Quem acha que todo advogado usa terno e gravata e só fala “juridiquês” se surpreende ao conhecer os profissionais do direito digital, acostumados a lidar com equipes multidisciplinares e versados em tecnologia.
Com a entrada em vigor da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), empresas de todos os portes passaram a ser obrigadas a ter um encarregado de proteção de dados. Segundo Renato Leite Monteiro, diretor do instituto de ensino e pesquisa Data Privacy Brasil, embora estimativas conservadoras apontem para 50 mil novas vagas na área, elas podem superar as 300 mil.
O instituto, em resposta a essa demanda, abriu, no início de 2021, uma vertical de recrutamento em parceria com a empresa Bold HR, especialista em recursos humanos. Por meio da plataforma, ex-alunos podem se conectar com vagas na área de privacidade e proteção de dados.
A demanda por profissionais especializados chegou também aos escritórios de advocacia. Segundo Monteiro, as principais firmas já têm departamentos consolidados de privacidade e tecnologia —uma área que só cresce. Além disso, os profissionais de direito digital podem atuar nos departamentos jurídicos de empresas de tecnologia.
Para Adriano Mendes, do escritório Assis e Mendes, especializado em direito digital, a área não é separada de outras do direito. “Tudo é tecnologia. É uma especialidade que aparece dentro de outras,
como tributária, penal e civil.”
Ele acredita, porém, que o perfil do profissional que trabalha com direito digital é bem diferente do tradicional, acostumado a recorrer a decisões já consolidadas.
“Não há fórmula pronta. A pessoa que trabalha com LGPD precisa atuar como engenheira e arquiteta jurídica”, afirma, “O advogado digital inova, corre riscos, participa de reuniões de negócios e se pergunta: ‘Qual o risco de uma multa? Vale a pena correr o risco?’”
Mendes afirma que a motivação pela inovação, assim como a familiaridade com tecnologia, são características essenciais na área —e que a vida imersa em tecnologia das gerações mais novas pode favorecer profissionais jovens.
O advogado de direito digital tem um perfil diferente do advogado padrão. Ele precisa ser também engenheiro e arquiteto jurídico. Nessa área, não há fórmula pronta. Profissionais jovens, que já nasceram no mundo digital, saem na frente
“Meus chefes sempre foram jovens, na faixa dos 30 anos, e me inseriram muito nas produções. Mesmo sem estar formada, já publiquei artigos e participei de podcasts e lives”, conta Iasmine Favaro, 24, estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP.
Foi no curso que o interesse pelo direito digital foi despertado. Ela começou na área como pesquisadora do PET (Programa de Educação Tutorial), onde fez uma rede de contatos com professores e colegas da área. Hoje, Iasmine trabalha em um escritório de advocacia, na área de proteção de dados. “Senti a necessidade de ter uma experiência mais prática.”
Além da USP, instituições como a FGV (Fundação Getulio Vargas) e a PUC (Pontifícia Universidade Católica) passaram a incluir o direito digital nos currículos da graduação —tanto para desenvolver o aspecto técnico, de legislação, quanto para fomentar habilidades comportamentais da área, como trabalho em equipes multidisciplinares.
Na FGV, a atuação é em duas frentes: tanto na integração da tecnologia à prática jurídica, na forma de laboratórios em parceria com empresas para automação de processos, quanto na discussão do direito digital —que vai da proteção de dados individuais até discussão sobre ética no uso de inteligências artificiais.
Segundo Alexandre Pacheco da Silva, coordenador do Cepi (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) e fundador do labtech da FGV, esse aspecto interdisciplinar, de unir o aspecto filosófico ao prático, é marca registrada da área —e os estudantes precisam aprender a criar pontes entre o conteúdo tecnológico e o direito.
“Não temos, porém, a pretensão que nossos estudantes se tornem cientistas de computação ou de dados.”
Embora a programação não seja vista como essencial, a afinidade com tecnologia é necessária na área. “Se você não tem ideia de como funciona um smartphone, um computador, a internet, o compartilhamento de dados, a legislação não vai fazer sentido para você”, afirma Monteiro, do Data Privacy Brasil.
Para a universitária Iasmine Favaro, o conhecimento na linguagem de programação conhecida como R foi aliado no estágio, na hora de trabalhar com automação de pesquisa em dados de legislações.
O verdadeiro diferencial para ela, porém, veio da pesquisa acadêmica, já que a área é nova e precisa de produção constante de conhecimento.
Isabella Pereira, advogada júnior recém-formada pela PUC-SP, afirma que a tecnologia pode incidir diretamente em questões de direitos humanos —motivo pelo qual escolheu a área. “É uma ferramenta de acesso muito grande, mas são as pessoas que vão escolher se a gente vai perpetuar as desigualdades ou combatê-las com a inteligência artificial."
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