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Serafina

Mark Dion catalogará fauna e flora do parque Ibirapuera na Bienal de SP

Mariana Juliano/Folhapress
Mark Dion em seu apartamento em Nova York, que também lhe serve como ateliê
Mark Dion em seu apartamento em Nova York, que também lhe serve como ateliê
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Os pombos, pavões, veados e raposas foram morrer no apartamento de Mark Dion, do jeito que fariam em poses petrificadas nos museus de história natural.

Subindo pelas paredes, empoleirados em estantes ou exibidos como troféus, esses bichos empalhados habitam o mundo em miniatura que o artista americano construiu ao seu redor e vem recriando em obras ao longo das últimas décadas.

No dia em que nos encontramos, observados pela fauna exuberante de sua casa-ateliê em Nova York, ele tentava encaixar o que parecia ser o fóssil de um tênis de corrida num estranho terrário sobre a mesa de jantar. De trás dos óculos, seus olhos pareciam calcular a distância entre as peças como se tentassem encenar um pequeno apocalipse congelado no tempo.

"Era o que faltava, o resto já está pronto", dizia o artista, olhando para um amontoado de conchas, ramos e folhas. "Estou sempre viajando, então é raro ter uma chance de parar e trabalhar numa peça dessas."

Ele falava, no caso, de uma instalação em escala mais intimista, ao contrário dos exaustivos simulacros de museus, com dioramas e arquivos, que ele costuma construir nas grandes mostras de arte.

Dion então acabava de voltar de Porto Alegre, onde foi um dos artistas escalados para a Bienal do Mercosul encerrada em junho, e agora já arruma as malas de novo.

Em setembro, o americano vai montar mais um de seus museus da flora e da fauna mais banais transformadas em coisa extraordinária na próxima Bienal de São Paulo, no parque Ibirapuera.

O artista, aliás, chama os arredores verdejantes do pavilhão modernista onde acontece a exposição de lugar "luxuriante, belo e estranho".

"É uma paisagem bem domada para um país como o Brasil, mas ainda há plantas e animais que vivem ali uma existência selvagem mesmo no coração de uma cidade tão populosa", diz Dion.

"Terra selvagem para mim é uma parte do lugar onde as pessoas moram. Minha experiência de natureza não tem a ver com pureza ou lugares despovoados. Penso mais numa natureza junto das pessoas."

Ou que resiste às pessoas. No ano passado, na Bienal de Istambul, Dion recolheu, catalogou e desenhou as ervas daninhas que encontrou pelas ruas da metrópole turca, espécimes do que chama de "natureza resistente, que não precisa ser plantada ou nutrida".

Numa inversão de valores, as plantas que crescem à revelia do asfalto foram parar no museu como um aceno, diz ele, aos intelectuais, artistas e jornalistas desafiadores do totalitarismo que domina o governo da Turquia.

Dando corpo à "agenda secreta" do trabalho, ele e seus assistentes passaram o tempo todo desenhando aquelas plantas numa oficina-performance que terminava na construção de um arquivo da natureza marginal da cidade turca.

Dion, além de colecionador compulsivo de espécimes e carcaças, é mais um fanático por arquivos a surgir no circuito global da arte contemporânea.

Em tempos de fake news e mentiras embaladas como verdades em discursos políticos, em especial aqueles vindos da boca do presidente de seu país, artistas como ele vêm recorrendo a documentos -falsos ou verdadeiros- para retratar uma espécie de erosão da realidade.

Bienal de São Paulo

Sua nova obra em São Paulo engrossa a crítica que ele vem fazendo há anos sobre os métodos da era colonial que ainda regem os museus, mesmo os de arte, que constroem seus acervos pinçando peças de lugares muitas vezes periféricos na tentativa de ilustrar, uma parte pelo todo, os anseios estéticos de uma civilização inteira.

No pavilhão do Ibirapuera, ele e seu time de desenhistas vão retratar, à moda de ilustradores botânicos, as plantas do parque que ele julgar interessante, numa espécie de colheita antropológica.

"É uma obra que celebra a riqueza do parque", diz Dion. "Ele ainda pode causar um deslumbramento. Essas plantas podem ser conhecidas pelos cientistas, mas não por mim nem pela maioria de nós. Não é porque não são familiares que elas deixam de ser maravilhosas."

Maravilhosas e mortas. Dion sabe que seu gesto de recolher essas plantas para catalogar e exibir tem dois lados conflitantes.

Enquanto parece calcado num ativismo ambiental, a ideia de uma arte engajada na proteção da natureza, ele também sabe que o trabalho de levar qualquer coisa para a coleção de um museu se traduz em sua saída de circulação.

"O museu é o lugar onde as coisas vão para morrer, e eles não são nada neutros, contam sempre a história oficial", diz o artista.

"É preciso entender esses lugares como espaços em que a ideologia e uma ideia de ciência se misturam com uma aparência de objetividade. Mas a arte é boa para expressar a incerteza, a ambivalência, a melancolia e o sofrimento, coisas que não cabem no ativismo."

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