Antes de arrumar a mudança, a médica paulistana Marianna Machado, 39, estava satisfeita com o apartamento de 55 metros quadrados que tinha comprado na planta, no Paraíso, zona sul de São Paulo. O imóvel tem a metade do tamanho do apartamento em que ela vivia, na Aclimação (região central).
As dúvidas vieram junto com o caminhão de mudança. "Não pude levar tudo. Tive que dar o jogo de jantar de porcelana e as baixelas de prata que havia ganhado da minha avó. Também me desfiz da máquina de cortar frios e de dois jogos de copos de cristal que herdei da mamãe", conta.
Isso sem contar os sapatos: dos 36 pares, levou 10.
Mesmo assim, quando os móveis entraram no apartamento novo, ela percebeu que teria de se desfazer de mais coisas. "Foi um treino de desapego. Mas, no fim, valeu à pena. Não preciso mais de faxineira, uso pouquíssimo o carro, não pago mais academia e, no fim de semana, se não viajo, aproveito a piscina", conta.
A médica trabalha em três hospitais da região, para os quais vai à pé.
O coordenador de TI Carlos Coletti, 44, deixou tudo na casa de 200 metros quadrados em que morava na Penha, na zona leste, quando se mudou para um apartamento duplex de 45 metros quadrados em Perdizes, na zona oeste.
Pagou R$ 500 mil pelo imóvel no VN Turiassu, da incorporadora Vitacon, especializada em compactos.
"Investi mais R$ 100 mil no mobiliário. Tudo teve de ser especialmente desenhado para o local", conta Coletti.
"Eu penso mais na praticidade das coisas. Não preciso de um espaço gigante. Viajo muito. Trabalho o dia inteiro fora de casa e só volto para dormir. Agora tenho tudo a mão", afirma.
Na área comum do condomínio, ele conta com lavanderia coletiva, academia e espaço de coworking, o que reduziu bastante o número de deslocamentos que precisa fazer pela cidade.
"Depois que me mudei, vendi o carro. Aqui resolvo a maior parte dos meus compromissos a pé. Não justificava manter um automóvel que não saía da garagem."
Além disso, o condomínio da Vitacon oferece carro compartilhado, cujo o aluguel custa R$ 8 por hora, mais R$ 0,50 pelo quilômetro rodado.
ESTÚDIOS COM MENOS DE 45 M² REPRESENTAM METADE DAS VENDAS
Ter que se desfazer de objetos pessoais deve ser uma prática cada vez mais comum entre os paulistanos. Os apartamentos com menos de 45 metros quadrados foram responsáveis por 53% dos imóveis comercializados na capital neste ano, segundo o Secovi-SP.
O número representa uma queda em relação aos dados de 2017, quando os microapartamentos foram responsáveis por 59% das vendas -29 pontos percentuais a mais que o índice do ano anterior.
"Houve uma sofisticação da moradia compacta", explica Renato Morostega, 38, gerente geral do Kasa 99, edifício lançado em julho passado na Vila Olímpia com 423 apartamentos entre 23 e 106 metros quadrados.
O empreendimento, ao estilo coliving, é destinado apenas para locação. "Dos moradores do Kasa, 60% são homens, executivos e empresários, com média de 28 anos. Eles buscam uma vida prática e por isso ficaram mais desapegados", afirma Morostega.
Para o gerente, esse modelo reflete a mudança nas relações dos paulistanos com o trabalho e com a cidade.
Na década de 1970, apartamentos com menos de 45 metros quadrados, as quitinetes, eram destinados a quem tinha pouco dinheiro.
O crescimento da cidade e o adensamento populacional alçaram os imóveis compactos ao status de prédios sofisticados.
Como o preço médio do metro quadrado dobrou nos últimos 40 anos na capital, segundo estudo da Fipe e do Grupo ZAP, o mercado diminuiu o tamanho das plantas para aumentar a rentabilidade. Os apartamentos com 25 metros quadrados se tornaram comuns e ganharam a alcunha de estúdios.
"Ter qualidade de vida hoje significa morar, estudar e trabalhar no mesmo bairro. Além disso, como as pessoas mudam mais de emprego do que no passado, a tendência é ser mais nômade. E quanto menos coisas se tem, mais fácil a mudança", diz Morostega.
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63%
dos apartamentos lançados em 2018 na cidade de São Paulo são compactos, com até 50 m², segundo dados do Secovi-SP
40%
é quanto representava esse segmento do mercado imobiliário em 2013, ainda de acordo com o Secovi-SP
8.542
é o número absoluto de imóveis desse tipo lançado na capital neste ano
3.494
apartamentos compactos foram lançados em Pirituba, na zona norte de São Paulo, entre janeiro de 2016 e setembro de 2018. O bairro é o campeão em unidades do tipo na capital