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Comunicação e chefia podem ajudar a usar desavenças como fonte de ideias

Não existe trabalho sem uma dose de estresse, opiniões contrárias e discussões. Mas é possível evitar que as divergências se transformem em confronto direto -e alguém termine engolindo sapo para manter o emprego.

"Os conflitos costumam se solucionar com rapidez quando os envolvidos se comunicam com clareza, estão dispostos a negociar de forma respeitosa e a procurar entender a desavença pela ótica do outro", diz Miryam Maziero, psicóloga do trabalho do Instituto de Psiquiatria da USP.

Em geral, não há políticas formais de resolução de conflitos dentro de empresas, segundo João Márcio Souza, economista e diretor da recrutadora Talenses. Apenas quando há algum problema a organização busca criar mecanismos para solucioná-lo.

Os conflitos de interesses, valores e perspectivas são esperados. "É um ambiente em que, mesmo que a gerência seja muito inovadora, daquelas cuja liderança é horizontalizada, há metas, burocracia e relações de poder bastante claras", diz Ana Cristina Limongi-França, doutora em administração e professora de gestão de pessoas e qualidade de vida da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Para minimizar o problema, é indispensável que as lideranças estejam atentas ao relacionamento entre os profissionais sob sua tutela e não deixem que a situação se desenrole sem interferência.

"O chefe tem que acompanhar o trabalho da equipe e corrigir eventuais desvios, entendendo o temperamento de cada um e gerenciando as expectativas de todos", complementa José Augusto Minarelli, pedagogo e presidente da consultoria de recrutamento Lens & Minarelli.

Marcus Leoni/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 14.02.17 15h A profissional Perola teve problemas com colegas no trabalho por divergencia de opiniao e conta como lidou com isso sem se queimar no mercado. (Foto: Marcus Leoni / Folhapress, CARREIRAS)
A produtora de conteúdo Pérola Cattini, 33, em São Paulo

DE CIMA PARA BAIXO

Uma chefia pouco atenta às necessidades foi o que gerou desentendimentos em uma das empresas onde a analista de conteúdo Pérola Cattini, 33, trabalhou.

"Havia conflito porque apresentávamos soluções para aprimorar o trabalho e todas eram bloqueadas pelos gestores, o que nos frustrava muito", diz ela.

Cattini atribui o problema a uma questão geracional. "Diziam que não tínhamos experiência, e fui deixando de contribuir até que perdi o ânimo com o trabalho. Hoje, teria tentado me impor e defendido minhas ideias em vez de me calar", afirma.

Segundo Maziero, quando se esgotam as possibilidades de negociação, o funcionário se sente aprisionado e, com isso, inicia-se um processo de adoecimento que, em casos extremos, pode afetar a saúde (veja abaixo).

QUESTÃO DE CULTURA

Segundo Souza, há empresas que incentivam o conflito entre os funcionários. "Algumas organizações, em áreas como bens de consumo e varejo, com ciclos de venda curtos, estimulam interações muito assertivas, que seriam mais eficientes para bater metas", explica.

A vendedora Márcia Algaves, 48, viveu na pele essa "assertividade" do setor varejista quando trabalhou na loja de uma grande rede de moda em São Paulo.

"A gerente nos destratava na frente dos clientes e desautorizava de forma grosseira as orientações da rede a respeito de trocas de peças, por exemplo. Dizia que 'não sabíamos o que estávamos falando' e gritava conosco até na porta da loja", afirma.

A vendedora passou a responder as ofensas, dizendo que não era obrigada a ser maltratada, e comunicou o problema à rede, que, segundo Algaves, nada fez. "Esse tipo de tratamento é comum no ramo de moda, e a marca tolerava, mas acho que isso gerou muitas demissões e até processos", diz.

De acordo com Limongi-França, as empresas que subestimam a gravidade dos conflitos podem ter que lidar com fuga de talentos, queda na produtividade e aumento de faltas dos funcionários, muitas vezes causadas por problemas de saúde relacionados com o estresse.

Mas, se bem administrado, o conflito pode ser positivo, segundo Elaine Saad, presidente da ABRH-Brasil (associação de recursos humanos).

"A divergência pode ser útil para encontrar o caminho do meio e mostrar que pessoas muito diferentes podem se complementar em competências e habilidades. Para que isso aconteça, é preciso deixar de lado uma postura belicosa e estar disposto a ouvir mais", afirma.

Diego Padgurschi/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL 15-02-2017: Marcia teve problemas com uma chefe muito grosseira e conta como lidou com isso sem se queimar no mercado. O Carreiras dessa semana vai falar sobre gestão de conflitos no trabalho. (Diego Padgurschi /Folhapress - CARREIRAS) *** EXCLUSIVO ***
A vendedora Márcia Algaves, 48, que teve problemas com uma chefe, em SP

ESGOTAMENTO

Em casos extremos, o conflito direto com o chefe ou colegas de trabalho pode causar problemas de saúde.
A analista de vendas Priscila Rocha, 25, teve síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, depois de três anos convivendo com um chefe, que, segundo ela, era ríspido demais.

"Ele chamava a todos de incompetentes, e eu já não aguentava mais. Um dia, saí do trabalho e fui para o hospital. Fui sedada, porque meus batimentos cardíacos chegaram a 160 por minuto."

Rocha foi encaminhada a uma psiquiatra, que a diagnosticou com a síndrome e a medicou com antidepressivos. Entre os sintomas da doença estão enxaqueca, irritabilidade, ansiedade, depressão e baixa autoestima.

Traumatizada após a experiência, a analista pensou em migrar para a carreira acadêmica até encontrar um novo trabalho na NeoAssist, uma plataforma de atendimento ao cliente. O processo seletivo da empresa inclui etapas para avaliar competências comportamentais.

"Questionamos os profissionais sobre como agiriam em situações de conflito. A parte técnica sabemos que é fácil de ser ensinada, mas não podemos mudar o comportamento e já tivemos problemas antes", diz Albert Deweik, presidente-executivo.

Para Miryam Maziero, psicóloga do trabalho do Instituto de Psiquiatria da USP, o problema de saúde começa quando as decisões são arbitrárias e não há espaço para a autonomia do profissional.

"Quando seus recursos internos se esgotam, o Burnout se instala, por isso a chefia e a empresa devem estar atentas e dar margem para uma solução", afirma.

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PROCESSO DE PAZ
Como evitar e solucionar conflitos

ESTUDE A ÁREA
Observe os traços de personalidade de cada profissional do seu setor: se são mais dominantes, influentes, cautelosos ou tradicionalistas. Daí, tire pistas de como interagir com cada um

OBSERVE OS DETALHES
Há aqueles profissionais que só são convencidos quando têm dados irrefutáveis; outros podem ceder com mais facilidade. Para evitar discussões, antes de abordar os colegas é melhor avaliar a reação de cada um ao problema

SEJA ORGANIZADO
Equipes com funções e metas bem definidas em geral discutem menos. Informe-se a respeito de suas atribuições e respeite o papel de cada profissional da sua equipe, sem atropelar ninguém

PEÇA AJUDA
O líder da equipe pode fazer a chamada "pesquisa de clima", com questionário dissertativo e anônimo, para que os profissionais expressem suas questões e ele possa mediá-las

NÃO LEVE PARA O PESSOAL
Pessoas com baixa resistência à frustração tendem a se zangar com críticas. Se algum colega levar comentários seus para o lado pessoal, faça questão de não mostrar nenhum tipo de
agressividade e tente compreender a outra parte

VEJA O LADO BOM
As desavenças podem ser estimulantes, já que instigam a enxergar um mesmo problema por novos lados. Para que a questão se resolva, deve-se comunicar tudo com clareza e saber negociar e conceder

Fontes: Mike Martins, diretor-executivo da Sociedade Latino Americana de Coaching e Miryam Maziero, psicóloga do trabalho da USP

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