Miniclipes do BBB geram caça a canais do Telegram

Globo solicitou remoção de vídeos de grupos do aplicativo que reproduziam trechos do pay-per-view

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São Paulo

Grupos do aplicativo Telegram que ganham popularidade narrando o Big Brother Brasil em tempo real explodiram em popularidade, passaram a ganhar dinheiro com pequenos anunciantes e viraram alvo da Globo, que ao menos duas vezes solicitou a derrubada de conteúdo por violação de direito autoral.

Entre os famosos estão o “Espiadinha”, com 294 mil inscritos, e o “Canal BBB 21”, banido na semana passada, já recriado e com 197 mil integrantes neste domingo (28).

A operação desses canais, cuja entrada é gratuita e possível a qualquer usuário do Telegram, consiste na publicação de trechos de vídeos captados do pay-per-view da emissora, acompanhados de transcrições, além de fotos, gifs e comentários sobre o programa.

Os diálogos dos participantes do reality são reproduzidos em texto, e o resultado final revela capricho raro para este tipo de fórum —não costumam conter erros gramaticais, por exemplo.

Os grupos funcionam como uma espécie de curadoria do que é mais relevante das 24 horas registradas pelas diversas câmeras da casa do BBB. Cada publicação gera centenas de comentários.

Grande parte do resumo do confinamento apresentado nas edições de Tiago Leifert na TV aberta à noite já foi destaque nos canais de conversa de Telegram durante o dia.

Embora haja menção eventual a patrocinadores de peso do programa, como PicPay e Avon, quem comanda esses grupos são jovens universitários de cerca de 18 anos. Não há equipes profissionais ou megapatrocinadores por trás.

Os jovens administradores, cerca de dez em cada um dos canais, se revezam em escala para que o público tenha conteúdo em tempo integral.

Em um mês de programa, nesta edição que bate recorde de audiência, dois grupos já tiveram conteúdo removido, e a alimentação dos chats precisou ser readequada.

Agora, a publicação de vídeos longos é rara, embora ainda seja possível encontrá-los em alguns canais. Depois das exclusões, o conteúdo ficou restrito a narrações escritas, fotos, memes, gifs e enquetes.

A popularidade crescente desses canais, que coincide com a migração de brasileiros ao Telegram nos últimos, já atrai pequenas lojas e influenciadores digitais, que realizam publiposts (publicações pagas em redes sociais).

Há diferentes pacotes, mas eles pagam cerca de R$ 150 para ganhar espaço nos grupos e publicar sua propaganda. O Canal BBB 21 chegou a ganhar R$ 1.000 por semana. O dinheiro é dividido entre os administradores —que não se conhecem pessoalmente e só têm em comum o vício pelo reality.

“A gente não tinha noção que poderia ter publicidade no grupo até as pessoas aparecerem querendo pagar. É útil aos dois [anunciante e ao canal] devido à nossa influência”, diz Allanis Araújo, 20, estudante de direito de Mato Grosso.

O alcance médio de cada publicação (são cerca de cem por dia) é de 120 mil pessoas, segundo a administradora.

“São marcas pequenas ainda. Tem desde sex shop até instituição de ensino superior", conta.

Já a dona do Espiadinha BBB, que teve os vídeos retirados em uma ocasião, afirma que o foco de publicidade não está nas grandes marcas.

"São lojinhas independentes de vários nichos, sites que querem se promover e encontram no canal um lugar para anunciar. As pessoas pensam que somos profissionais, mas somos amadores, só que nos dedicamos muito", diz Érica Pereira Mathias, 19, de Praia Grande (SP).

O ineditismo desta disputa de direito autoral envolvendo Globo, pequenos anunciantes e o modelo do Telegram, que tem se afastado do conceito de mensageria privada, coloca o caso em uma zona jurídica cinzenta, de acordo com especialistas.

A lei de direitos autorais possui exceções que permitem a reprodução de trechos de obras sem autorização ou pagamento.

"Além desses direitos de usuários, há um entendimento de tribunais de outros usos possíveis que não estão expressos na legislação, usos que não precisam ser autorizados e nem pagos, que existem para garantir equilíbrio no sistema e levam em contra outros valores, como liberdade de expressão e de criação", afirma Mariana Valente, professora do Insper e diretora do Internet Lab.

A legislação permite, por exemplo, utilização de “pequenos trechos” em diversas ocasiões, embora não exista uma definição exata do que isso significa. Em tese, o uso de vídeos curtos não caracterizaria violação ao direito patrimonial do autor. Há, no entanto, outros elementos para levar em conta.

“Na minha opinião, há um abuso da exceção do direito autoral neste caso. Não podemos afirmar com toda certeza que os canais não trazem dano à Globo, que não machucam patrocinadores, que pagam alto para aparecer com exclusividade no BBB, contratos, o titular do programa e a emissora”, diz o advogado André Giacchetta, sócio do escritório Pinheiro Neto.

Os administradores ouvidos pela Folha afirmam que não querem "afrontar a Globo", que os grupos são uma forma de diversão e que eles não têm clareza sobre o que é ou não permitido de acordo com a lei, mas que entendem que vídeos longos são mais sensíveis que a reprodução de fotos.

"Não somos o Globo Play. Em questão de direito autoral, não queremos de forma nenhuma ir contra a Globo. Não tiro a razão deles, mas pensando pelo lado positivo, até geramos interesse nas pessoas de assinar o pay-per-view e comentar nas redes. Um vídeo que postamos pode rodar o Twitter e o Instagram inteiro. A influência é muito grande", diz Allanis.

A Globo diz que participa ativamente de ações de combate à pirataria, que causa danos e é passível de punição tanto nas esferas criminal, administrativa e cível.

"A pirataria expõe o usuário ao roubo de dados e crimes de outras naturezas. Utilizamos diversas ferramentas tecnológicas e estratégias de proteção ao nosso conteúdo, além de fazermos campanhas de esclarecimento e compreensão sobre a ilegalidade e riscos de sua utilização", diz.

Procurado, o Telegram não respondeu até a publicação desta reportagem.

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