Crise do coronavírus atrapalha entrada de jovens no mercado de trabalho

Desemprego faz com que recém-graduados procurem vagas fora da área de formação

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São Paulo

A crise econômica trazida pela pandemia tem dificultado o ingresso de jovens no mercado de trabalho.

A taxa geral de desemprego no país, que chegou a 13,3% no segundo trimestre deste ano, bateu 29,7% entre aqueles que têm de 18 a 24 anos, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). No mesmo período de 2019, o índice de desocupação entre jovens era de 25,8%.

Dentro desse grupo está Bárbara Freitas, 22, graduada em relações internacionais na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), em 2019.

No início do ano, ela tinha no horizonte duas ofertas de emprego e um curso de mídias sociais na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Quando foi decretada a pandemia, as vagas foram suspensas, e o curso, postergado.

Desde então, Bárbara faz aulas online para aperfeiçoar habilidades que ela acredita serem importantes e, claro, se candidata a diversos postos. "Já devo ter tentado umas 50 vagas", diz. Mesmo com o cenário econômico pouco promissor, ela sente-se pressionada a manter-se ativa. "Para os meus pais, parece que estou fazendo corpo mole."

Bárbara Freitas, 22, formada em relações internacionais, em sua casa, em São Paulo
Bárbara Freitas, 22, formada em relações internacionais, em sua casa, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Segundo o professor de economia Renan Pieri, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, os recém formados de hoje escolheram a área de trabalho em um cenário econômico diferente. "Eles se planejaram imaginando um cenário de mercado que não existe mais", diz.

De 200 companhias entrevistadas em um levantamento da 99jobs, empresa de recursos humanos e recrutamento, apenas 3% continuaram contratando durante os primeiros meses da pandemia.

O cenário de cortes e redução de oportunidades afeta também o mercado de estágios. Antes do novo coronavírus, a bacharel em letras Amanda Cruz, 25, havia conseguido um posto como assistente de professor de ensino médio na área de literatura, em uma escola em São Caetano (Grande São Paulo). A contratação foi suspensa por causa da quarentena.

Assim como Bárbara, Amanda enviou currículos para outras vagas em sua área de interesse, mas não teve resposta.

Hoje, a renda de Amanda vem de uma bolsa de pesquisa na USP (Universidade de São Paulo), onde faz um trabalho com documentos em arquivos. Por conta da pandemia, as atividades presenciais foram substituídas por grupos de estudos realizados remotamente.

Ela não chegou a procurar emprego em outras áreas além de educação e literatura. "Mesmo com a desvalorização da profissão, trabalhar com educação sempre foi meu objetivo. E, apesar da crise, as pessoas sempre vão precisar de professores", diz.

Amanda Cruz, 25, bacharel em letras, em casa na zona sul de SP
Amanda Cruz, 25, bacharel em letras, em casa na zona sul de SP - Zanoze Fraissat/Folhapress

Bárbara, por outro lado, decidiu ir atrás de outras opções. "Perdi totalmente o rumo do que eu buscava profissionalmente", conta.

A jovem planejava uma carreira em empresas voltadas para a filantropia, tema que a acompanha desde o trabalho de conclusão de curso. "Mas quando você fica dois, três meses sem conseguir nada, começa a tentar qualquer coisa."

Segundo o fundador da 99jobs Eduardo Migliano, hoje há menos vagas para mais candidatos. Antes da pandemia, a média de empregos anunciados no site era de 4.000 por mês; em abril, o número caiu para 500. De junho para cá, há uma retomada, mas não é possível falar em crescimento.

Migliano observou um aumento de buscas por estágios e trainees. "Não porque as empresas que estão abrindo postos sejam os melhores lugares para trabalhar, mas porque as pessoas estão se candidatando para todas as oportunidades que aparecem", afirma.

De acordo com o professor de economia Pieri, historicamente a taxa de desemprego é mais alta entre os jovens. A tendência é global e se agrava nos períodos de crise.

Há vários motivos para isso, entre eles, o aumento da concorrência. À medida que trabalhadores mais experientes são demitidos, eles tentam retornar ao mercado de trabalho em cargos menos qualificados, recebendo menos.

Ao concorrer com essas pessoas, o jovem sai perdendo, porque, em geral, ainda não conseguiu se especializar em nada. Bárbara, por exemplo, chegou a disputar uma vaga com candidatos que já tinham pós-graduação --outra faixa etária muito afetada pelo desemprego é a dos 25 aos 39 anos, com 35,3% de desocupados, segundo o IBGE.

Outro complicador é que o cenário econômico desfavorável também pode acelerar a entrada dos jovens no mercado, uma vez que eles se veem obrigados a assumir parte das despesas familiares.

"Em uma crise menos grave, os mais novos perdem emprego e os homens e mulheres chefes de família acabam mantendo o trabalho", diz. "Agora a crise foi tão forte que as pessoas que eram a principal fonte de renda da casa também perderam trabalho."

Além de dificultar o acesso ao primeiro emprego, a recessão pode acabar mudando o plano de carreira de muitos profissionais, segundo Pieri.

Ele afirma que, desde a recessão de 2008, pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que, entre aqueles que estão no início da vida profissional, há uma dificuldade em retomar o objetivo inicial de carreira.

"Seja porque o primeiro emprego não foi na área desejada ou porque o primeiro salário foi muito abaixo do desejado", explica.

O momento pede pragmatismo e paciência, coisas que nem sempre os jovens têm. "A gente sai da faculdade meio sem saber o que quer fazer, e as vagas disponíveis hoje já cobram habilidades específicas. Sinto que a pandemia cortou a parte da vida em que jovens podem experimentar várias áreas", diz Bárbara.

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