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Do sumiço à terceirização: as novas formas de pedir demissão

Yuichiro Okazaki e Toshiyuki Niino são ótimos em pedir demissão. Nos últimos 18 meses, eles pediram para sair de pelo menos 1,5 mil empregos.

Mas a dupla não está deixando seus próprios cargos. Os dois são sócios de uma startup, com sede em Tóquio, que oferece um serviço personalizado a funcionários que estão morrendo de vontade de pedir demissão, mas precisam de uma mãozinha.

"A maioria deles tem medo do chefe", diz Okazaki.

"Eles sabem que seus chefes vão dizer: 'Não, você não pode desistir'. Acho que é por causa da cultura japonesa —desistir de algo é ruim. Quando querem sair do emprego, sentem que são uma pessoa ruim."

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É neste momento que a Senshi S entra em ação, oferendo um serviço chamado Exit ("saída", em tradução livre). Por 50 mil ienes, a companhia entra em contato com o chefe do cliente e entrega o pedido de demissão por procuração.

Às vezes são necessárias várias tentativas. Em outras, as empresas se recusam a negociar com a Senshi S e dizem que o funcionário deve entregar o pedido pessoalmente.

Mas, quando o serviço é realizado com sucesso, o alívio dos clientes pode ser imenso. "Houve um cliente que disse: 'Você é um messias'", conta Okazaki.

Segundo ele, o homem queria sair do emprego há 10 anos e "estava realmente sofrendo com o trabalho".

O executivo estima que cerca 30 empresas oferecem serviços semelhantes atualmente no Japão. Tradicionalmente os trabalhadores japoneses permanecem a vida toda no mesmo emprego, mas nos últimos anos a rotatividade aumentou. Além disso, a escassez de mão de obra significa que há também um mercado para quem está em busca emprego.

"As pessoas estão mudando, mas a cultura não está mudando, tampouco as empresas... e é por isso que as pessoas precisam de nós", diz Okazaki.

É claro que conseguir que outra pessoa entregue seu aviso prévio é uma das maneiras mais inusitadas de pedir demissão. E, embora conversar com o chefe ainda seja provavelmente a opção mais popular, há quem adote outras estratégias dependendo das circunstâncias da partida.

Pode ser que você precise sair logo depois que entrou ou descubra que a vaga não era exatamente o que você tinha em mente —ou até mesmo que você não consegue desempenhar a função. Nestes casos, em vez de ter uma conversa desconfortável com o chefe, há quem opte por desaparecer.

Esse tipo de comportamento no ambiente de trabalho é conhecido como ghosting, palavra derivada de ghost (fantasma). O termo surgiu no campo dos relacionamentos amorosos e significa encerrar de repente qualquer tipo de contato com a pessoa, sem dar a menor explicação. Agora, a prática evolui para o mundo corporativo.

No fim do ano passado, o Livro Bege do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) —um dos principais indicadores da econômica dos EUA— chegou a fazer referência ao fenômeno.

Chris Yoko, que dirige uma empresa de web design no Estado americano da Virgínia, teve uma experiência bizarra com um fornecedor que deveria finalizar um projeto digital de casa.

"Esse cara tinha acabado de começar com a gente —ele parecia uma boa escolha, parecia um cara genuinamente bom. Começamos com um projeto bem simples para nossos padrões. Ele concordou, [mas] chegou quinta-feira —e não havia nada lá."

Foram vários emails e mensagens na caixa postal sem resposta. No fim das contas, em meio ao silêncio total do fornecedor, o trabalho foi passado a outro profissional.

Pouco tempo depois, um homem que se identificou como amigo dele entrou em contato via e-mail. Disse que ele tinha morrido em um acidente de carro e pediu alguns arquivos fiscais que a família precisava. Mas Yoko sentiu que havia algo errado e decidiu checar a conta do fornecedor no Twitter.

Na rede social, parecia que ele estava bastante vivo. Na verdade, tinha acabado de responder o tuíte de um primo confirmando presença em uma reunião de família.

"Ele respondeu a essa pessoa com uma foto dele com uma garrafa de uísque na mão dizendo: 'Não só eu vou, como vou levar isso", lembra Yoko. "Eu fiz uma captura de tela e encaminhei para o cara: 'Olha, uma boa notícia, parece que ele está bem!'"

Fingir a própria morte para evitar continuar em um trabalho é obviamente um exemplo extremo. Mas sair e cortar todo o contato com o empregador parece estar em alta.

Uma gerente de nível médio que trabalha no setor de varejo no Reino Unido (que não quer ser identificada) disse que abandonou a empresa —onde havia sido contratada por um período de experiência de três meses— porque conseguiu outro emprego que precisava dela imediatamente. E foi embora.

Isso aconteceu no início da carreira dela, no auge da recessão. Ela afirma que sua saída se deve em parte à percepção de como as relações com os empregadores podem ser "inseguras e instáveis".

"Eu tinha colegas que faziam a avaliação de fim de ano e nunca mais voltavam porque tinham sido cortados da equipe. Você vê como o empregador pode ser cruel. Então, como funcionário, você pensa: 'Na verdade, não preciso ir amanhã'."

E talvez ela tenha uma certa razão. Não são apenas os trabalhadores que desaparecem sem dar uma palavra. A maioria das pessoas não recebe resposta ao se candidatar a uma vaga de emprego. Outros podem não ter retorno inclusive após participar de uma entrevista presencial durante o processo seletivo.

Um homem contou à BBC que sofreu ghosting de possíveis empregadores depois de elaborar documentos estratégicos, fazer testes e até passar por três rodadas de entrevistas.

Chris Gray, diretor administrativo da empresa de recrutamento Manpower no Reino Unido, diz que o fato de os trabalhadores estarem virando a mesa é, em parte, um sintoma do mercado de trabalho em expansão no mundo desenvolvido.

O baixo índice de desemprego nos EUA e no Reino Unido significa que é "muito fácil para eles abandonarem o processo e partirem para outra, por assim dizer", diz ele.

E ele reconhece que há muito pouco a ser feito depois que alguém resolve desaparecer sem dar explicações.

"Uma vez que você já perdeu tempo como recrutador ou empregador de alguém que acabou de desaparecer, você não quer perder mais tempo tentando descobrir por que a pessoa sumiu", diz ele.

"Acho que tudo o que podemos fazer para mitigar parte disso é sermos mais proativos na criação de bancos de talentos; construir relacionamentos o mais cedo possível. Conhecer as pessoas antes de precisar delas."

Quanto aos trabalhadores, embora seja capaz de atender às suas necessidades imediatas, praticar ghosting com um empregador pode ter consequências no longo prazo. Assim como acontece no universo dos relacionamentos amorosos, ninguém guarda boas recordações de alguém que nunca se despediu.

"É muito pouco profissional", adverte Dawn Fay, presidente regional da consultoria americana de recrutamento Robert Half.

"Não recomendo a ninguém, seja você um empregador ou funcionário, nunca pratique ghosting."

A executiva reconhece os motivos por trás da prática - algumas pessoas simplesmente não gostam de conflitos ou de decepcionar os outros, enquanto outras acabam perdendo o interesse durante processos seletivos longos, por exemplo.

As empresas, diz Fay, podem fazer a sua parte "garantindo que o processo (seletivo) ande rapidamente" e se comunicando com os candidatos com total transparência.

Ela lembra ainda que os "fantasmas" podem voltar para assombrar quem pratica ghosting.

"É algo que pode realmente voltar e te afetar mais adiante na sua carreira. Você nunca sabe onde as pessoas vão estar, então você precisa se certificar de que vai sempre se comportar profissionalmente, não importa o que aconteça."

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