Biscoita, minha filha Elis, de oito anos, me olhou da cabeça aos pés num relance, fez uma cara de mistério e preocupação, e saiu correndo pelo condomínio. "Pirou com o calor", pensei, e segui rodando despretensiosamente, conhecendo os detalhes da morada do primo.
"Ixi, acabou o espaço no cercadinho dos deficientes. Lotou! Um monte de gente que não precisa estar lá tomou os lugares, mas não podemos fazer nada, sabe como é. Então, você pode assistir ao show por aí, no meio da galera [com o risco básico de ser macetado], ou ali, bem longe, mas dá pra ver pelo telão."
A moça de pele bem branca, risonha de olhos e dentes, era levada para o mar carregada nos braços por uma outra moça, essa morena com ar de simpatia. Em dado momento do vídeo, a que estava com a missão de confortar no colo o corpo da outra, ajeita o peso que cuida com as pernas. Logo estão as duas se deliciando na água.
Cada vez mais, os grupos sociais se organizam para terem suas identidades respeitadas e para criarem espaços dignos de manifestação, de crescimento, de trabalho e de relações as mais diversas. Entender que estão entranhadas em nossa mentalidade maneiras preconceituosas de tratar as diferenças, ajuda a aumentar a velocidade do processo. Aqui, algumas dicas:
A moça sacolejava as mãos com os braços bem para o alto. Sorria largo e olhava para mim com um jeito de surpresa boa, como se avistasse alguém sob o efeito de saudade. Eu não fazia ideia de quem era e fiquei com aquela sensação de quem duvida que é você mesmo o alvo do entusiasmo.
A gente não anda, não enxerga, tem o escutador de novela avariado, é meio trelelé das ideias e vejam só o que as estatísticas, estas danadas que, segundo os sábios, qualificam os debates, acabam de externar de maneira crua e contundente: somos também muito pobres, com pouca ou nenhuma escolaridade, não conseguimos trabalho e, quando conseguimos, ganhamos a metade da média do que ganha o trabalhador brasileiro.
Estamos novamente encantados com as possibilidades incríveis e tecnológicas de fazer o povo com deficiência voltar a andar, ser "mais normal", por meio do uso de ultramodernos exoesqueletos que levantam qualquer um da cadeira de rodas e os reabilitam a caminhar.
Olhei pelo retrovisor do carro para os cabelos compridos da minha filha biscoita e estavam bem esvoaçantes, um tanto desgrenhados. A blusa também vestia meio torta, assim como a calça. Dar conta dela sozinho, às vezes, tem me pegado.
Está em todos os lugares e na boca do povo: "Este aqui é o espaço dos PCDs" ou ainda "Você é um PCD de qual tipo?" e tem também, "As PCDs são um dos pilares da diversidade na nossa firma".
Minha mãe flerta com os 80 anos e tem tido perdas importantes de mobilidade, da visão e da audição. Mais do que os enfrentamentos mais óbvios e humanamente complexos desse conjunto de deficiências, ela padece do estranhamento e do desconhecimento de ter uma condição que a diferencia demais dos outros, mesmo tendo um filho que é cadeirante desde a infância.