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Os problemas dos algoritmos que selecionam candidatos a emprego (e três dicas para driblá-los)

Muitas empresas delegam a escolha do contratado a sistemas de inteligência artificial

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Em alguns casos, não são suas habilidades ou sua experiência que levam você a conseguir um emprego em uma disputa com centenas de outros candidatos.

As empresas precisam lidar com complexos processos e muitas vezes delegam esse trabalho a sistemas de inteligência artificial que analisam currículos. Assim é decidido se você é eliminado ou se continua no processo.

São programas de contratação preditiva que aplicam certos critérios pré-determinados de modo automático, de acordo com as características de uma vaga.

Essas ferramentas, conhecidas como ATS (Applicant Tracking System, ou Sistema de Rastreamento de Candidatos), funcionam sobre uma base de palavras-chave que cada empresa define segundo o perfil buscado, além de usar outros mecanismos de eliminação de candidatos.

Há diferentes tipos de ATS, mas de forma geral a operação tem um mecanismo bastante semelhante entre eles.

"O que está sendo buscado é uma maior eficiência no processamento de dados", disse à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Hong Qu, pesquisador do Instituto Stanford de Inteligência Artificial Centrada no Humano, nos Estados Unidos.

Mulher de pele clara  acena enquanto olha para uma notebook. Ela usa um headfone
Programas buscam padrões definidos e muitas vezes deixam de fora concorrentes qualificados para uma vaga - Getty Images

Esses sistemas permitem às empresas economizar tempo e dinheiro. Mas também podem ser uma desvantagem quando o algoritmo, por suas limitações, decide eliminar bons candidatos ou quando desenvolve preconceitos baseados na repetição de padrões, afirma Qu.

Estes são alguns conselhos para vencer os algoritmos:

1) Usar palavras-chave

Os algoritmos buscam palavras-chave relacionadas a categorias como habilidades, experiência, performance e escolaridade e ajustam esses resultados aos requisitos da vaga. Mas a empresa pode pedir que sejam incluídos filtros mais específicos.

Para usar as palavras-chave, o primeiro passo é comparar o seu currículo com a descrição das especificidades do emprego.

O candidato pode, então, incluir no seu currículo termos e expressões usadas para descrever a função, fazendo apenas adaptações ao seu próprio perfil.

"Quando incluir palavras-chave no seu currículo, tente sempre usar a mesma linguagem que está na descrição da vaga buscada", escreveu Liz Guarneros, uma consultora de recrutamento e seleção.

Também é aconselhado utilizar essas palavras no contexto adequado e não colocá-las apenas para que o software as identifique.

"Isso até pode ajudar com os algoritmos do filtro inicial. Mas não vai trabalhar a seu favor na hora de conversar com um recrutador", diz ela.

2) Incluir conquistas como resultados quantificáveis

"É muito importante ser específico", diz Hong Qu.

Um exemplo: se você é da área de tecnologia, escreva os nomes dos softwares que você domina em vez de dizer "experiência com análise de dados", sem entrar em detalhes.

Especialistas também recomendam mostrar os resultados conquistados na carreira por meio de exemplos concretos, em vez de citar uma lista de atribuições em empregos anteriores.

Em vez de dizer "responsável pela supervisão da estratégia de vendas, conquistando um aumento significativo de vendas", melhor colocar algo na linha de "liderei uma equipe de 10 pessoas com a atribuição de supervisionar a estratégia de vendas, que aumentaram 20% em 6 meses".

Para que seu currículo tenha um impacto maior na leitura dos algoritmos, é preciso se perguntar o que a empresa está buscando e como os resultados são medidos nesse ambiente.

"Investigue qual é a medida de sucesso para essa empresa, descubra quais são as métricas de sucesso", afirma Qu. Nem todas as companhias avaliam o desempenho no emprego da mesma maneira.

Nesse sentido, um bom trabalho de pesquisa é fundamental. É preciso dizer ao algoritmo "o que ele quer escutar". Outro elemento importante é incluir no currículo algo que diferencie o candidato dos outros concorrentes.

Um bom exercício é imaginar quais características são comuns entre os que disputam essa vaga e assim identificar qual pode ser o seu elemento diferenciador.

3) Utilize um formato simples

Muitas pessoas não são selecionadas em um processo por algo muito simples: a legibilidade do seu currículo.

Para que o algoritmo não elimine você, é essencial que o formato do seu CV seja simples e "decifrável" pelo sistema.

Em alguns softwares ATS, os currículos em formato PDF não funcionam.

Evite usar qualquer formato complicado. Quanto mais simples, melhor. Ou seja, é recomendável usar o Word.

Tente também não montar o currículo em duas colunas. Use o formato padrão para que o programa leia a página "corrida".

Não inclua fotos, gráficos ou tabelas. Deixe de lado qualquer estilo criativo ou muito sofisticado. Mesmo que possa ficar "quadrado", melhor optar por um formato minimalista, sem distrações, fácil de ler.

Utilize títulos tradicionais para separar as seções do currículo: "experiência profissional", "escolaridade" etc.

Sempre coloque os lugares onde você trabalhou em ordem cronológica inversa —ou seja, o mais recente em primeiro.

Talento perdido

O estudo "Trabalhadores Ocultos: Talentos Sem Uso", da Escola de Negócios da Universidade Harvard, publicado em setembro de 2020, afirma que os algoritmos deixaram de fora de processos de recrutamento milhões de trabalhadores, alguns dos quais poderiam ser aptos para as vagas.

Há, por exemplo, casos de hospitais nos Estados Unidos onde um algoritmo buscava um candidato com habilidade de "programação computacional" quando, na realidade, a descrição da vaga pedia que o profissional inserisse dados do paciente no sistema.

Ou o caso de um software que estava atrás de um perfil com experiência em "atenção ao cliente" sendo que a companhia queria reparadores de linhas de transmissão elétrica.

Outros problemas detectados pela pesquisa mostram que os algoritmos eliminam ou dão baixas pontuações a pessoas com lacunas na experiência profissional.

Muitas vezes esses espaços em branco no currículo são os períodos de gravidez de uma candidata ou fases de mudança de cidades, em que pode levar tempo até achar um trabalho. São circunstâncias específicas na vida de uma pessoa, interpretadas pelo programa como um "vazio".

Desenvolvedores estão buscando soluções para questões como essas, com uma melhor "calibragem" dos algoritmos.

Empresas do setor de tecnologia chegaram a retirar a obrigatoriedade de possuir um título profissional em alguns postos caso o candidato preenchesse os requisitos buscados na vaga.

O viés do algoritmo

Programas podem ser menos enviesados que profissionais humanos porque podem ser configurados para ignorar informações como idade, sexo e raça.

Mas Hong Qu, do Instituto Stanford de Inteligência Artificial Centrada no Humano, diz que "a inteligência artificial também é enviesada porque os algoritmos são treinados para identificar padrões de sucesso que se repetem com o tempo".

"Os algoritmos amplificam os padrões do passado e nesse processo podem apresentar preconceitos de raça, gênero ou idade", explica Qu, criador do AI Blindspot, um sistema que ajuda desenvolvedores de software a reconhecer vieses que afetam a tomada de decisões.

Por exemplo, se no passado 90% dos selecionados para um emprego eram brancos, o algoritmo vai repetir esse padrão, que afetará a aprendizagem da máquina.

Ou o algoritmo pode aprender por conta própria a priorizar candidatos que frequentaram as mesmas universidades.

Apesar dessas dificuldades, os sistemas de inteligência artificial estão se desenvolvendo de forma veloz para se ajustar ao que querem as empresas.

Os especialistas, no entanto, dizem que uma eliminação no primeiro estágio do processo não significa necessariamente ser um candidato sem qualificação. Alguns ajustes no currículo podem abrir novas possibilidades.

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