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Brasil é o primeiro país a impedir que rede social derrube conteúdos que violem suas regras

Sob MP de Bolsonaro, empresas só podem remover postagens que envolverem assuntos definidos na medida

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Jack Nicas
The New York Times

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está temporariamente proibindo as empresas de redes sociais de remover certos conteúdos, incluindo suas afirmações de que a única maneira de ele perder as eleições no ano que vem é se a votação for fraudada —uma das medidas mais importantes de um líder eleito democraticamente de controlar o que pode ser dito na internet.

As novas regras das redes sociais, emitidas nesta semana, e com efeito imediato, parecem ser a primeira vez que um governo nacional impede as companhias de internet de derrubar conteúdo que viole suas regras, segundo especialistas em direito da internet e autoridades de companhias tecnológicas. E elas chegam em um momento precário para o Brasil.

Bolsonaro usou as redes sociais como megafone para construir seu movimento político e chegar à Presidência. Agora, com as pesquisas mostrando que ele perderia a eleição se fosse realizada hoje, ele está usando sites como Facebook, Twitter e YouTube para tentar minar a legitimidade da votação, seguindo o manual de seu aliado próximo, o ex-presidente americano Donald Trump. Na terça-feira (7), Bolsonaro repetiu suas afirmações sobre a eleição para milhares de apoiadores em duas cidades, durante manifestações em todo o país no dia da Independência do Brasil.

Bolsonaro edita MP que limita poder das redes sociais em combater notícias falsas
Bolsonaro edita MP que limita poder das redes sociais em combater notícias falsas - Reprodução/Twitter Mario Frias

Sob a nova política, as empresas tecnológicas podem remover postagens apenas se envolverem certos assuntos definidos na medida, como nudez, drogas e violência, ou se tentarem encorajar crimes ou violarem direitos autorais. Para retirar outros conteúdos, elas precisam obter uma ordem judicial. Isso sugere que, no Brasil, as companhias tecnológicas poderiam facilmente retirar uma foto de um homem nu, mas não mentiras sobre o coronavírus.

A pandemia foi um grande tema de desinformação sob Bolsonaro, com Facebook, Twitter e YouTube tendo removido vídeos em que ele defendia medicamentos sem eficácia comprovada como cura para o coronavírus.

"Você pode imaginar como seria duro para uma grande plataforma conseguir uma ordem judicial para cada artigo de desinformação que encontrarem", disse Carlos Affonso Souza, professor de direito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Affonso Souza disse que as companhias têm 30 dias para atualizar suas políticas antes de enfrentarem penalidades.

As gigantes das redes sociais denunciaram as novas regras, dizendo que vão permitir a divulgação de informação prejudicial. Facebook e YouTube disseram que ainda não modificaram sua forma de lidar com conteúdo no Brasil. O Twitter não quis comentar.

As novas regras da internet no Brasil são o último esforço em uma briga maior que os conservadores estão travando contra o Vale do Silício. Políticos e analistas de direita afirmaram que as companhias tecnológicas estão censurando vozes conservadoras, e eles cada vez mais apoiam leis que dificultam a remoção de postagens ou contas pelas redes sociais.

A Flórida aprovou em maio uma lei que multaria as companhias de internet que barrarem qualquer candidato político em seus sites, mas um juiz federal a bloqueou um mês depois. O governador do Texas deverá em breve assinar uma lei semelhante. Outros países propuseram leis parecidas, mas a nova política do Brasil parece ser a medida mais significativa já aprovada em nível nacional.

Em um post no Twitter, o governo Bolsonaro disse que a política "proíbe a remoção de conteúdo que possa resultar em qualquer tipo de 'censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa'".

Além de limitar os tipos de posts que as empresas podem remover, as regras também exigem que essas firmas justifiquem a retirada de qualquer postagem ou conta, mesmo as que envolvem as exceções protegidas. O governo pode então forçar as empresas a restaurar o post ou a conta se decidir que a remoção foi arbitrária.

O Facebook disse que a "medida prejudica significativamente nossa capacidade de limitar o abuso em nossas plataformas" e que a companhia concorda "com peritos legais e especialistas que veem a medida como uma violação dos direitos constitucionais".

O Twitter disse que a política transforma a lei de internet existente no Brasil, "assim como mina os valores e consenso sobre a qual foi construída".

O YouTube disse que ainda está analisando a lei antes de fazer qualquer mudança. "Continuaremos a deixar clara a importância de nossas políticas, e os riscos para nossos usuários e criadores se não pudermos aplicá-las", disse a companhia.

Não ficou claro como a medida afetará o conteúdo fora do Brasil.

Embora sejam de longo alcance, as novas regras provavelmente não vão durar, segundo analistas políticos e jurídicos que acompanham o Brasil. Bolsonaro as emitiu como uma "medida provisória", um tipo de decreto de emergência que visa abordar situações urgentes. Tais medidas expiram em 120 dias se o Congresso brasileiro não as tornar permanentes. Alguns membros do Congresso já se opuseram publicamente à medida, e cinco partidos políticos e um senador moveram processos junto ao Supremo Tribunal Federal do país tentando bloqueá-la.

Mas Bolsonaro disse a apoiadores em um comício na terça que ele vai ignorar as decisões de um juiz do STF que ajudou a liderar investigações do governo Bolsonaro, alarmando observadores do mundo todo de que o presidente esteja ameaçando a democracia brasileira.

Affonso Souza disse que o STF poderá anular a medida antes que as empresas de internet tenham de acatá-la, mas afirmou que isso abriu um precedente perigoso.

O presidente, disse ele, criou uma maneira de garantir que a desinformação "continue na internet e seja mais fácil disseminá-la".

Bolsonaro tomou outras medidas para dificultar o combate à desinformação na internet. Neste mês, por exemplo, ele vetou parte de uma lei de segurança nacional que estabeleceria penas criminais para pessoas consideradas culpadas de orquestrar campanhas maciças de desinformação.

Matthew Taylor, diretor da Iniciativa de Pesquisa sobre o Brasil na Universidade Americana, disse que Bolsonaro está usando a política da internet para reunir seus apoiadores e distrair de escândalos em torno de sua condução da pandemia e seus choques com os tribunais. Bolsonaro retratou este momento como crucial para o destino de seu movimento político.

"O momento não foi errado", disse Taylor sobre a política, que foi aprovada na véspera de protestos que Bolsonaro esperava que incitassem o apoio à sua presidência criticada. "Isso foi feito para o público doméstico de Bolsonaro."

O governo brasileiro disse em seu post no Twitter que está "assumindo a liderança global em defesa do livre discurso nas redes sociais e protegendo o direito dos cidadãos à liberdade de pensamento e de expressão". O governo não respondeu a pedidos de comentários.

Bolsonaro alarmou muitos setores do Brasil nos últimos meses com suas reações cada vez mais autoritárias a uma série de crises políticas, incluindo a espiral da pandemia, dificuldades econômicas, investigações judiciais dele e de sua família e a queda nas pesquisas. Ele atacou o sistema de votação eletrônica do Brasil como motivo para descontar a próxima eleição, e recentemente disse a apoiadores que só há três resultados possíveis para sua presidência: ele ser reeleito, preso ou morto.

Em julho, o YouTube removeu 15 vídeos de Bolsonaro por espalharem desinformação sobre o coronavírus. E no final de agosto o YouTube disse que, sob ordens de um tribunal brasileiro, interrompeu os pagamentos a 14 canais pró-Bolsonaro que tinham espalhado informação falsa sobre as eleições presidenciais do próximo ano.

O Supremo Tribunal Federal também está investigando operações de desinformação no país. Bolsonaro se tornou alvo dessas investigações no mês passado, e vários de seus aliados foram interrogados ou detidos.

Nesta semana, Jason Miller, um ex-assessor de Trump, foi detido durante três horas em um aeroporto em Brasília, para onde tinha viajado para uma conferência política conservadora. Em entrevista, Miller disse que as autoridades lhe disseram que o estavam interrogando como parte de uma investigação do STF.

"Foi ridículo", disse ele. "Isso realmente mostra o quanto a livre expressão está sendo atacada no Brasil."
Bolsonaro, um populista de direita que ganhou a eleição presidencial em 2018, há muito é comparado com Trump. Seus atos recentes —incluindo denúncias de eleição fraudada, ceticismo sobre o coronavírus e queixas sobre a censura das big tech— aprofundaram as semelhanças.

Trump perdeu seu megafone neste ano quando as companhias tecnológicas o expulsaram de seus sites por comentários feitos em relação à invasão do Capitólio em janeiro.

Ultimamente, Bolsonaro tentou reduzir sua dependência das grandes companhias tecnológicas. Na segunda-feira (6), pediu que as pessoas no Twitter e no Facebook o seguissem no Telegram, um serviço de mensagens com abordagem mais frouxa do conteúdo.

Daphne Keller, que ensina direito da internet na Universidade Stanford, disse que os políticos conservadores propuseram leis como a medida brasileira nos EUA, na Polônia e no México, mas nenhuma foi aprovada.

"Se as plataformas tiverem de acatar cada coisinha que é legal, elas se transformarão em ralos terríveis que ninguém quer usar", disse Keller. "É um mecanismo para o governo manipular o direito e dizer o que pode ser visto na internet."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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