'Se você parou de aprender, é hora de trocar de emprego', diz professor britânico

Michael Arthur defende que plano de ascensão deve partir do profissional, e não da empresa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Para ter sucesso hoje, o trabalhador não pode mais esperar que a empresa trace a sua carreira. Ele precisa assumir as rédeas da vida profissional e decidir seus próximos passos antes que seja pego de surpresa pelas mudanças causadas pelos avanços tecnológicos.

É o que afirma o britânico Michael B. Arthur, professor da Universidade Suffolk, em Boston (EUA). Ainda na década de 1990, ele criou o termo “carreira sem fronteiras”, para definir o fim dos tradicionais planos de ascensão dentro das organizações.

“Se o empregador está mantendo você no mesmo lugar, invente seu próprio projeto”, diz o professor, que está em São Paulo para participar de eventos na FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo) e na FIA (Fundação Instituto de Administração).

Professor encostado em uma parede com janela
Michael B. Arthur na FEA-USP, em SP - Adriano Vizoni/Folhapress

Em entrevista, Arthur fala sobre como o profissional deve se posicionar e buscar novos aprendizados em um mundo do trabalho cheio de incertezas. “Ter um emprego é só o primeiro passo para permanecer empregado, mas é insuficiente.”


Como a carreira mudou nos últimos anos? A antiga concepção de carreira remonta ao sistema feudal e ao fabril. A premissa era que as empresas deviam um emprego vitalício aos seus funcionários. 

Nos anos 1980, pesquisas diziam que as empresas estavam tentando fazer coisas demais, e não as executavam tão bem —por exemplo, as indústrias automobilísticas, que fabricavam as suas próprias peças.

Percebeu-se, então, que as companhias deveriam se especializar mais. Assim, elas ficaram menos aptas a oferecer o leque de oportunidades de carreira que as pessoas gostariam de ter. Com o alto nível de inovação que veio junto com esse modelo, houve uma insegurança maior.

Ao olhar para as taxas de mobilidade no emprego, passou-se a observar que o funcionário ficava na empresa de cinco a oito anos, em média. Assim, a previsão é que uma pessoa terá ao menos quatro ou cinco empregadores ao longo da vida. 

A única maneira de entender essa carreira é se afastar de uma única organização e ter uma visão mais ampla de como a vida profissional daquela pessoa evolui.

Com isso, eu e meus colegas nas escolas de administração começamos a trabalhar com o conceito de carreira sem fronteiras.

O que é uma carreira sem fronteiras? É uma perspectiva que assume a mobilidade ao invés da imobilidade. Começamos a introduzir ideias sobre, por exemplo, carreiras baseadas em projetos, como ocorre nas produções de cinema independente, nas quais as pessoas dos dois lados dão o seu melhor no projeto atual da mesma forma que são responsáveis por achar seus próximos projetos.

O que podemos concluir disso é que a orientação para guiar a carreira de uma pessoa está dentro dela mesma. Só ela pode olhar em retrospectiva para entender onde esteve e onde está agora. E, portanto, está na melhor posição para procurar pela nova oportunidade de emprego.

Como estar preparado para lidar com essa realidade? Usamos a abordagem chamada de carreira inteligente, que pode ser entendida, em linhas gerais, como aplicar sua própria inteligência à situação. Falamos sobre conhecer por que, como e com quem se trabalha. O que historicamente tem sido mais negligenciado é o olhar para o “com quem”.

Por quê? Porque é nesse espaço que você vai procurar por um sistema de suporte, por pessoas que se preocupam com a sua carreira. É nessa área que você deveria procurar por mentores, por grupos ocupacionais.

É importante ter um sistema de apoio pessoal realmente forte, composto por diferentes tipos de suporte —familiar, profissional e emocional. Ter um lugar no qual sua reputação esteja abrigada e as pessoas possam apoiar a qualidade do seu trabalho. Tudo isso se torna absolutamente essencial quando você pensa sobre esse tipo de carreira.

Também é vital no sentido de ter entusiasmo para continuar acreditando nas suas habilidades e ajudar a desenvolver novos talentos, algo que simplesmente estávamos acostumados a deixar para o empregador escolher se faria ou não, dependendo da importância que ele pensava que você tinha. 

Por que é importante saber a motivação para trabalhar? Historicamente, confiávamos no empregador para dizer o que era melhor para cada um de nós. A empresa nos dizia para onde ir, quais os caminhos de promoções estavam abertos. 

A companhia costumava dizer ao profissional para viajar e presumir que a sua família ficaria bem quando deixada para trás e assim por diante. A lógica disso era: “Você estará aqui por toda a vida, portanto faça o que pedimos”.

Uma vez que não há mais um emprego de longo prazo, não faz sentido fazer o que nos dizem sem nos preocupar com a própria carreira.

Mas é possível não levar em consideração o que a empresa exige? Não estou dizendo que os empregadores devem fazer o que o indivíduo deseja, mas que deve haver uma boa conversa, que, de tempos em tempos, precisa ser revisitada. Estou só colocando o indivíduo como parte da tomada de decisão sobre o que uma carreira deve envolver.

É preciso sempre amar o que fazemos? Muitas pessoas não estão em posição de poder amar o seu trabalho. Por exemplo, muitos imigrantes querem que seus filhos amem seu trabalho, em vez de ter qualquer expectativa de que eles possam fazer isso. Muitas famílias desfavorecidas pensam da mesma maneira.

Mas as pessoas têm preferências. Se você puder alinhar a sua carreira com o tipo de coisa que vem naturalmente para você, isso é ótimo.

Mas esse modelo também pode ser enganoso. Existem programas por aí que ajudam as pessoas a identificar seus pontos fortes e dizem que elas devem encontrar um emprego que tenha exatamente essas características. 

Eu nunca poderia ter sido professor durante 40 anos se tivesse sido guiado só pelas minhas forças.

Faça o que você ama” é um ótimo convite. Então, cabe ao indivíduo trabalhar com isso e ver o que significa na sua situação pessoal. Precisa haver um núcleo do trabalho que te faça continuar.

Quando saber que é hora de fazer um movimento na carreira? Reposta simples é: quando o aprendizado para. Não dá para trabalhar e deixar de aprender algo novo em uma época em que a inovação é rotineira e o progresso tecnológico é mais rápido que nunca. 

Ter um emprego é só o primeiro passo para permanecer empregado, mas é insuficiente. Esse trabalho vai mudar à medida que a tecnologia avançar.

E a tecnologia afeta todos nós. O profissional precisa se tornar mais versátil. Não é só a elite que precisa pensar dessa maneira. É a força de trabalho que precisa ser capacitada para ser mais flexível em seu próprio espaço de trabalho.

Como vê a ideia de uma segunda carreira? Essa ideia é enganosa, porque isso nega a primeira carreira, usando essa mesma linguagem. Só temos um termo que captura trabalho e tempo numa mesma definição, que é a palavra carreira. 

Se você começa a usar carreira para falar sobre sua primeira opção ao sair da faculdade ou falar em segunda carreira, você está perdendo uma conexão. 

Não faz sentido descartar o que se fez antes. É uma mudança na vida profissional, não no sentido de se transformar em uma nova carreira, mas uma evolução da única carreira alguém vai ter.

Com um futuro de tanta incerteza, como os jovens devem escolher a sua área de formação? Eu diria: escolha uma área de estudo de que você goste, mas saiba que muitas pessoas acabam não trabalhando no campo que estudaram. Jogue-se de todo o coração nos primeiros anos de trabalho. Aprenda o que puder, crie um sistema de suporte para si mesmo, construa uma reputação e esteja aberto a mudanças. 

Mesmo no mundo do aconselhamento de carreira, ainda temos o legado da vocação, que fala “você vai ser um engenheiro” ou “você vai ser uma enfermeira”. 

Deveríamos estar dizendo que “você pode querer começar como engenheiro”. É uma coisa muito diferente de dizer que sua vida será trabalhar como um engenheiro e socializar com outros engenheiros.

Isso não acontece. E cabe à pessoa manter o controle do aprendizado que ela recebe e das experiências que procura. E, assim, carreira se torna um fenômeno muito individual.

O graduado da faculdade deve adotar uma abordagem baseada em projetos para alimentar a sua educação e avançar para o próximo passo. E essa abordagem deve ficar com ele indefinidamente.

Se o empregador está mantendo você no mesmo lugar, invente seu próprio projeto e diga que está fazendo o mesmo trabalho do ano passado, então vai tentar algo diferente. E, se não encontrar isso no local de trabalho, faça isso no seu próprio tempo. Sempre precisamos de um projeto.

 

 

Professor com mãos no bolso em frente ao prédio da FEA-USP
Professor Michael Arthur na Cidade Universitária, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Michael B. Arthur, 74

Britânico, é professor emérito da Universidade Suffolk, em Boston (EUA), e professor visitante da Cranfield School of Management, no Reino Unido. Entre os livros dos quais é coautor estão “The Boundaryless Career” (1996) e “An Intelligent Career: Taking Ownership of your Work and Your Life” (2017)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.