Descrição de chapéu The New York Times

Diploma universitário já não é tão exigido na busca por emprego

Especialistas acreditam que retirada da exigência pode ser chave para diminuir a desigualdade

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Steve Lohr
The New York Times

Quando estudava no ensino médio, em Nova York, Shekinah Griffith viu uma reportagem na TV que mostrava uma visita do presidente Barack Obama a uma escola inovadora em Brooklyn. O programa da instituição incluía ensino de segundo grau, um diploma universitário técnico, um estágio, e a promessa de um bom emprego.

"Eu imediatamente achei que lá era o lugar em que eu deveria estar", relembra Griffith. "Não há muitas oportunidades como essa para pessoas como eu".

Shekinah Griffith é uma mulher negra; ela está sentada e sorri
A especialista em segurança na computação Shekinah Griffith - Casey Steffens/NYT

Ela se candidatou a uma vaga, foi aceita e se saiu muito bem nos cursos. Depois da escola, de um estágio e de 18 meses como aprendiz, ela foi contratada em período integral pela IBM, no final de 2020. Hoje, Griffith, 21, é especialista em segurança na computação e ganha mais de US$ 100 mil [R$ 467 mil] por ano.

Nos últimos anos, grandes empresas americanas de todos os setores prometeram mudar seus hábitos de contratação e abrir as portas para empregos de remuneração mais alta e com perspectivas melhores de carreira a pessoas desprovidas de diplomas universitários de quatro anos, como Griffith.

Mais de cem companhias assumiram compromissos desse tipo, entre as quais as afiliadas do programa Multiple Pathways, da Business Roundtable, e as do programa OneTen, cujo foco é promover a contratação para bons empregos e o avanço profissional de trabalhadores negros desprovidos de diplomas universitários.

Como as grandes empresas dos Estados Unidos vêm se saindo quanto a isso, até agora? Houve uma mudança gradual, em termos gerais, de acordo com um relatório recente e dados adicionais fornecidos pelo Burning Glass Institute. Mas a análise caso a caso da organização de pesquisa sublinha tanto o potencial quanto os desafios de promover mudanças em práticas de contratação firmemente estabelecidas.

O Burning Glass Institute é uma organização de pesquisa sem fins lucrativos, e usa dados da Emsi Burning Glass, uma empresa que pesquisa e realiza análises sobre o mercado de trabalho.

Os pesquisadores analisaram milhões de anúncios online de empregos, procurando por exigências de diplomas universitários de quatro anos e determinando tendências. Em 2017, 51% dos anúncios exigiam diplomas universitários desse tipo. Em 2021, essa proporção havia caído a 44%.

Especialistas em questões trabalhistas consideram que remover o filtro do diploma universitário pleno, para alguns empregos, é a chave para promover a diversificação e a redução da desigualdade.

Os trabalhadores, eles dizem, deveriam ser selecionados e promovidos por conta de sua capacitação e experiência, e não de seus diplomas ou currículo educacional. E empresas que alteram suas práticas de contratação, eles acrescentam, se beneficiam de pools de talento até ali ignorados, em um mercado de trabalho apertado, bem como da diversificação de suas forças de trabalho.

Quase dois terços dos trabalhadores americanos não têm diplomas universitários de quatro anos. A filtragem com base em diploma afeta as minorias de modo especialmente pesado, eliminando 76% dos adultos negros e 83% dos adultos latinos.

As empresas que reduziram suas exigências de diploma tipicamente começaram a fazê-lo antes da pandemia, de acordo com a análise da Burning Glass. Organizações sem fins lucrativos como a Opportunity@Work, fundada em 2015, e o programa Skillful, da Markle Foundation, iniciado em 2016, vêm pressionando empresas para que baseiem suas contratações na capacidade profissional dos candidatos.

Mas o aperto na mão de obra causado pela pandemia e os apelos para que as grandes empresas americanas reduzam a discriminação racial, depois do assassinato de George Floyd, dois anos atrás, levaram mais companhias a repensar suas contratações.

O envelhecimento da força de trabalho, a mudança na demografia, e programas de diversidade, equidade e inclusão estão forçando mudanças, dizem especialistas.

"Estão surgindo coisas que realmente não tínhamos visto antes", disse Joseph Fuller, professor na escola de administração de empresas da Universidade Harvard e coautor do relatório do Burning Glass, publicado em fevereiro.

A pesquisa da Burning Glass sublinha uma tendência que é "real e sustentada", disse John Taylor Jr., presidente-executivo da Sociedade de Gestão de Recursos Humanos dos Estados Unidos. "Os empregadores já não têm o luxo de desconsiderar talentos. Precisam ser mais inclusivos por necessidade".

Embora mencionar "diploma universitário" em um anúncio de emprego não signifique contratação garantida para os diplomados, especialistas em questões trabalhistas dizem que esse é um importante sinal quanto ao comportamento de contratação das grandes empresas.

"Quanto a metas de diversidade, a maior alavanca que pode ser usada é eliminar o filtro do diploma universitário de quatro anos", disse Elyse Rosenblum, diretora executiva da Grads of Life, que assessora empresas sobre práticas de contratação.

Há casos abertos a decisões pessoais, de acordo com a pesquisa do Burning Glass. Por exemplo, empresas podem mencionar a qualificação requerida para um emprego como "diploma de bacharelado ou experiência prática equivalente". Mas esse tipo de formulação dá a entender que existe um viés em favor do diploma universitário, concluíram os pesquisadores.

Uma análise detalhada de empresas de um mesmo setor encontrou diferenças consideráveis nas exigências de diploma para empregos de entrada que tendem a ser degraus para promoções a postos mais bem remunerados, e para carreiras ascendentes.

Diversos desses postos são funções técnicas, como especialista em apoio de computação, desenvolvedor de software e engenheiro de controle de qualidade de software.

Programas de treinamento bem sucedidos para pessoas desprivilegiadas, como o Year Up e o Per Scholas, se concentram em empregos na tecnologia porque a demanda é forte e a capacitação pode ser demonstrada por meio de testes de codificação ou por certificados reconhecidos no setor.

Abandonar a exigência de diploma universitário para empregos requer esforço. As capacitações necessárias para um trabalho precisam ser explicadas com mais clareza, e os executivos de pessoal precisam ser treinados.

Hábitos institucionais, apontam os especialistas, costumam ter raízes profundas. As empresas por reflexo procuram não só pessoas formadas em universidades como pessoas egressas de um punhado de escolas favorecidas.

"No nível de empresa, continua a ser um combate corpo a corpo", disse Matt Sigelman, presidente do Burning Glass Institute e um dos coautores do relatório.

Nos dados sobre empresas, alguns empregadores que promoveram contratações baseadas em capacitação e deram apoio generoso a programas que facilitam a mobilidade social dos trabalhadores continuam ainda assim a requerer diplomas universitários de quatro anos para bom número de suas contratações.

A Microsoft, por exemplo, oferece forte apoio financeiro ao programa Skillful e é membro da Rework America Business Network, um grupo de empresas que prometeram promover o avanço das contratações baseadas em capacitação. A Microsoft e sua subsidiária LinkedIn ofereceram cursos online gratuitos a milhões de pessoas, durante a pandemia.

Mas, de acordo com a análise do Burning Glass, a Microsoft exigia diplomas universitários em 54% dos anúncios de emprego para posições de apoio de computação, ante uma média nacional de 24%. Para os postos de controle de qualidade de software, a Microsoft exigia diplomas universitários em 70% dos anúncios, em 2021, de acordo com o Burning Glass

Lauren Gardner, vice-presidente de aquisição mundial de talentos da Microsoft, não quis comentar sobre a análise do Burning Glass, se limitando a dizer que muitos dos anúncios de sua empresa requerem diploma universitário ou experiência prática equivalente.

"Estamos mudando nosso foco para as capacitações que os candidatos têm, em lugar de como eles as adquiriram", disse Gardner. "Temos um compromisso firme de adotar práticas de contratação mais abertas. Mas é uma jornada".

O Google oferece cursos de capacitação gratuitos para organizações sem fins lucrativos e faculdades locais, e em fevereiro anunciou um fundo de US$ 100 milhões [R$ 467 milhões] para expandir programas de treinamento e de procura de empregos cujo foco são trabalhadores de baixa renda, que tipicamente não têm diplomas universitários de quatro anos.

O Google, de acordo com o Burning Glass, fez progressos reais na redução da exigência de diplomas universitários, de 89% de seus anúncios de emprego em 2017 a 72% em 2021 –ainda que a proporção continue alta.

Os anúncios de emprego do Google tipicamente mencionam um diploma universitário primeiro, como qualificação, às vezes seguido por outros requisitos, referentes por exemplo a finanças ou engenharia, mas quase sempre terminam com a frase "ou experiência prática equivalente".

Em declaração, Brendan Castle, vice-presidente de recrutamento do Google, disse que "nosso foco está nas capacitações demonstradas, e isso pode vir em forma de diplomas ou de experiência profissional relevante".

No setor de tecnologia, os especialistas em questões trabalhistas apontam para a Accenture e a IBM como empresas cujos esforços para recrutar pessoas desprovidas de diplomas universitários de quatro anos começaram como exercício de responsabilidade empresarial mas terminaram por se tornar canais de contratação importantes.

Essa experiência, eles dizem, influenciou a maneira pela qual as empresas descrevem os requisitos de um posto de trabalho. A análise do Burning Glass constatou que tanto a IBM quanto a Accenture exigem diplomas universitários em menos de metade de seus anúncios de emprego.

Danica Lohja se mudou da Sérvia para os Estados Unidos em 2011, com US$ 400 [R$ 1.869 ]no bolso e a esperança de um futuro melhor. Ela começou trabalhando como garçonete em um clube de campo, mas logo determinou que os bons empregos pareciam estar no setor tecnologia. Por isso, ela fez um curso universitário técnico em uma faculdade local de Chicago, sobre sistemas computacionais de informação.

Danica Lohja é uma mulher branca e loira; ela está sentada no braço de uma poltrona
A gerente associada em uma unidade da Accenture Danica Lohja - Evan Jenkins/The New York Times

Lohja foi informada sobre um programa de aprendizado de um ano de duração oferecido pela Accenture. A empresa a contratou em 2017, e desde lá Lohja foi promovida três vezes. Agora ela é gerente associada em uma unidade da Accenture que negocia contratos e administra os fornecedores de hardware e software da grande companhia de serviços de tecnologia.

Lohja não quis revelar o seu salário. De acordo com uma busca no site de empregos Indeed, os gerentes associados da Accenture ganham mais de US$ 110 mil [R$ 514 mil] por ano.

Lohja, 35, é casada com um engenheiro de software que trabalha em uma seguradora. Eles são donos de uma casa em Chicago, seus dois filhos estudam em uma escola particular e a família viajará de férias a Aruba, em abril.

"Acho que estamos vivendo o sonho americano", ela disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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