Bilionário pode transformar a Índia no país mais conectado do mundo

Reliance Jio está abrindo mercado de 1,3 bilhão de pessoas para empresas globais de tecnologia

Mumbai

O homem mais rico da Índia está colocando centenas de milhões de indianos pobres na era da internet móvel. Mukesh Ambani, presidente da Reliance Industries, um dos maiores conglomerados da Índia, investiu US$ 35 bilhões da empresa para criar uma rede 4G que cobre todo o território do país, no sul da Ásia.

Oferecendo ligações gratuitas e serviço de dados por centavos, a companhia chegou tarde às telecomunicações, mas criou um verdadeiro tsunami de acesso barato à internet, que está abrindo um mercado de 1,3 bilhão de pessoas para os gigantes mundiais da tecnologia e varejo.

É difícil determinar se a Reliance conseguirá colher lucros com isso, depois de deflagrar uma guerra feroz de preços. Analistas dizem que o plano final da empresa, depois de conectar as massas, é usar sua plataforma a fim de vender conteúdo, serviços financeiros e publicidade.

Ela também pode recuperar seu investimento, nos próximos anos, ao prover acesso de banda larga de alta velocidade a residências e empresas, de acordo com uma pessoa próxima do negócio.

O projeto de Ambani tem o potencial de dar à Índia a maior --e mais diversa --população conectada à internet, com o acesso de baixo custo a serviços de dados ajudando a nivelar as disparidades entre ricos e pobres.

O varejo também pode ser revolucionado. O sucesso ou fracasso de Ambani pode afetar o Google, da Alphabet, e o WhatsApp, do Facebook, que despejaram recursos no desenvolvimento de produtos para o mercado indiano. Também influenciará negócios do Walmart e da Amazon.com, que investiram bilhões de dólares em serviços de logística para os compradores online da Índia. Para lucrar, essas empresas todas precisam de pessoas conectadas.

Há 390 milhões de usuários de internet na Índia, segundo a Bain & Co., mas a penetração dos serviços online no país ainda é de 28%, ante 88% nos Estados Unidos. O mercado indiano de comércio eletrônico deve movimentar US$ 33 bilhões (R$ 135,30 bilhões) este ano, três vezes o valor de 2015. Ainda assim, isso equivale a apenas 3% do total do varejo na Índia, de acordo com a eMarketer.

As empresas estão buscando clientes como Govind Singh Panwar, 59, um agricultor que cultiva batatas. Sua casa, no Himalaia, tem paredes de barro e pedra, e a aldeia em que ele vive não tem água encanada. Mas a internet banda larga chegou até lá.

"Comprei nosso primeiro refrigerador" online, disse Panwar. "É uma raridade em uma aldeia."

Ele passou a ter acesso à internet no ano passado, por meio da Reliance Jio Infocomm, a empresa de telecomunicações de Ambani, que construiu uma torre de telefonia móvel que oferece acesso 4G quase ilimitado ao celular de Panwar, por US$ 2,10 (R$ 8,61) ao mês.

Mukesh Ambani, presidente da Reliance Industries, investiu mais de US$ 35 bilhões em rede de internet móvel que irá cobrir todo o território indiano - B.Mathur/Reuters

Jio significa "viver", em híndi, e a empresa conquistou 215 milhões de assinantes desde 2016, o que a torna o quarto maior provedor indiano de acesso móvel à internet, abaixo da Bharti Airtel, com 345 milhões de assinantes, do Vodafone Group e da Idea Cellular.

Ambani decidiu ingressar nesse mercado em 2010. Naquele momento, menos de 10% dos indianos tinham acesso à internet.

As redes de quarta geração oferecem velocidades maiores que as 3G, o que viabiliza o acesso a mais conteúdo, via serviços de streaming de vídeo e música, por exemplo. Redes 4G são comuns nos Estados Unidos, Europa e leste da Ásia.

Ambani, 61, tem um patrimônio de mais de US$ 48 bilhões e tinha acabado de construir uma mansão de 27 andares em uma colina com vista para o Mar da Arábia, em Mumbai. Em uma visita de sua filha, ela encontrou dificuldades para submeter seus trabalhos online. "Pai, a internet aqui em casa é um lixo", se queixou, conforme Ambani contou em um evento.

Na época, os executivos do setor de telecomunicações indiano concordavam em que existia necessidade de maior velocidade, mas duvidavam de que houvesse número suficiente de clientes dispostos a pagar por isso. Os indianos na época gastavam em média cerca de US$ 2 (R$ 8,2) ao mês com seus celulares, e a maioria desse dinheiro envolvia chamadas de voz.

Alguns rivais começaram a lançar serviços 4G em certas cidades indianas, mas Ambani queria construir uma rede que cobrisse mais de 18 mil cidades, grandes e pequenas, e 200 mil aldeias, em certos casos chegando a lugares nos quais não existia nem rede elétrica. Isso exigia mais de 200 mil torres de telefonia móvel e 240 mil quilômetros de cabo de fibra óptica de alta tecnologia --o suficiente para dar a volta à Terra seis vezes, de acordo com a Jio.

No lançamento do serviço, em setembro de 2016, a Jio ofereceu telefonemas e mensagens de texto grátis, assim como dados ilimitados gratuitos pelos primeiros três meses. "A Índia mudará para sempre", disse Ambani na cerimônia de lançamento transmitida ao vivo por canais de TV locais.

Os concorrentes da Jio cortaram seus preços, o que reduziu o preço médio dos serviços de dados na Índia de mais de US$ 3 por gigabyte antes do surgimento da Jio, para US$ 0,60 por gigabyte agora.

Os rivais questionaram as campanhas e os preços da Jio junto às autoridades. A agência regulatória de questões antitruste no país determinou que os serviços gratuitos da Jio não constituíam concorrência desleal.

A guerra de preços reduziu a receita por usuário do setor. No ano passado, a Índia superou os EUA em número de apps baixados na loja Google Play, de acordo com a App Annie. O tráfego de dados mensal per capita na Índia subiu em 570% nos dois anos desde que a Jio foi lançada, de acordo com o Morgan Stanley.

A Amazon alterou seu modelo na Índia, introduzindo opções como pagamento em dinheiro na entrega; o Google em lançando recursos direcionados a usuários do país; e o WhatsApp testa um recurso de pagamentos móveis.

Ambani, que herdou o controle do império Reliance quando seu pai morreu, em 2002, disse que deseja alargar a base de operações do Reliance, que ainda depende do petróleo. Em uma reunião com investidores em julho, deixou claras as suas ambições.

"Mesmo depois de atender às necessidades de nossos mais de 215 milhões de clientes, a capacidade utilizada da rede da Jio continua abaixo dos 20%", afirmou Ambani. "Estamos determinados a conectar tudo e todos, em toda parte".

570%

foi o aumento de tráfego de dados mensal per capita na Índia nos dois anos desde que a Jio foi lançada, de acordo com estimativa da banco de investimentos Morgan Stanley. No ano passado, a Índia superou os Estados Unidos em número de aplicativos baixados na loja Google Play, de acordo com consultoria App Annie

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