Descrição de chapéu The New York Times

Esse é o cara que está acabando com os likes no Instagram

Adam Mosseri, que comanda a rede social, quer manter a plataforma segura e especial; isso significa aprender com os erros do Facebook

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The New York Times

Em uma tarde recente, Adam Mosseri, o líder do Instagram, reuniu membros de sua equipe para discutir os detalhes secretos de um projeto crucial: a eliminação dos likes públicos. O usuário poderá ver o número de “ikes que suas postagens recebem, mas não os totais de outros usuários. O esforço é conhecido dentro da empresa como Projeto Daisy —em referência ao jogo do “bem me quer, mal me quer”.

Os likes são a moeda da mídia social, e embasam toda a economia dos influenciadores, inspirando um milhão de aspirantes a Kardashian e propiciando doses diárias de endorfina a muitas pessoas comuns como nós. Mas Mosseri vem se preocupando há meses com as consequências inesperadas da posição do Instagram como árbitro de aprovação.

Ele tinha sempre na memória um episódio da série britânica “Black Mirror", no qual os personagens passam o tempo avaliando as pessoas com quem interagem em uma escala de uma a cinco estrelas. (O final não é feliz.)

Mosseri sabe alguma coisa sobre as consequências nada utópicas de erros tecnológicos. Ele chegou ao Instagram em outubro de 2018 depois de anos comandando o News Feed do Facebook, que serve involuntariamente como difusor de notícias falsas, retórica inflamatória e desinformação. Ele quer evitar percalços parecidos no Instagram, controlado pelo Facebook.

Adam Mosseri, head of Instagram, at the social media platform's offices
Adam Mosseri, líder do Instagram, no escritório da empresa em Manhattan, Nova York - Ricky Rhodes/The New York Times

Mas tornar os likes uma informação privativa representará uma grande mudança para o mais de um bilhão de usuários do Instagram, para os quais as avaliações diárias de sua popularidade se tornaram tão importantes quanto o ar que respiram.

É por isso a companhia está considerando cuidadosamente como isso vai acontecer, e passou meses testando diferentes variações do novo formato. Pode ser que marcos como atingir milhares ou dezenas de milhares de likes continuem a ser públicos. Os usuários talvez continuem a ter a capacidade de descobrir o número de “ikes recebidos por postagens alheias, pesquisando um pouco no app. Mas o adolescente médio, que se sente pressionado a ser popular, não precisará mais sofrer a indignidade de só receber um like em sua postagem sobre skate —e um like vindo de sua mãe.

Mosseri considera o Projeto Daisy, que a companhia pretende introduzir no começo de 2020, como um sinal ao mundo de que ele aprendeu com os erros do Facebook e está pensando sobre o impacto mais amplo e potencialmente corrosivo da mídia social.

“Deveríamos ter começado a pensar de modo mais proativo sobre como o Instagram e o Facebook poderiam sofrer abusos, e mitigar os riscos de que isso acontecesse”, ele disse. “Estamos recuperando o atraso”.

Na reunião, ele perguntou à sua equipe o que fazer para despressurizar o app. As marcas ainda precisariam contar likes para sua publicidade, e como isso funcionaria? Ninguém quer dissolver o “BeyHive” (os 138 milhões de seguidores de Beyoncé), ou prejudicar uma influenciadora importante como Selena Gomez (166 milhões de seguidores), mas será que isso significa que o adolescente popular médio, que tem mil seguidores, continuará a receber a mesma atenção? Como reagiriam os usuários de fora dos Estados Unidos? Em dado momento, Mosseri interrompeu um designer para perguntar “mas que cara isso teria em outros idiomas?”

Depois respirou fundo, ergueu os braços e apoiou a cabeça nas mãos e disse: “Não quero irritar ninguém”.
Àquela altura, eu já havia passado diversas tardes com Mosseri, e sua preocupação me pareceu o melhor resumo de seu fascinante e ocasionalmente complicado mandato no comando do Instagram. O cara que está trabalhando para eliminar os likes quer que as pessoas gostem dele.
 

A fábrica de selfies

Mosseri é um confidente bem próximo de Mark Zuckerberg, o presidente-executivo do Facebook, e sabe que sua promoção ao Instagram foi recebida com ceticismo generalizado pela equipe da empresa, e vista como prova de que a plataforma de rede social quadradona havia engolido de vez a multicolorida empresa que adquiriu.

O Instagram vinha há anos tentando manter pelo menos a aparência de independência com relação ao Facebook, que o adquiriu por US$ 1 bilhão em 2012. Mais tarde, os fundadores da plataforma, Kevin Systrom e Mike Krieger, entraram em conflito com Zuckerberg e deixaram a companhia.

Dezenas de empregados seguiram o exemplo deles. Duas equipes de engenheiros e gerentes de produto que trabalhavam separadamente foram combinadas. O Instagram mudou até seu nome, para “Instagram do Facebook” —irritando muitos dos influenciadores, que não queriam ser associados de maneira alguma ao Facebook, que para eles havia se tornado o reino de tiozões rancorosos que resmungam sobre política, e de amigos aleatórios da época do segundo grau que divulgam fotos sobre reuniões de ex-alunos.

Retrato de Adam Mosseri; a foto está focada no rosto. O executivo tem óculos com armação transparente e usa uma camisa polo azul marinho. seu cabelo é curto e tem corte moderno
Adam Mosseri, líder do Instagram, no escritório da empresa em Manhattan, Nova York - Ricky Rhodes/The New York Times

Quando Mosseri foi apresentado como o novo líder do Instagram, em uma sessão de perguntas e respostas com os empregados da unidade, alguém perguntou por que um cara que havia fracassado no comando do News Feed do Facebook estava sendo colocado na chefia do Instagram, de acordo com uma pessoa que participou da reunião.

“A saída de Kevin e Mike foi um acontecimento muito grande e emotivo. E por isso certamente havia ceticismo quanto à minha chegada ao posto”, disse Mosseri.

As preocupações iam além dos quadros do Instagram e também se espalharam entre os usuários mais obsessivos do serviço. O relacionamento com o Facebook macularia o app que transformou a maneira pela qual tiramos fotos e fez de toda uma geração uma verdadeira máquina de selfies?

No final do ano passado, Zuckerberg, dois dias depois de ser interrogado no Congresso americano sobre a maneira pela qual o Facebook administra os dados de usuários, publicidade política, desinformação e pornografia infantil, fez uma visita aos escritórios do Instagram. Mosseri divulgou um selfie que o mostrava abraçando o chefe. “Mark veio ao Instagram!”, ele escreveu. Os usuários não perderam tempo para comentar: “O Instagram perdeu o rumo”, “o Instagram morreu”, “recriem a grandeza do Instagram”.

Mas enquanto Zuckerberg é descrito por seus críticos como defensivo, avesso a críticas e a jornalistas, Mosseri, 36, projeta a imagem oposta. Ele é afável e tranquilo, e exibe a intensidade contida de um executivo de tecnologia do Vale do Silício nascido no East Village de Nova York. Ele permite o acesso de jornalistas e encara sem medo eventuais guerras no Twitter com a acerba colunista de tecnologia Kara Swisher (que escreve para a página de opinião do The New York Times). Ele divulga muitas fotos de seus filhos pequenos (#DadLife). E conduz sessões regulares de conversação com o tema “podem me perguntar qualquer coisa”.

Essa campanha de relações públicas, combinada aos esforços de Mosseri para reprimir o “bullying”, remover fotos de automutilação e implementar outras medidas de segurança e integridade que demoraram a ser adotadas pelo Facebook, lhe valeu respeito. Mas não aquietou as preocupações mais amplas sobre a matriz.

“Agora há mais ansiedade sobre qual é o lugar [do Instagram] na companhia mais ampla, como nos relacionamos com o Facebook, como nos relacionamos com o WhatsApp, e menos ansiedade quanto a mim”, disse Mosseri. E acrescentou: “Mas preciso ter cautela quanto aos pontos cegos, nessa área, porque se houvesse muita ansiedade quanto a mim as pessoas não me diriam”.

A photo illustration of Adam Mosseri, head of Instagram, at the social media platform's offices
Ilustração de Adam Mosseri, líder do Instagram - Ricky Rhodes/The New York Times; ilustração de Alvaro Dominguez

O Instagram revolucionou o comércio, desferiu um golpe quase fatal contra as revistas femininas, conduziu celebridades das telas de TV e cinema às telas de nossos celulares e transformou cachorros e “personal trainers” em nomes conhecidos (pelo menos de algumas pessoas). Para conversar sobre o futuro do app de fotografia, Mosseri e eu nos reunimos, entre outros lugares, no ensolarado pátio de alimentação da sede da companhia em Nova York, em um edifício que no passado abrigava uma loja de departamentos Wannamaker e também abriga outros escritórios do Facebook.

Projetada para compartilhamento de tudo, a companhia se esforça para impedir que visitantes à sua sede operacional compartilhem qualquer coisa, pedindo aos jornalistas visitantes que assinem acordos de confidencialidade. (Fui dispensada disso.) O espaço de paredes brancas é uma espécie de fábrica de chocolate de Willy Wonka em versão mídia social, com panos de fundo para selfies em todo canto. Há uma instalação iridescente parecida com uma colmeia, um bar que serve sorvetes e café gratuitamente e uma parede que exibe uma rotação de postagens do @shop, o mais recente esforço do Instagram para atrair pequenas empresas.

A equipe mundial do Instagram tem mais de mil pessoas, e ao mesmo tempo que tentava me convencer de que não era um “cara do Facebook”, Mosseri tinha também de convencer Zuckerberg e o Facebook de que suas decisões beneficiarão a companhia.

Da maneira pela qual os executivos do Facebook veem a situação, o Instagram não teria se tornado tão onipresente e tão querido se não tivesse atraído usuários e obtido apoio do Facebook. Agora, com Mosseri no comando, é hora de o Instagram, o ativo de mais rápido crescimento no grupo, retribuir.

“Existe essa percepção incorreta sobre a jornada que o Instagram empreendeu desde que o Facebook o adquiriu”, disse Justin Osofsky, veterano executivo sênior do Facebook e agora vice-presidente de operações do Instagram. “Havia uma narrativa de que uma equipe de apenas 13 pessoas, e uma jornada como startup, levaram a um resultado inevitável para o Instagram, mas na verdade acredito que Facebook tenha desempenhado um papel incrivelmente importante em seu crescimento”.

Zuckerberg afirmou em um email que os fundadores do Instagram “criaram algo de especial, e a equipe tomou essa criação e ajudou a transformá-la em algo que pessoas de todo o mundo amam”. Mas, ele acrescentou, “ainda temos muito a fazer para tornar a experiência ainda melhor e garantir que fiquemos à altura do que as pessoas esperam de nós”.

Vishal Shah, left, Instagram?s head of product, and Justin Osofsky, chief operating officer, at the offices
Vishal Shah (esq.), líder de produtos do Instagram, e Justin Osofsky (dir.), chefe de operações no escritório em San Francisco, Estados Unidos - Jason Henry/The New York Times

Esse equilíbrio delicado —manter tanto o Facebook quanto o Instagram felizes e reduzir a animosidade entre os dois campos— faz com que Mosseri se lembre de seu pai, um psicoterapeuta americano de origem israelense que fala hebraico com sotaque americano e inglês com sotaque israelense.

“Sinto que é como se falasse dois idiomas e nenhum dos dois perfeitamente”, disse Mosseri. “É como se, a qualquer lugar a que você vá, as pessoas questionassem de onde você é”.
 

Correndo com Zuck

A história de Mosseri começou como a de muitos outros executivos de tecnologia: na universidade. Ele era calouro na Universidade de Nova York quando começou a projetar sites, em geral para ajudar a pagar o aluguel do quarto sem janelas em que vivia no apartamento de um banheiro que ele dividia com cinco outros universitários. Ele criou uma pequena empresa de design para a web com um sócio, Sidney Blank, que a descreveu como “dois caras e dois empregados tentando ganhar a vida”.

A empresa de Mosseri conquistou dois contratos com a Universidade Brown e a Liga Arquitetônica de Nova York (a mãe dele é arquiteta), e seus trabalhos incluíam criar uma visão interativa do que o novo World Trade Center seria. Em 2005, ele abriu um escritório na costa oeste, seguindo um par de amigos que haviam se mudado para San Francisco em busca de riqueza com startups.

Lá ele criou o Boombox, um app de compartilhamento de música. Antes de ele receber uma carta de advertência da Recording Industry Association of America, uma organização setorial de gravadoras, o app atraiu a atenção do Facebook. A mulher de Mosseri, Monica Mosseri, estava trabalhando na área de operações do Facebook; ele mesmo havia se candidato diversas vezes a empregos na companhia mas nunca fui chamado para uma entrevista. Mas dado o interesse do Facebook por apps de música, ele enfim teve uma oportunidade.

Em 2008 ele começou a trabalhar na equipe de design do Facebook, se dedicando tão intensamente que muitas vezes dormia por lá, em um sofá no escritório do Vale do Silício, como outros dos primeiros executivos da empresa. Pensando como designer mas trabalhando com códigos de software como um engenheiro, ele personificava o espírito de trabalho duro que o Facebook buscava em seus funcionários na época, disse Soleio Cuervo, ex-designer de produtos no Facebook.

“O Facebook tem esse estigma de ser uma empresa de nerds tradicionais do Vale do Silício”, disse Cuervo. “Mas em minha opinião a cultura da empresa é muito social. Adam jogava em nosso time de futebol misto”.

An employee takes a picture at Instagram offices
Um funcionário tira uma foto no escritório de San Francisco, Estados Undios - Jason Henry/The New York Times

Como muitos dos primeiros empregados do Facebook, Mosseri fez amizade com Zuckerberg. Eles se movimentavam em círculos sociais semelhantes, têm filhos mais ou menos da mesma idade e ocasionalmente correm juntos de manhã. Zuckerberg confiou a Mosseri a tarefa de comandar o News Feed, a coleção de links, fotos e mensagens idiossincráticas que os dois bilhões de usuários do Facebook veiculam em mais de 100 idiomas.

Revelações de que “trolls” russos haviam interferido para ajudar a eleger o presidente Donald Trump em 2016 e de que o News Feed havia sido usado para difundir desinformação durante a campanha resultaram em uma série de investigações legislativas sobre as práticas da empresa. A mídia social, que havia sido concebida para nos aproximar, terminou por se tornar uma ferramenta decisiva para promover separação.

Publicamente, as reações adversas se concentraram em Zuckerberg, mas dentro da empresa foi Mosseri que teve de dar muitas das respostas. Ele passou os meses posteriores à eleição de 2016 enfrentando questões sobre como aquilo tinha acontecido, e como garantir que não voltasse a acontecer.

“Eu viajava pelo mundo, conversando com pessoas que nos criticavam severamente, tentando encontrar o sinal em meio ao ruído e descobrir como resolver essas questões e ajudar a pilotar o navio”, disse Mosseri.
 

O filtro contra “bullying”

Enquanto as críticas ao Facebook reverberavam e os usuários mais jovens, especialmente nos Estados Unidos, abandonavam o serviço, o Instagram preservava sua imagem como espaço seguro no qual compartilhar fotos de uma festa de primeiro aniversário ou de uma torrada com abacate.

O Facebook adquiriu o Instagram em 2012, quando este tinha 30 milhões de usuários, e o tratou basicamente como um projeto paralelo, embora lucrativo. Mas o Instagram cresceu mais rápido do que qualquer um esperava. Imitou astutamente o seu rival Snapchat, introduzindo o Stories, um serviço de compartilhamento de vídeos que conquistou muita popularidade e cuja norma de manter oculto o total de visitantes a cada vídeo orientou o Projeto Daisy.

Usuários que talvez sentissem que sua privacidade foi comprometida no Facebook usavam o Instagram para trocar mensagens diretas e compartilhar momentos pessoais. Em 2018, a receita publicitária líquida do Instagram nos Estados Unidos atingiu quase US$ 6 bilhões, 70% acima do total do ano anterior, de acordo com o grupo de pesquisa de mercado eMarketer.

O Instagram deixou de ser o projeto paralelo conhecido por filtros fotográficos que ofereciam orelhas de coelho, e se tornou o futuro do Facebook nos Estados Unidos, de acordo com analistas setoriais que estimam que ele seja o ativo mais lucrativo do Facebook e talvez uma das melhores aquisições na história da tecnologia.

“Houve essa inversão de papéis na metamorfose do Instagram de um pequeno projeto paralelo para a posição de plataforma central”, disse Venky Ganesan, diretor executivo da Menlo Ventures, uma empresa de capital para empreendimentos. “O Facebook que conhecemos e amamos — ou conhecemos e deixamos de amar— está se tornando uma relíquia do passado”.

The Instagram executive team, from left: Karina Newton, Charles Porch, Tamar Shapiro and Eva Chen
Equipe executiva do Instagram no escritório de Manhattan, Nova York; da esq. para dir.: Karina Newton, Charles Porch, Tamar Shapiro and Eva Chen - Ricky Rhodes/The New York Times

Zuckerberg começou a considerar o quadro geral do Instagram, WhatsApp e Facebook, ou o que ele chama de “família de apps”. O Facebook pode parecer um irmão mais velho ciumento, tendo removido o logotipo do Instagram de seu cardápio de “bookmarks”, por exemplo, e reduzido o tráfego que flui de sua plataforma ao Instagram. Os usuários do Instagram também ganharam a opção de postar vídeos simultaneamente no Instagram e no Facebook.

Meses antes da saída dos fundadores do Instagram, Jan Koum se demitiu do WhatsApp, app de mensagem do qual ele foi um dos fundadores, e do conselho do Facebook, em meio a debates sobre a quantidade de dados recolhidos pelo Facebook sobre seus usuários.

Zuckerberg promoveu Mosseri a vice-presidente de produtos do Instagram, uma decisão que convenceu os fundadores da empresa, Systrom e Krieger, de que o app que criaram estava cada vez mais sob o controle de Zuckerberg. “Ninguém deixa um trabalho porque as coisas estavam ótimas”, disse Systrom ao site noticioso Recode.

Mosseri teve de montar uma equipe executiva quase toda nova, promovendo diversos executivos do Facebook a postos importantes. Ele encorajou equipes que antes trabalhavam separadamente sobre questões de bem-estar e integridade de que elas deveriam colaborar mais estreitamente, e supervisionou, entre outras coisas, os esforços para remover mais rapidamente as postagens nocivas.

“Estávamos fazendo coisas demais por nossa conta e não estávamos aproveitando o trabalho que vem da equipe muito maior do Facebook”, disse Mosseri.

Ainda que o Instagram tenha ficado em boa medida isolado das críticas surgidas depois da eleição de 2016, dois relatórios, preparados por organizações independentes e divulgados no ano passado pelo Comitê de Inteligência do Senado constataram que o Instagram desde então se tornou um instrumento preferencial para os “trolls” russos que buscam semear a desconfiança no sistema político americano. As táticas deles incluem criar contas falsas com centenas de milhares de seguidores, dirigidas aos negros, aos ativistas que combatem a imigração e aos defensores do direito de porte de armas, entre outros grupos. O app pode terminar sendo usado para novas interferências na eleição de 2020.

“Com base em minhas experiências do lado do Facebook, eu posso tentar mitigar alguns desses riscos”, disse Mosseri. Sempre pronto a quebrar a tensão, ele brinca sobre as conversas ferozes que teve com seus parentes progressistas da costa leste sobre o papel do Facebook na vitória de Trump, mas o assunto também é causa de introspecção. “Tento contemplar as coisas da maneira mais efetiva que posso, e ser honesto sobre os erros que cometemos”, ele disse. “Perguntei a mim mesmo muitas vezes que conselho eu me daria, se pudesse recuar a 2015 e 2016”.

Ele também ecoa a postura mais ampla dentro do Facebook de que Trump simplesmente usou a plataforma de maneira mais efetiva que a oposição. “Trump usou o Facebook muito bem como anunciante, e tenho certeza de que isso ajudou”, ele disse.

Mosseri gosta de dizer que “a tecnologia não é boa ou ruim, ela é, e pronto”. Mas o que lhe permite ter tanta certeza? Ninguém sabe de fato qual será o impacto sociológico do Instagram em longo prazo; o app é novo demais. “Acredito que a mídia social muitas vezes serve como um grande amplificador daquilo que é bom e daquilo que é ruim”, disse Mosseri.

Em outras palavras, se a mídia social às vezes é um lixo é porque a humanidade às vezes é um lixo. E no entanto o papel de Mosseri é garantir que o lixo não sufoque o planeta. O Instagram continua a ser muito apreciado nos Estados Unidos, mas os usuários britânicos se voltaram contra a plataforma depois que surgiram informações de que imagens explícitas de automutilação postadas no app podem ter influenciado a decisão de uma jovem de 14 anos que se suicidou.

Mosseri proibiu rapidamente essas imagens e ordenou o desenvolvimento de instrumentos adicionais para ajudar os usuários a evitar “bullying”. Quando eu estava escrevendo este artigo, Mosseri me mandou um email para dizer que queria priorizar “o bem-estar como foco” para os usuários adolescentes do Instagram, “o que inclui o uso problemático e a solidão”.

De fato, as forças sombrias mais evidentes —pornografia, automutilação, desinformação— parecem quase simples se comparadas ao impacto de longo prazo praticamente desconhecido de uma plataforma que fez de cada viagem de férias, de cada jantar, de cada marco na vida de um casal de pais um espetáculo online.

O Instagram incentivou de tal forma a distorção da realidade que atraiu os membros mais endinheirados da geração milênio ao festival de música Fyre, um evento condenado ao fracasso, em uma ilha empobrecida; um casal de usuários caiu de uma encosta e morreu ao tentar registrar o selfie perfeito; e uma mulher se queixou de que seu filho de seis anos de idade não era tão popular quanto os irmãos porque as imagens dele recebiam menos likes.

Eva Chen, diretora de moda do Instagram, enfatizou que o app é um acessório, para a maioria de seus usuários, e não o evento principal. “Boa parte dos conselhos que dou aos jovens não se referem ao Instagram, suas formas e costumes”, ela disse. “Viver sua vida de acordo com os padrões do que outras pessoas consideram bacana não é uma boa maneira de viver”.

Mas o que acontece quando a tecnologia instila ideias sobre o que é bom, nos fascinando e desafiando o tempo todo?

“Há muitos motivos bem documentados para desconfiar do Instagram —a plataforma onde todos promovem suas marcas o tempo todo, todos propiciam lucros ao Facebook o tempo todo, todos fornecem dados ao Facebook o tempo todo”, disse Tavi Gevinson, que se tornou uma das primeiras influenciadoras digitais ao começar um blog popular sobre estilo quando tinha 12 anos, em um arrigo para a revista New York.

“Mas o mais enervante foram as maneiras pelas quais o app me levou a desconfiar de mim mesma”.
Osofsky, o vice-presidente de operações do Instagram, apontou para o Projeto Daisy como prova da seriedade dos líderes da empresa quanto às consequências inesperadas do app. “Estamos dispostos a questionar e analisar alguns dos aspectos mais centrais do serviço, ao pensar sobre a próxima década do Instagram”, ele disse.

Mosseri encara a questão de modo mais filosófico. “Posso levar a coisa para o lado nerd, um pouquinho?”
Respondi que sim, sem lembrá-lo de que já tínhamos conversado extensamente sobre “variantes” e “pesquisa qualitativa aleatória”.

“Com uma nova mídia, as coisas começam com euforia, depois se tornam histeria, e mais adiante, com alguma sorte, chegamos a um ponto de equilíbrio”, ele disse. “Aconteceu com o rádio. Aconteceu com a TV. Havia muito ceticismo quanto a ler Platão, porque ele estava escrevendo, e ninguém podia discutir contra gritar em praça pública”.

Isso significa que, se o Instagram é um Ford Modelo T, Mosseri está comandando o período no qual o modelo terá de começar a receber cintos de segurança, air bags e outros recursos de segurança.
“É muito natural que exista um ceticismo forte”, ele disse. “Mas acredito que estejamos criando muita coisa de bom no planeta”.

Tradução de Paulo Migliacci

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