Fornecedores da Apple sofrem com incerteza sobre demanda por iPhones

Nas últimas semanas, a Apple reduziu os pedidos dos três modelos que revelou em setembro

Yoko Kubota, Takashi Mochizuki e Tripp Mickle
San Francisco

A demanda inferior à esperada para os novos iPhones da Apple e a decisão da empresa de oferecer mais modelos criaram tumulto em sua cadeia de suprimento e tornaram mais difícil prever o número de componentes e aparelhos que ela precisa, afirmam pessoas informadas sobre a situação.

Nas últimas semanas, a companhia reduziu os pedidos de produção dos três modelos de iPhone que revelou em setembro, disseram essas pessoas, o que frustrou os fornecedores da Apple e os operários que montam os dispositivos e seus componentes.

Tim Cook, presidente-executivo da Apple, ao lado da cantora Lana Del Rey em recente evento da companhia; Apple cortou previsão para produção de iPhone
Tim Cook, presidente-executivo da Apple, ao lado da cantora Lana Del Rey em recente evento da companhia; Apple cortou previsão para produção de iPhone - Timothy Clary/AFP

As previsões vêm sendo problemáticas no caso do iPhone XR. No final de outubro, a Apple cortou seus planos de produção em até um terço, ante as cerca de 70 milhões de unidades que havia solicitado para setembro e fevereiro, segundo fontes.

 

Na última semana, a Apple informou a diversos fornecedores que havia reduzido seus planos de produção mais uma vez, no caso  do iPhone XR. A companhia americana enfrenta um mercado maduro para os smartphones e forte concorrência de fabricantes chineses.

A Apple se recusou a comentar.

Durante uma entrevista ao The Wall Street Journal alguns meses atrás, o vice-presidente financeiro da Apple, Luca Maestri, disse que tentar determinar a demanda com base em relatórios de fornecedores poderia se provar enganoso, porque os fornecedores também fabricam componentes para competidores.

Mas os efeitos se espalharam pela cadeia de suprimento da Apple.

Na semana passada, importantes fornecedores envolvidos na produção do iPhone, como Qorvo, Lumentum Holdings e Japan Display, reduziram suas projeções de lucros trimestrais, mencionando redução em encomendas prévias por um grande cliente.

O nome da Apple não foi citado, mas a fabricante do iPhone responde por entre um terço e metade da receita dessas empresas, de acordo com estimativas e documentos oficiais.

Os investidores reagiram derrubando os preços das ações das três empresas. As ações da Apple caíram em mais de 10% desde o seu mais recente anúncio de resultados, em 1º de novembro.

Na Foxconn, maior montadora de iPhones para a Apple na China, milhares de trabalhadores pediram demissão voluntariamente antes do que planejavam, quando a empresa cortou as horas extras que são necessárias nos períodos de pico de produção, disseram pessoas informadas sobre o assunto.

Muitos trabalhadores contam com essas horas extras como fonte crucial de renda. A Foxconn se recusou a comentar.

Centenas de fornecedores construíram seus negócios aproveitando a era do smartphone, e nenhum deles se beneficiou mais do que as empresas que fornecem componentes para a Apple.

A popularidade do iPhone gerou imensa receita e lucratividade para os fornecedores de componentes, elevou seu valor de mercado e se tornou a espinha dorsal de seus negócios.

Mas os cortes na produção do iPhone causaram frustração entre os fornecedores e despertaram preocupações sobre a capacidade da Apple de prever demanda, desde que ela começou a lançar três novos modelos de iPhone em lugar de dois, no ano passado, de acordo com executivos de fornecedores de componentes.

A capacidade dos fornecedores de avaliar a demanda também será prejudicada pela recente decisão da Apple de suspender a divulgação do número de unidades vendidas de seus aparelhos, disse um fornecedor.

O acréscimo de novos iPhones com preços mais altos - os aparelhos agora custam entre US$ 749 e US$ 1 mil, ante a faixa de entre US$ 649 e US$ 769 em 2016 - tornou mais difícil prever a demanda, disseram analistas e especialistas em projeções.

A Apple também continua a vender alguns modelos mais antigos em suas lojas, o que complica ainda mais as projeções.

"Quanto mais escolhas você introduz, mais difícil fica identificar quem comprará o quê", disse Steven Haines, presidente-executivo da Sequent Learning Networks, que assessora empresas como a FedEx e a Verizon Communications quanto à administração de produtos.

No passado, a Apple prosperava com "a beleza da simplicidade", disse um executivo de um fornecedor da empresa. "Tinha muito poucos modelos, com volumes maciços de vendas".

As vendas do iPhone XR podem se acelerar mais tarde este ano, espelhando o que aconteceu quando a Apple lançou o iPhone 5C em 2013, disse Ben Bajarin, analista de tecnologia na Creative Strategies.

Ele disse que porque aparelhos como esse têm menos recursos do que os modelos de topo de linha e preço mais alto lançados no mesmo período, tendem a atrair menos os compradores que gostam de adquirir novas tecnologias o mais cedo possível –exatamente o grupo que propele as vendas iniciais dos iPhones.

Os fornecedores da empresa já sofreram abalos no passado. O iPhone 6, lançado em 2014, vendeu mais do que a Apple esperava e os fornecedores tiveram de correr para atender a pedidos expandidos. No ano seguinte, a demanda pelo iPhone 6 ficou abaixo do previsto, o que forçou os fornecedores a lidar com estoques excedentes e capacidade de produção subutilizada.

No ano passado, muitos fornecedores foram prejudicados pela projeção inicial de produção excessivamente otimista que a Apple adotou quanto ao iPhone X; a companhia em seguida reduziu essa projeção em cerca de 20 milhões de unidades no primeiro trimestre de 2018.

"Fazer negócios com a Apple é muito arriscado, porque há reversões frequentes em suas promessas", disse o executivo de um fornecedor.

As frustrações dos fornecedores foram agravadas pela falta de crescimento no volume de vendas do iPhone nos últimos anos. Desde que chegaram a um pico no ano fiscal de 2015, as vendas do iPhone caíram em 6%, e ficaram em 217,7 milhões de unidades no ano mais recente.

Embora produzir componentes para mais de 200 milhões de iPhones continue a ser um tremendo negócio para os fornecedores, a maioria deles dependia do avanço do volume de vendas do iPhone para elevar seus lucros.

A Apple adota controles severos para as margens de lucro de seus fornecedores e pede que muitos deles realizem grandes investimentos em maquinaria especializada, para a fabricação de seus produtos, dizem fornecedores.

"O crescimento corrige muitos pecados", disse um executivo de um fornecedor da Apple. "Quando ele se desacelera, começam a surgir rochas no fundo do oceano".

A Apple compensou a desaceleração no crescimento do volume de vendas por meio de aumentos nos preços do iPhone e de maior concentração em software e serviços.

A estratégia ajudou a empresa a reportar seu melhor ano em termos de receita e lucro, no ano fiscal encerrado em setembro; no trimestre em curso, a empresa projeta receita de entre US$ 89 bilhões (R$ 334bilhões) e US$ 93 bilhões (R$ 349 bilhões). O crescimento em sua área de serviços compensa a contração das margens no hardware, dizem analistas setoriais.

Embora a Apple venha desfrutando de receita e lucro recorde nos últimos 12 meses, não se pode dizer o mesmo sobre muitos de seus fornecedores. Isso acontece porque, diferentemente da Apple, eles não se beneficiam dos serviços e software e dependem pesadamente do volume de venda de aparelhos, dizem fornecedores e analistas.

"Há muitas carcaças espalhadas na via expressa dos fornecedores da Apple", disse Timothy Arcuri, analista do banco de investimento UBS que acompanha a cadeia de suprimento do iPhone.

"Quando as unidades vendidas estão em alta, a situação é uma; quando não estão, é outra. Agora, é possível argumentar que talvez não valha a pena correr o risco".

The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci 

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