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O que fazer quando um colega de trabalho morre?

Em vários ambientes corporativos, as relações pessoais são vistas como secundárias

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Ilustração de pessoa sentada em mesa com computador e planta ao lado
Uma ideia recebida de profissionalismo faz as pessoas pensarem que não podem expressar suas emoções quando alguém morre - Katie Horwich/BBC News Brasil
Frey Lindsay
BBC News Brasil

Como as empresas e seus gestores devem se preparar para a situação da morte de um colega de trabalho? O assunto é delicado; em vários ambientes de trabalho, as relações são vistas como secundárias nas vidas das pessoas —e, em várias culturas, falar abertamente sobre o tema é tabu.

Carina estava a procura do colega Miguel, quando lhe contaram que este passou mal e foi levado ao hospital.

Carina e Miguel trabalhavam juntos na filial mexicana de uma empresa de marketing global. Miguel era gerente de marca e Carina, sua assistente.

Embora fosse uma grande empresa, a equipe era próxima e todos se davam bem. "Costumávamos sair às vezes. Frequentávamos bares depois do trabalho quase toda sexta-feira."

Miguel tinha 35 anos e era workaholic. Carina admirava sua ética profissional, mas muitas vezes se preocupada em vê-lo pulando o almoço ou comendo besteiras o dia inteiro em sua mesa.

Ela diz que Miguel sempre teve tempo para seus colegas: "Era uma pessoa incrível".

Ilustração de mesa com computador e uma planta ao lado
Para muitas empresas, morte de funcionário é um tema tabu e não sabem como lidar quando isso ocorre - Katie Horwich/BBC News Brasil

Mesmo no hospital, Miguel continuou trabalhando. Os gerentes da empresa diziam que não era nada sério e, como ele continuou respondendo seus emails, seus colegas acreditaram.

Mas semanas se passaram e Miguel não reapareceu. Um dia ele parou de responder emails.

"Era uma sexta-feira, quando recebemos um email, do nada, dizendo que o RH queria se reunir com toda a empresa."

A equipe temia pelo que seria anunciado. Carina mal conseguia acreditar que estava prestes a ouvir que seu colega, de apenas 35 anos, havia morrido.

Mas o pior foi a maneira como o representante de RH falou sobre Miguel. Essa pessoa não era próxima dele, e Carina sentiu como se ele estivesse descrevendo um ativo que a empresa havia perdido. "Como se o escritório tivesse pegado fogo tivéssemos perdido alguns computadores. Parecia impessoal, muito frio."

"Especialmente nas grandes empresas, no final parece que somos descartáveis."

Na maior parte do mundo, a morte é um assunto difícil, evitado, e, no escritório, esse tabu costuma ser muito mais forte. É como se fosse "profissional" mostrar distância e frieza quando alguém morre.

Madelaine Swift teve uma experiência semelhante à de Carina. Ela é consultora sênior de uma companhia de gerenciamento de risco, a Focus Oxford Risk Management, que fornece seguros e consultoria para empresas quando um funcionário morre. Seu trabalho é garantir que as empresas não cometam erros graves que pudessem comprometer seus negócios ao lidarem com a morte de um funcionário, especialmente um importante.

Este é o lado estranho da questão. Ninguém quer falar sobre isso, mas quando alguém morre, existem preocupações tanto pessoais quanto comerciais.

Depois que Miguel morreu, Carina diz que a mesa dele permaneceu intocada por um longo tempo. Mesmo quando seu substituto chegou, algumas de suas coisas ainda estavam sobre a mesa. Obviamente, nenhum de seus amigos queria ser o responsável por dar um fim àqueles objetos, mas ela acha que a gerência falhou ao não tomar uma iniciativa sobre isso.

"Eles poderiam pelo menos ter limpado o espaço dele. Foi estranho."

Ilustração de computador com planta seca ao lado
A substituição de funcionários é outro ponto sensível que as precisam lidar quando um trabalhador morre - Katie Horwich/BBC News Brasil

Swift diz que, embora tenhamos uma tendência a pensar nas pessoas que amamos como "insubstituíveis", muitas vezes no local de trabalho um colega realmente precisa ser trocado.

"É preciso ter sensibilidade, porque nem tudo é apenas business. Pode ser seu melhor amigo, seu superior imediato - alguém com quem você tenha um relacionamento muito próximo."

Ela diz caber aos gerentes de uma empresa refletir sobre as decisões difíceis que possam ter que tomar - e ter planos em mente.

Mas, ao mesmo tempo, uma empresa precisa pensar em como os funcionários estão lidando com isso.

"Não há resposta certa ou errada. Você praticamente tem de seguir o fluxo. Você precisa ter um plano, mas precisa também se certificar de que pode evoluir."

Kirsty Minford, psicoterapeuta que trabalha com organizações em momentos de mudança ou perda, diz que o primeiro impulso de muitas empresas é falar pouco quando um colega morre, por medo de fazer ou dizer algo errado, ou divulgar algo que a família talvez não queira saber.

Mas isso pode ser difícil para a equipe. "Quando você conversa com os funcionários ou pessoas afetadas, eles tendem a desejar mais comunicação e mais informações", diz ela.

No entanto, as relações de trabalho são muitas vezes percebidas como secundárias àquelas fora do escritório e um colega de escritório pode ser "apenas alguém com quem você trabalha".

Levando em conta essa percepção e a relutância geral em discutir o tema morte, Kirsty diz entender por que muitas empresas cometem erros nesses momentos. A especialista explica que as empresas precisam entender que as relações de trabalho são reais e afetam seus funcionários.

"Muitos de nós gastamos uma quantidade enorme de nosso tempo com colegas de trabalho, às vezes mais do que com nossas famílias."

Ela diz que uma coisa que os gestores podem fazer é consultar sua equipe sobre a melhor forma de honrar a memória de uma pessoa, seja criando um prêmio em seu nome, plantando uma árvore ou lhe dedicando uma placa.

E quando chega a hora de substituir alguém que morreu, há maneiras de fazê-lo com sensibilidade. Ela sugere mudar um pouco o título da pessoa ou o arranjo da mesa para que não pareça um substituto.

"Uma empresa com a qual trabalhei trouxe um trabalhador temporário dois dias depois. O trabalho precisava ser feito, de qualquer maneira. Mas sentá-lo na mesa da pessoa que havia morrido sem explicar a ele ou à equipe por que ele estava lá e o que tinha acontecido antes, realmente perdeu alguns aspectos humanos fundamentais do luto."

Ilustração de computador com planta seca ao lado
Especialista diz que mudar decoração da mesa é um dos pontos indicados após morte de funcionário - Katie Horwich/BBC News Brasil

Ela diz que não se trata apenas de uma questão de compaixão. O luto pode levar pessoas a largarem o emprego se se sentirem pressionadas a voltar ao normal muito rapidamente, ou sentirem que não podem justificar sua tristeza por alguém que não era um membro direto da família ou um grande amigo.

Carina deixou sua firma algumas semanas após o anúncio da morte de Miguel. Ela já estava planejando sair, mas diz que ficou feliz em sair por conta da forma como a morte de Miguel foi tratada.

"Quando penso na reação, sinto raiva. Mas, quando penso no (Miguel), lembro-me de pequenas situações em que ele poderia ter me dado a resposta em dois segundos, mas ele estava tipo 'OK, deixe-me explicar tudo para você'. Mesmo que ele tivesse dez mil coisas para fazer."

"Ele era uma pessoa incrível, então eu me lembro dele com muito respeito."

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