Ela ostentava nas mãos o papel, rabiscado com canetinha vermelha, como se ali estivesse um mapa da felicidade eterna, como se fosse um troféu por ter vivido um dia de glórias. Em princípio, só me mostrou uma das faces, devidamente didática e fofa.
Geralmente, pessoas que pertencem a grupos minorizados carregam no próprio corpo -velho, negro, estropiado, violentado- uma história que fala por si, com elementos que podem representar de fato uma trajetória que motiva ou serem apenas projeções dos outros com base em experiências nem sempre vividas, nem sempre verdadeiras.
"Ele tinha um talento arrebatador. Era o maior de todos, elaborava obras incríveis, era uma máquina de produzir, mas teve um AVC, coitado. Ficou afásico, já tá velho, né? Aposentou, parou tudo. Vai ficar em casa descansando."
"O que foi que aconteceu com você?", me interroga um garoto de uns nove anos de idade quando entro no elevador com minha filha biscoita, que se adianta à investida curiosa do menino com uma resposta para me encher de orgulho: "Não foi nada. Meu pai é assim, cadeirante desde a infância".
Há seis anos, na Cidade do México, rodou o mundo a imagem de um garoto com autismo se emocionando e chorando ao ouvir a banda inglesa Coldplay, no palco, cantando "Fix You", algo como te consertar, em português. Foi um momento de fazer passarinhar o coração de quem tem fé na alma.
Em uma entrevista recente, um desses comediantes que adoram falar que são polêmicos, disse, fora do palco e não usando suas credenciais profissionais, que, atualmente, "as vítimas têm tido razão demais".
Há multidões de pessoas em torno de tudo que supostamente funciona de maneira convencional se virando como pode para se ajustar ao ritmo cotidiano de acordar, de comer, de estudar, de trabalhar, de amar e de tentar viver alguma felicidade.
Há dois aspectos que tocam diretamente as questões que envolvem as pessoas com deficiência e os cenários de guerra: o primeiro, é que, dificilmente, quem não anda, não vê, não ouve ou é meio lelé das ideias vai conseguir se proteger adequadamente, correr de uma situação de extrema opressão bélica, o segundo é quantidade gigantesca de novos "militantes" da causa gerada pelos conflitos armados ao redor do mundo.
O presidente da Macedônia do Norte, dias atrás, tomou uma atitude que fez coraçõezinhos mais frágeis ao redor do mundo ficarem apertados e comovidos: pegou na mão de uma criança com síndrome de Down, que estava sendo hostilizada por sua condição dentro da escola e havia sido afastada das aulas, e levou a menina, pessoalmente, de volta ao local de estudos.
Quando eu era menino, tinha verdadeiro pavor de quando alguém se aproximava de mim e de minha mãe para nos parabenizar por eu estar ali, vivão, forte, transitando pela rua como qualquer outro mortal comum, mas tendo eu uma deficiência motora grave.