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Inteligência artificial acelera processos seletivos, mas pode derrapar na diversidade

Sem cuidado, discriminação no recrutamento analógico é replicada no digital, diz empresário

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São Paulo

A pandemia escancarou uma tendência que vinha se concretizando nos recursos humanos: a digitalização dos processos seletivos. A necessidade de distanciamento social intensificou a aposta nas inscrições e seleções totalmente online –mas a aplicação da tecnologia não para por aí.

Junto com a digitalização, compreendida por profissionais de RH como forma potencial de diversificar as equipes, vem a aplicação de inteligência artificial e algoritmos.

A empresa Mindsight, especialista em aplicação de tecnologia para gestão de pessoas, utiliza softwares de análise de dados para combinar demandas das empresas, tanto de alinhamento de cultura empresarial quanto de habilidades necessárias para vagas, com características específicas de cada candidato.

A tecnologia, aplicada em empresas como a Suzano e RiHappy, chegou a reduzir em 95% e em 33%, respectivamente, o tempo de triagem de candidaturas.

Lara Modesto, da equipe de recursos humanos da RiHappy, afirma que além do aumento da velocidade dos processos, os perfis dos candidatos que chegavam para o RH eram mais próximos dos buscados.

Ilustração. Fundo azul com nuvens em tons diferentes, uma tela de computador no meio com um funil em cima dele. No funil, símbolos de hora, dados e informações e pessoas ao redor do computador
VectorMine / adobe stock

A proposta, mais do que apenas agilizar o processamento de currículos, é analisar de forma mais assertiva habilidades comportamentais, além das competências técnicas.

"O RH consegue ir direto aos pontos que precisamos explorar naquele candidato", diz Modesto. "Uma entrevista que antes durava uma hora agora dura 40 minutos."

Segundo Thaylan Toth, cofundador da Mindsight, os algoritmos empregados nos processos seletivos medem, a partir de questionários, pontos como raciocínio lógico, perfil do candidato, alinhamento com a cultura da empresa, interesses e objetivos.

Os currículos tradicionais, com formação e histórico, perdem espaço para a medição direta de características. Para Toth, isso livra a análise de candidaturas de uma série de inferências que poderiam ser feitas a partir do currículo, como atribuir determinado perfil socioeconômico a um possível empregado por conta da faculdade cursada.

Segundo Adriana Carvalho, da RiHappy, essa característica da inteligência artificial tem, inclusive, o potencial de trazer mais diversidade para as empresas.

A praticidade, porém, pode custar caro. Para Eduardo Migliano, fundador da plataforma de recrutamento 99jobs –que utiliza algoritmos e inteligência artificial desde 2017–, a tecnologia tem potencial para reproduzir em massa o viés entregue pelos recursos humanos, ou seja: se houver algum tipo de discriminação no recrutamento analógico, ele será replicada no processo digital.

"Se historicamente o gestor só pedia homens na área de tecnologia, a inteligência artificial vai ler isso e entender que homem é melhor. Ela não tem consciência política, de que existem classes minorizadas", afirma Migliano.

Para Tarcízio Silva, doutorando em ciências sociais com foco em tecnologia da UFABC (Universidade Federal do ABC), o potencial de discriminação dos algoritmos pode ser ponto de partida para questionar a adoção de tais métodos em processos seletivos.

"Do ponto de vista dos recursos humanos, a possibilidade de desenvolver sistemas de contratação mais inclusivos requer profissionais e especialistas que sejam capazes de adereçar racismo, machismo e capacitismo de uma forma franca", afirma.

"O tecnosolucionismo da inteligência artificial não é capaz de resolver essas questões por meio da lógica do big data justamente por serem complexas demais para os computadores. E, quando há dados abundantes para treinar as máquinas, eles são estabelecidos em históricos de desigualdade, que podem justamente resultar na promoção da discriminação –desta vez ainda mais opaca".

Na tentativa de trazer pontos de vista diversos para a construção dos algoritmos, empresas como a 99jobs apostam na inclusão de negros, mulheres e LGBTs nas equipes de tecnologia.

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