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Empresas trocam formulário e nota por bate-papo com o chefe

A efetividade do modelo tradicional de avaliação de desempenho -com formulários, notas e balanços anuais- vem sendo questionada por todos: especialistas, empresas e funcionários.

"De que adianta existir uma ferramenta se ela não é valorizada pelos gestores?", afirma Bruno Andrade, líder da área de engajamento da consultoria Aon Brasil.

Para ele, os profissionais encaram a avaliação de forma protocolar, porque não acham que o processo leva a algum lugar. Outro motivo de resistência, segundo ele, é a presença das notas, que "rotulam e limitam".

"Sempre me incomodou esse negócio de ter que encaixar as pessoas dentro de blocos. Cada ser humano é tão complexo. Isso não faz o menor sentido", afirma a economista Renata Freezs, 39, gerente de estratégia e mercado da Klabin, fabricante de papel e celulose.

A empresa começou a eliminar o sistema tradicional de avaliação de desempenho no fim de 2015. Hoje, o processo já está consolidado.

No lugar de formulários, notas e feedbacks, entraram "conversas de qualidade", nas quais líder e funcionário discutem as oportunidades de crescimento -e não mais as falhas cometidas.

"O termo feedback se desgastou com o tempo. Passou a ser algo desconfortável para os dois lados", diz Sergio Piza, diretor de gente e gestão da companhia.

Ele conta que, no começo, os líderes foram treinados para criar planos de desenvolvimento construtivos, não reativos. "Não vou pensar no defeito da pessoa, mas tentar entender o que ela precisa para entregar mais resultado."

Adriano Vizoni/Folhapress
Crédito: SAO PAULO - SP - BRASIL, 06-04-2017, 16h00: CARREIRAS - PERSONAGEM. Retrato de Carolina Muniz, gerente senior de marketing da Ypioca, da Diageo. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, CARREIRAS) ***EXCLUSIVO FSP***
Carolina Souza, 34, gerente de marketing da fabricante de bebidas Diageo, na sede da empresa, em São Paulo

Depois da mudança, Freezs passou a fazer reuniões semanais com sua equipe e, a cada três meses, conversas individuais. "É um processo mais maduro e humano. Demanda tempo, mas vejo isso como um investimento", diz.

A redução da burocracia, na visão de Piza, traz de volta o que realmente interessa: o desenvolvimento dos profissionais. "A gente ganhou tantas ferramentas que elas acabaram se tornando o fim, não o meio."

Para a psicóloga Izabela Mioto, professora dos cursos de pós-graduação de administração da FAAP, a tendência é que as empresas, aos poucos, comecem a rever seus sistemas de avaliação.

"Mas não adianta buscar uma roupagem moderna se não houver formação de líderes com esse entendimento. O processo vai levar para o mesmo lugar", afirma.

SEM NOVIDADE

Nem todo mundo concorda que a falta de eficácia dos sistemas de avaliação está na ferramenta em si. "Não há nada de novo em promover conversas, sem um balanço anual. Já fazíamos isso na década de 1980", diz psicóloga Leni Hidalgo, professora de gestão de pessoas do Insper.

Segundo a especialista, se os chefes só dão feedbacks aos funcionários uma vez ao ano, esse é um problema de gestão, não do instrumento.

"Eliminar a burocracia pela burocracia é importante, mas não podemos jogar o bebê junto com a água da bacia. Temos que eliminar só o que é ruim", afirma.

A administradora Carolina Souza, 34, trabalha na fabricante de bebidas Diageo há quatro anos. "A empresa leva muito a sério a avaliação, e esse é um fator de retenção para mim", conta a gerente sênior de marketing.

Para Souza, as janelas formais garantem a transparência do processo, já que, de uma forma ou de outra, os profissionais serão analisados -o que pode influenciar nas promoções. "Aqui, me sinto muito segura porque sei o que esperam de mim e vejo que o método é justo."

MUITO FEEDBACK

Uma das maiores reclamações dos profissionais em relação ao modelo tradicional de avaliação de desempenho é a ausência de feedbacks constantes. "O colaborador pensa: 'Fiquei um ano inteiro sem acompanhamento e, no fim, recebo uma nota", afirma Bruno Andrade, da consultoria Aon Brasil.

Para o especialista, a maioria das pessoas fica presa aos processos formais das empresas e não toma a iniciativa de pedir um retorno ao chefe.

"Às vezes, com a correria, ele não colocou isso na agenda, mas não significa que não queira conversar. O funcionário pode estimular o diálogo, diz.

Porém, é necessário maneirar na dose. Afinal, cobrar feedbacks a toda hora pode indicar carência.

"Há pessoas que são inseguras e precisam de validação a cada momento. Isso não é saudável", considera a psicóloga Izabela Mioto, professora dos cursos de pós-graduação de administração da Faap.

Se a ânsia de receber feedbacks mais frequentes for muito intensa, ter uma conversa franca com o gestor é o melhor caminho. O importante é saber como expressar esse desejo sem usar um tom acusatório.

"Em vez de dizer para o chefe que ele não dá tanto retorno como a pessoa gostaria, pode falar que ela sente necessidade de ter mais feedbacks. Percebe a diferença?", afirma Mioto.

Além disso, também é importante aprender a perceber os sinais do ambiente. "Muitas vezes, a comunicação não é direta. Temos que ir além do que é passado verbalmente."

De nada adianta pedir feedback se a postura em relação a ele for apenas de autoafirmação, e não de escuta e aprendizado.

"Não tem como não ficar chateado com uma avaliação ruim. Para além disso, é preciso usá-la para assumir as fraquezas e entender como se diferenciar dos demais a partir dos pontos fortes", afirma a psicóloga Leni Hidalgo, professora de gestão de pessoas do Insper.

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