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Crise e redução de vagas obrigam concurseiros a rever estratégia

Estados endividados, atrasos nos salários de servidores e promessas de desinchar órgãos públicos acenderam o alerta para concurseiros.

A advogada Rejane Wagner, 37, desistiu de prestar concursos após quatro anos de provas. Avaliou que ser funcionária do Estado não valia mais as dez horas diárias de estudo e os cerca de R$ 1.500 por mês com cursinho, viagens e hospedagens para fazer os testes.

Adriano Vizoni/Folhapress
A advogada Rejane Wagner, 37, em São Paulo
A advogada Rejane Wagner, 37, em São Paulo

"Tudo poderia mudar muito em pouco tempo. Poderia acontecer de ver todas as minhas fichas depositadas virarem pó", diz ela, que abriu um escritório de advocacia.

A crise também dificultou ainda mais o acesso ao setor público. Com orçamento apertado, União, Estados e Municípios devem contratar menos. Segundo a Anpac (Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos), a previsão em 2017 é que sejam abertas 85 mil vagas em níveis federal, estadual e municipal nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Bem menor que a de 2016, 100 mil vagas, e a de 2015, 215 mil.

Quem já atua como funcionário público também encontra dificuldades. A promotora de Justiça Juliana Pellacani, 38, está sem perspectivas de subir na carreira.

"Antes, era possível ter uma promoção em um ano no máximo. Estou há três anos e quatro meses e nada. As vagas para cargos mais altos estão congeladas", diz ela. "Quem está aqui há mais tempo diz que o funcionalismo passa sempre por períodos bons e ruins. Quero acreditar que vai melhorar."

O professor da USP Helio Janny Teixeira, especializado na área pública, afirma que os investimentos, contratações e promoções tendem a ser retomados, mas aponta a tendência de um Estado "mais enxuto e inteligente".

"A arrecadação não é suficiente para cobrir os gastos, e a principal despesa é com pessoal. O enxugamento é inevitável. Serão menos servidores com mais eficiência e mais bem gerenciados."

Para Marco Antonio Araujo Junior, diretor executivo do cursinho Damásio e presidente da Anpac, os eventuais cortes devem acontecer em cargos comissionados, preenchidos sem necessidade de concurso. "A Constituição define que a forma de contratação em órgãos públicos é por concurso. Pode haver redução de número de vagas, mas não de provas", afirma.

Essa é a aposta de Franco Cavallari, 31, que trabalha como assistente jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas ainda continua tentando virar juiz.

Ele alerta, no entanto, que é preciso estudar também a situação financeira do Estado que contrata antes de se inscrever para as provas. "Não presto para vagas em Minas Gerais, Rio de Janeiro, e Rio Grande do Sul, que, por causa da crise, podem demorar anos para chamar candidatos aprovados."

Além da região, o procurador do Estado de São Paulo Tarso Neri, líder dos cursos jurídicos da Federal Concursos, sugere escolher áreas menos suscetíveis a abalos na economia e, portanto, a atrasos nos pagamentos.

Marcelo Justo/Folhapress
Franco Cavallari, 31, assistente jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, que estuda para se tornar juiz
Franco Cavallari, 31, assistente jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, que estuda para se tornar juiz

"Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública têm autonomia financeira e independem da vontade de governador ou presidente. Por lei, todo mês recebem 1/12 do que está previsto em orçamento", explica.

Para Teixeira, se o cargo for bem escolhido, o funcionário do Estado ainda leva vantagem sobre o da iniciativa privada. "Ainda há uma estabilidade no cargo público. Além disso, o Estado em geral cumpre o pagamento de benefícios obrigatórios e há uma pressão menor do que em empresas privadas. E o salário inicial é competitivo."

Porém a coach Fernanda Chaud, da SBCoaching, diz acreditar que não são esses fatores que devem ser o foco daqueles que prestam concursos. Para ela, é possível ter estabilidade semelhante à da carreira pública na iniciativa privada. "A empresa não demite quem traz valor, quem assume responsabilidades e faz mais do que é esperado."

Para ela, o concurseiro precisa refletir mais sobre sua vocação do que sobre estabilidade e benefícios para não se frustrar com a carreira pública. "Em poucos anos, o setor público pode não ter dinheiro para manter as vantagens de hoje", diz Chaud.

"O perfil do servidor exigido pelos brasileiros está mudando. Ele precisa assumir responsabilidades, ter vontade de servir e de ajudar a sociedade a prosperar."

APROVEITAMENTO DE ESTUDO

Os anos de estudo para tentar passar em concurso público podem se tornar uma vantagem na busca por uma vaga no mercado de trabalho privado.

Para Fernanda Chaud, da SBCoaching, concurseiros acabam desenvolvendo habilidades muito valorizadas pelas empresas, como dedicação e persistência.

"Os anos de estudos nunca são perdidos. Aprendi a ter um raciocínio jurídico e a ser autodidata", afirma a advogada Carolina Di Mônaco, 35, que começou a fazer pós-graduação em direito médico após desistir, por enquanto, de fazer concursos para a magistratura.

Paulo de Tarso Neri, da Federal Concursos, destaca também outra habilidade adquirida na preparação para concursos: a proficiência na língua portuguesa. "Esse conhecimento dá condições de conquistar uma vaga melhor", diz.

Segundo Fernanda Chaud, o primeiro passo do ex-concurseiro na busca por um emprego deve ser o autoconhecimento. "A partir do momento que o profissional sabe para onde quer ir, entende quais cargos procurar e quais empresas têm perfis e valores com os quais se identifica", explica a coach.

Após passar quatro anos e meio tentando passar em concurso, a advogada Rejane Wagner diz ser importante retomar a autoconfiança. "É preciso entender que não ter passado não significa fracasso, que há mil formas de recomeçar", afirma.

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