O holandês Martijn Straatman vai mostrar sua coleção de móveis feitos com uma mistura de esterco de cavalo (80%), giz, água e cola. A alemã Enis Akiev exibirá seus azulejos fabricados com plástico de embalagens descartadas. E a israelense Shahar Livne apresentará seu biocouro, preparado com gordura, ossos, sangue e outros restos de matadouros.
A experimentação de materiais com viés sustentável é o ponto forte da exposição Ventura Future e de outras atrações da Semana de Design de Milão, que acontece de segunda-feira (9) a domingo (14) na cidade italiana.
"Neste ano temos um foco específico em biodesign. Uma grande parte dos designers, novatos ou já estabelecidos, está mirando nesse tema urgente e mergulhando na pesquisa de materiais e métodos alternativos de produção", diz Margriet Vollenberg, fundadora do Ventura Projects, empresa que há dez anos realiza exposições no Salão de Milão.
O Ventura Future estreou no ano passado na programação milanesa e, logo de cara, atraiu 45 mil visitantes. Com previsão de receber ainda mais público agora, a organização decidiu cobrar 5 euros (R$ 21,70) pela entrada, rompendo com a tradição dos eventos gratuitos que se espalham por Milão nesta semana do ano.
"Com esse valor, posso garantir que os visitantes encontrem uma seleção surpreendente de design contemporâneo e posso garantir visitantes de qualidade para os expositores", explica Vollenberg.
A cobrança de ingresso ajuda a ilustrar o que acontece com a cidade de 1,4 milhão de habitantes que, sempre em abril, recebe centenas de milhares de turistas, entre profissionais, estudantes e curiosos.
Durante sete dias, esse público se divide entre o Salão do Móvel –a feira de mobiliário e acessórios mais influente do mundo– e o Fuorisalone, como é a chamada a programação paralela que se espalha por Milão, e da qual o Ventura Future faz parte.
Neste ano são mais de mil eventos na agenda do Fuorisalone, que inclui de pequenos lançamentos de artesãos até mega-instalações patrocinadas por montadoras ou grifes de moda.
Esses mil eventos disputam atenção com os cerca de 2.350 expositores concentrados na feira. No ano passado, o salão recebeu mais de 435 mil visitantes em seis dias, número divulgado como o recorde desde a primeira edição, em 1961.
"Quando você olha para essas milhares de pessoas transbordando dos pavilhões, é fácil entender que o Salão do Móvel não é só uma feira de negócios, mas uma experiência global emocionante que atrai empresas, criativos, comunicadores e profissionais de todo o mundo", diz Claudio Luti, presidente da feira. Em 2018, os visitantes vieram de 188 países, segundo a organização.
É no salão que são lançadas peças que, meses depois, chegam às lojas daqui e de outros países. O que aparece em Milão como novidade ou indicativo de tendência reverbera em toda a cadeia, inclusive como cópia: fabricantes, lojistas, arquitetos, decoradores e designers ficam de antenas ligadas.
Neste ano, duas marcas italianas celebram aniversário e prometem grandes acontecimentos. A Kartell faz 60 anos, e a Living Divani, 50. Outros destaques são o espaço Euroluce, dedicado à iluminação, e o Workplace 3.0, com soluções corporativas.
A feira é um lugar para divulgar, além de produtos, novos talentos. Há 22 anos o Salone Satellite seleciona designers de até 35 anos, que podem mostrar seus trabalhos no mesmo espaço do salão. Nesta edição, o Satellite tem como tema o design em torno da comida.
"Escolhi esse assunto porque o mundo todo está falando de comida e, há dois anos, entre os projetos do Salone Satellite, estava o livro 'The Sausage of the Future', de Carolien Niebling, que fez uma pesquisa incrível sobre o que vamos comer nas próximas décadas", conta Marva Griffin, criadora e curadora do Satellite.
A publicação discute soluções alternativas ao consumo de carne, explica que a salsicha foi um dos primeiros alimentos desenhados pelo homem e propõe embutidos feitos com outros ingredientes, como nozes, vegetais e insetos. Serve agora como contexto para a exposição dos 550 projetos assinados pelos novatos.
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Azulejos de plástico reciclado da designer Enis Akiev aplicados em uma bancada |
Fora da feira, o design em torno da comida também tem destaque no projeto Alcova. Em dois endereços de Milão –um deles é uma antiga fábrica de panetone–, estarão expostos tendências de comportamento e novos materiais e tecnologias.
Um exemplo é o Bricknic, um forno formado por tijolos ocos de argila preenchidos por ingredientes crus. A ideia é estimular a interação social entre participantes da refeição, tal qual um piquenique.
Seja experimentando ou não, é preciso saber despertar o olhar dos visitantes de algum jeito. Além de ter uma história interessante para contar, é recomendável estar num endereço central (caso não esteja na feira) e investir em designers prestigiados e em cenografia. Assim farão três grandes fabricantes brasileiros: Dpot, Etel e Sollos, todos no Fuorisalone.
Pela primeira vez na Semana de Milão, a Dpot leva para Ventura Centrale (outro ponto da Ventura Projects) uma instalação com móveis de Geraldo de Barros (1923-1998). A Etel, que mantém loja em Milão, mostra a coleção de peças de José Zanine Caldas (1919-2001). E a Sollos ocupa 400 m2 do Palazzo Litta com peças criadas nos últimos 15 anos.