que decidem não ter filhos. Segundo a estatística oficial dos Estados Unidos, 47% das norte-americanas com idades entre 15 e 44 anos não são mães.

No Brasil, de acordo com os últimos dados do IBGE, 14% das mulheres não têm planos de engravidar. Com o aumento quantitativo, cresce a demanda por visibilidade, já que mulheres sem filhos não são heroínas de novelas, nem vendem sabão em pó.

"Não foi algo que eu refleti loucamente e resolvi que não queria. Simplesmente nunca quis. Maternidade nunca foi um desejo para mim, desde criança. Então não dá para ser imposição para todas", comenta Karina.

"Muitas mulheres se sentem pressionadas a serem mães. Não me identifico de forma alguma com a gravidez nem com o lugar de mãe, nem com essa raiz fincada no chão."

Ana Matsusaki/Folhapress
A partir da esquerda: a maquiadora Cida Nogueira, a cantora Karina Bur e a escritora Clara Drummond em ilustração de Ana Matsusaki
A partir da esquerda: a maquiadora Cida Nogueira, a cantora Karina Bur e a escritora Clara Drummond em ilustração de Ana Matsusaki

Mito do instinto maternal

A fome de debate pode ser medida por dois best-sellers mundiais, ambos na lista dos livros mais vendidos da Amazon em 2017: "Rocking the Life Unexpected" ("Balançando a Vida Inesperada"), da inglesa Jody Day, umas das fundadoras da Gateway Women, ainda sem tradução no Brasil. E "Mães Arrependidas", da antropóloga israelense Orna Donath, lançado aqui pela Civilização Brasileira.

No primeiro, a autora parte da própria experiência, a odisseia de uma mulher, que, aos 40 anos, deparou-se com o fato: não seria mãe. Daí em diante, foi em busca de um lugar. No livro, são apresentados estudos com 24 mulheres que não conseguiram engravidar -e o sofrimento ocasionado pelo sentimento de inadequação.

No segundo, relatos de mães que jamais imaginaram o que enfrentariam na maternidade, tendo como pano de fundo a discussão do mito do instinto maternal.

A causa tem ganhado cada vez mais rostos famosos: as atrizes Cameron Diaz, Jennifer Aniston, Renée Zellweger, Audrey Tautou e Helen Mirren vieram a público.

"Tenho uma vida genial em muitos sentidos justamente por não ter filhos. É só uma opção", assegurou Diaz. "Eu não tenho este tipo de lista de coisas que devem ser feitas", disse Aniston.

Fora dos holofotes, a secretária de Estado de Trabalho e Pensões do Reino Unido, Esther McVey, contribuiu com uma frase: "Não deram corda no meu relógio biológico".

A maternidade e o planeta

O ventre é livre ou é coletivo? A pergunta começou a ganhar forma em 1771, na "Declaração dos Direitos da Mulher", manifesto lançado na França dos idos da Revolução Francesa, de 1789.

Em 1949, a filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu "O Segundo Sexo", plantando a ideia da maternidade como obstáculo à libertação feminina. Nos anos 1960, a pílula anticoncepcional rascunhou um capítulo importante, outorgando às mulheres o poder de escolher.

O dado novo nessa luta pelo próprio corpo é, talvez, um paradoxo.

Diante da superpopulação –e dos recursos naturais à beira do colapso, surgiu em cena uma corrente radical de pensamento: as "antinatalistas", para quem "ter filho não é ético", como declarou à BBC a ativista espanhola Audrey Garcia, 39, repercutindo nos principais jornais do mundo. Ou seja: no final das contas, o ventre seria, então, coletivo.

Na Inglaterra, a organização Population Matters (população importa), que realiza pesquisas do impacto do crescimento populacional na natureza, divulgou estudo revelando que 63% dos britânicos defendem a ideia de que a preservação ambiental deve ser levada em conta na elaboração de leis referentes à natalidade; 51% acham que o número de filhos deve ser limitado a dois por casal; e 35% querem limitar os benefícios sociais oferecidos pelo governo da Grã-Bretanha ao primeiro filho.

Lançado recentemente no Brasil, pela editora Todavia, o livro da escritora chilena Lina Meruane "Contra os Filhos" chegou para colocar lenha no debate, lacrando a questão matemática:

"A máquina reprodutora continua seu curso incessante: cospe filhos aos montes. E gente morre aos montes também, mas para cada morto, para cada desenganado, há dois-ponto-três corpos vivos lançados ao mundo para tentar a sorte", escreveu em trecho da obra.

No polifônico universo do novo feminismo, o tema é espinhoso:

"O mundo está entrando em colapso por uma culpa coletiva e sob decisões tomadas apenas por homens, na maioria dos casos", opina Karina, para quem associar a não maternidade à salvação do planeta só coloca mais responsabilidade nos ombros das mulheres.

"Típico da nossa sociedade patriarcal: primeiro incutir nas mulheres um tal de 'desejo natural' de ser mãe e exigir delas a maternidade. E, agora, botar na conta delas a destruição do planeta. Preocupo-me com a faina de acabar com tudo, mas não podemos jogar a culpa em cima de nós mesmas. Chega de culpa."

Pelo sim, pelo não Alyne concorda: "A ideia de um mundo superpovoado nunca influenciou minha decisão. Não é uma decisão filosófica. Vivemos num mundo superpovoado, mas, ao mesmo tempo, vejo crianças tendo muito mais consciência sobre questões ambientais, muito mais mobilização do que gerações anteriores".

Para Clara, seria justamente o contrário: "Não quero colocar uma criança em um mundo que é puro sofrimento. A maior bênção é não ter nascido. Ter filhos não é ético. O egoísmo é ter filhos só para experimentar essa tal sensação de plenitude -o que, convenhamos, é um mito, dados os altos índices de depressão pós-parto".

Após ler sobre mudanças climáticas e se aprofundar na teoria do Antropoceno –a nova era geológica, em que os humanos teriam substituído a natureza como força ambiental dominante na terra, ela só confirmou o que já era intuição: "Eu me identifico com o pensamento antinatalista".

Gabriella também: "A questão ambiental influencia minha decisão de não ter filhos. Juro que olho meio espantada para quem decide por alguém no mundo do jeito que as coisas estão".

"Sou leve. Acredito na escolha de cada uma. Salvar o planeta é tarefa de todo o mundo. Não é minha", conclui Cida.

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