Reação global a grandes empresas de tecnologia pode subdividir internet

Governos cobram companhias com leis; saída a elas será cumprir e lançar diferentes produtos

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Christopher Mims
Baltimore

As grandes empresas de tecnologia têm poder imenso sobre os corações e as mentes dos usuários —tão grande quanto o de muitos governos de países nos quais operam. Em todo o mundo, cidadãos, burocratas e políticos agora pressionam contra esse poder.

A reação adversa é dirigida aos gigantes da tecnologia dos EUA, como a Alphabet (controladora do Google), o Facebook e a Amazon, e aos efeitos de sua onipresença sobre pessoas e empresas.

Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook; ele depôs ao Congresso americano em abril deste ano
Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook; ele depôs ao Congresso americano em abril deste ano - Brendan Smialowski/AFP

A resistência também inclui medidas da China contra empresas de tecnologia do país e a rejeição pela Índia de monopólios estrangeiros.

As maiores companhias de tecnologia atingem mais pessoas do que qualquer empresa já atingiu na história, e muitos indicadores apontam que elas cresceram em velocidade sem precedentes. 

Elas mesmas argumentam que a tecnologia traz grandes benefícios às pessoas, mas tendem a consolidar seu poder e a causar problemas deliberados para concorrentes quando ingressam em um setor, de uma maneira que não víamos desde a Era Dourada do capitalismo do século 19.

À medida que a familiaridade das pessoas com a internet cresceu, suas opiniões tenderam a mudar do entusiasmo para a cautela. 

Uma pesquisa do Centro pela Inovação da Governança Internacional revela que no Quênia, por exemplo, as pessoas são positivas sobre o impacto da tecnologia, enquanto nos Estados Unidos e na Europa tendem a se preocupar.

“A familiaridade alimenta o desprezo”, diz Fen Hampson, diretor de segurança e política interacional do centro.

A reação que vem se mobilizando tem o potencial de subdividir a internet, forçando grandes empresas a criar produtos e procedimentos separados para diferentes regiões. 

A reação começou no Ocidente, onde as empresas atuam há mais tempo. Na União Europeia, esforços para controlar empresas que abusam de seu poder monopolista resultaram em uma multa recorde de US$ 5 bilhões (R$ 18,5 bilhões) contra o Google. 

A Amazon pode ser a próxima, já que a Comissão de Competição do bloco investiga se a gigante do varejo eletrônico usa dados dos revendedores da plataforma de modo indevido.

Enquanto isso, o GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados, na sigla em inglês) gera um efeito profundo sobre o ecossistema publicitário e de coleta de dados na União Europeia. 

A lei ainda não foi testada nos tribunais, mas, nos termos do regulamento, o Facebook poderia ficar exposto a uma multa recorde de US$ 1,63 bilhões (R$ 6 bilhões), pelo seu mais recente vazamento de dados pessoais.

Nos Estados Unidos, a criação de uma carta de direitos do internauta se tornou uma proposta importante para alguns democratas no Congresso. Colegas republicanos também começaram a aderir.

A Califórnia já aprovou um projeto abrangente de lei de privacidade de dados, que deve entrar em vigor em 2020.

Em audiência no Senado dos EUA em setembro, executivos da Alphabet e da Amazon disseram concordar em que uma regulamentação da privacidade é necessária, assim como Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook. 

Da mesma forma que empresas americanas adquiriram domínio sobre o mercado nos últimos dez anos, na China poucas companhias, entre as quais Alibaba, Tencent, Baidu e JD.com, conseguiram resultados semelhantes.

No passado, o governo chinês estava satisfeito em incentivar o desenvolvimento de companhias desde que cumprissem suas imposições de censura. Agora, adota um papel mais intrusivo em seus negócios cotidianos.

As autoridades estão forçando a Ant Financial, a empresa de serviços de pagamentos do Alibaba, a usar o critério governamental de classificação de crédito, e não o da companhia, nas decisões de crédito.

O pior cenário possível na China, diz Paul Triolo, analista da companhia de pesquisa Eurasia Group, é se Pequim estatizar algumas das gigantes chinesas de tecnologia.

Se a guerra comercial com os Estados Unidos se agravar, e se os líderes sentirem que precisam transformar as empresas em instrumentos do Estado, isso será possível.

O chamado Grande Firewall da China na prática criou duas internets. Eric Schmidt, ex-presidente-executivo do Google, declarou recentemente que a separação entre essas duas internets só vai crescer.

Como não podem operar livremente na China, as companhias americanas precisam fazer com que seus negócios funcionem de modo uniforme em todos os outros mercados em que isso for possível, disse Paul Twomey, ex-presidente da Icann, organização sem fins lucrativos que administra o sistema mundial de domínios da internet.

Algumas gigantes da tecnologia já seguem esse caminho. A Microsoft anunciou que aplicará as normas do GDPR a todos os seus serviços, em todo o mundo. A Apple se posiciona há anos como empresa para a qual a proteção de dados e privacidade importam muito. 

Empresas que dependem mais da obtenção de dados não são tão entusiastas. O Google vem combatendo esforços para exportar essas normas a outros países. 

A lista de desejos do Google quanto a regulamentos “responsáveis” de proteção de dados inclui uma definição “flexível” para o que deve ser classificado como dados pessoais e nenhuma restrição à localização geográfica em que dados são armazenados.

O Facebook tentou contornar as regras de privacidade europeias oferecendo um escolha desconfortável aos seus usuários: abrir mão de alguns direitos ou deletar suas contas. A empresa não respondeu a pedidos de comentário.

Essa atitude se provará contraproducente, disse Twomey. Em parte isso acontece porque as leis de proteção de dados também se aplicam a outras empresas, como os bancos, que devem pressionar por regulamentação mundial harmonizada. 

Para determinar para onde a reação contra o setor de tecnologia se encaminhará a seguir, é preciso prestar atenção à Índia, disse Twomey.

Quando o Facebook tentou, em 2016, permitir que usuários navegassem na rede social sem pagar pelos dados móveis, uma coalizão de ativistas indianos, e posteriormente o governo, se mobilizou para bloquear o programa. O que o Facebook via como beneficência os indianos viam como neocolonialismo.

Esse tipo de reação prenuncia um futuro no qual alguns países —pequenos demais para oferecer serviços comparáveis aos das gigantes americanas e chinesas —negociarão com eles da maneira que puderem. Em alguns casos, a força para isso só surge depois de uma tragédia.

No Sri Lanka, o Facebook se recusou a aceitar avisos do governo sobre o uso da plataforma para incitar violência contra a minoria muçulmana. Depois que o país bloqueou acesso ao Facebook, a empresa prometeu que começaria a remover o conteúdo.

Traduzido do inglês por Paulo Migliacci 

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