Como ser mais produtivo? Pare de tentar

Medir a produtividade econômica e a individual da mesma forma pode ser falho, em especial no longo período de trabalho remoto

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Sydney Ember
The New York Times

Seu dia foi produtivo?

Essa é uma pergunta complicada, especialmente para algumas das muitas pessoas que passaram os últimos 19 meses trabalhando remotamente.

Parte do problema é a definição do que quer dizer produtivo. Como indicador macroeconômico, o termo significa a produção total por hora trabalhada. Ou seja, o número de, por exemplo, frigideiras que um trabalhador consegue produzir em uma hora. Esses dados são reportados em base trimestral ao Serviço de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos, e os economistas os empregam para determinar o grau de eficiência de uma sociedade, e se o seu padrão de vida está subindo.

Ilustração mostra uma pessoa de óculos olhando para o computador rodeada de mensagens e símbolos de emails
Ben Konkol/The New York Times

Em um nível mais profundo, medir produtividade é muito mais complicado. Como se mede a produtividade de um segurança, por exemplo, ou a de um neurocientista?

De qualquer forma, esse tipo de produtividade da mão de obra parece ter crescido durante a pandemia.

"Estou mais otimista quanto ao crescimento da produtividade agora, na metade de 2021, do que estava dois anos atrás, antes da pandemia", disse Chad Syverson, professor de economia na Escola Booth de Administração de Empresas, Universidade de Chicago.

Produtividade tem outro significado, porém, que terminou por chegar às estantes de livros de autoajuda em livros com títulos como "Trabalhe de Modo Mais Inteligente Já" e "Seja Um Ninja da Produtividade". Produtividade, nesse sentido, se tornou um jargão valorizado, com todo um ecossistema de consultores e "coaches" para ajudar as pessoas a ticar mais itens em suas listas de tarefas a cada tarde.

Ainda que a palavra seja a mesma, a produção da economia em um trimestre não é a mesma coisa que aquilo que um indivíduo qualquer consegue realizar em um dia. Mas a disparidade entre essas duas formas de pensar sobre produtividade pode estar distorcendo nosso senso pessoal daquilo que estamos realizando. E a pandemia não ajudou.

"Um teste de produtividade para a economia da era da pandemia é perguntar a um grupo de pessoas se elas estão em situação melhor hoje do que estavam dois anos atrás, e acho que a maioria das pessoas responderia que está muito pior", disse Gregory Clark, professor de economia na Universidade da Califórnia em Davis, que pesquisou sobre a produtividade na revolução industrial. "De alguma forma, não estamos capturando certos elementos da situação, quando usamos indicadores convencionais".

Os trabalhadores em geral declaram, em pesquisas, que são mais produtivos trabalhando em casa. Mas aqueles que trabalham remotamente precisam lidar com mais interrupções e preocupações imediatas, como cuidar de filhos.

A perda de distinção entre vida e trabalho torna mais difícil avaliar quanto trabalho uma pessoa faz por hora, ao longo do dia. A falta de motivação, depois de 19 meses de tédio causado pela pandemia, também pode estar reduzindo a capacidade de pelo menos uma parte dos trabalhadores para realizar suas tarefas. E mesmo aqueles que afirmam que são tão produtivos em casa quanto eram no escritório podem se sentir mais solitários, menos realizados e menos engajados.

Os americanos há muito encaram a produtividade como uma virtude comparável à de acordar ao raiar do dia, ou comer saladas nas refeições. Benjamin Franklin, em sua autobiografia, delineou uma agenda diária que começavam por uma pergunta: "Que bem farei ao mundo hoje?", e incluía acordar às 5h e ocupar todas as horas até as 22h com trabalho ou outras tarefas.

Franklin com certeza não era a única pessoa que dividia rigorosamente seu tempo. "Na verdade, muita gente no século 18 (homens e mulheres) tendia a dividir as horas do dia de maneira a criar a maior oportunidade possível para concluir tarefas", afirmou Carla Mulford, professora de inglês na Universidade Estadual da Pensilvânia e pesquisadora especializada em Franklin, por email. "Se elas não tinham relógio em casa, prestavam atenção aos sinos das igrejas. Ou acompanhavam o percurso do sol lá no alto para saber quando era hora de deixar fazer uma coisa e começar outra. Os almanaques de agricultura publicados a cada ano por todo esse período servem como prova disso".

A versão pessoal de Franklin para a produtividade —aquilo que uma pessoa de fato faz durante o dia— vem sendo a definição operacional, e se aplica a numerosas indústrias. À medida que o mundo se tornou mais complicado, e que as pessoas passaram a se ver como muito mais do que a soma das tarefas que tinham de executar a cada dia, aplicar esse indicador tradicional de produtividade aos indivíduos foi se tornando um desafio cada vez maior.

Topo de vários prédios é visto do térreo
Pessoas e setores produtivos medem seu nível de produtividade de forma similar e isso pode ser um problema - John Taggart/The New York Times

Chris Bailey, consultor de produtividade e autor de "The Productivity Project", definiu a produtividade como "simplesmente fazer o que você determinou que faria".

Mas ela também se tornou "a moeda do trabalho", e por isso, naturalmente, também se transformou em algo que as pessoas querem em maior quantidade.

"É uma meta padrão que muitas vezes adotamos sem pensar em como fazer a produtividade trabalhar em nosso benefício, em lugar de ser simplesmente algo que buscamos cegamente", ele disse.

Bailey, 31, que vive em Ontário, Canadá, sabe disso desde cedo. Quando adolescente, ele devorava livros sobre produtividade, uma obsessão que o consumia a tal ponto que ele chegou a recusar ofertas de emprego em período integral ao se formar na universidade, para poder dedicar um ano a estudar e escrever sobre produtividade.

Como parte dessa busca, ele se usou como cobaia em experiências —trabalhando 90 horas por semana, ou "me tornando um completo vagabundo por uma semana", ou ganhando cinco quilos de peso somente em massa muscular.

Há pessoas que encontraram desafios especialmente complicados para manter a produtividade durante a pandemia. Metade dos pais que ficaram trabalhando em casa e que têm filhos de menos de 18 anos de idade, e quase 40% das pessoas dos 18 aos 49 anos que trabalhavam remotamente, disseram que era difícil para elas realizar seu trabalho sem interrupções, de acordo com o Pew Research Center. As pessoas que têm filhos também apresentavam probabilidade maior de afirmar que tiveram dificuldade para cumprir prazos e concluir projetos em tempo, ao trabalhar de casa.

Assim, é possível que as pessoas que trabalham de casa —uma porcentagem relativamente pequena dos trabalhadores se comparada aos trabalhadores que não têm como realizar suas funções remotamente— também tenham uma sensação falsa sobre o quanto estão trabalhando.

Na verdade, as pessoas que trabalham de casa talvez estejam usando o denominador errado ao calcular a proporção de seu tempo que dedicam ao trabalho, disse Syverson, da Universidade de Chicago. Isso pode fazer com que elas sintam estar trabalhando menos quando na verdade têm o mesmo volume de trabalho. (Isso pode não se aplicar às pessoas que trabalham remotamente em empregos cuja produtividade pode ser quantificada com facilidade, como os vendedores.)

"Creio que haja algo a considerar no fato de que muitos trabalhadores que estão em casa não dividem seu dia em horas de trabalho e horas de lazer", ele disse. "Em lugar de dividir o dia de uma forma que os faz passar oito horas trabalhando, eles dividem o trabalho pelas 16 horas do dia que passam acordados".

Enquanto os empregadores tentam descobrir maneiras de redespertar o engajamento de seu pessoal e levar as pessoas de volta aos escritórios vazios, maneiras de extrair o máximo de uma força de trabalho se tornaram um quebra-cabeças para os gestores, com implicações profundas para a economia. Alguns desses empregadores já anunciaram planos para dar mais flexibilidade ao empregados —em uma forma de reconhecer que a produtividade total e e a forma como as pessoas se sentem estão interligados. O Twitter anunciou que os trabalhadores que conseguirem fazer seus trabalhos remotamente podem trabalhar de casa de forma definitiva.

Brigid Schulte, diretora do Better Life Lab na organização de pesquisa New America e autora de um livro sobre pessoas sobrecarregadas de tarefas, disse que a cultura americana acredita há muito tempo que trabalhar por mais tempo quer dizer trabalhar com mais afinco e ser mais produtivo, a despeito de falhas nesse raciocínio. Ela ressalta o fato de que há um "precipício de produtividade": trabalhadores só são produtivos por um determinado número de horas, e depois disso sua produtividade cai e eles podem começar a cometer erros.

"Há muito tempo fazemos uma conexão errônea entre a ideia de trabalhar por muito tempo e a de trabalhar com afinco, e acreditamos que isso representa mais produtividade, mas essa ideia nunca foi verdade", disse Schulte.

A produtividade talvez também não seja mais o ideal que um dia foi.

A pandemia causou um despertar coletivo com relação a prioridades culturais, nascido de um medo constante e imediato de contágio e morte. Para muita gente, especialmente os trabalhadores que mantiveram seus empregos e puderam trabalhar remotamente, a produtividade pessoal —pelo menos no sentido de produzir mais no trabalho, pelo maior número de horas— deixou até de ser necessariamente uma meta.

Algumas pessoas tiveram mais tempo para explorar hobbies e passar mais tempo com suas famílias, o que pode ter ajudado a mudar sua forma de imaginar como esperam passar seus dias. Muitas perderam entes queridos ou viram parentes e amigos adoecer. Aqueles que têm filhos pequenos em casa e trabalharam remotamente durante a pandemia podem ter redefinido completamente o significado de produtividade de forma a conciliar o papel híbrido de trabalhadores e cuidadores.

"O que é que mais importa?", disse Jeffrey Sanchez-Burks, cientista comportamental da Escola Ross de Administração de Empresas, Universidade de Michigan. "É a carreira? É ter um horário flexível? É passar tempo com a família? Há muita discussão e reflexão em curso sobre o que propicia uma boa vida, e não creio que o resultado dessa discussão penda para o lado do ‘seja mais produtivo’".

tradução de Paulo Migliacci

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