O Facebook é mais fraco do que pensávamos

Documentos publicados pelo Wall Street Journal revelam uma empresa cujos melhores dias já se foram

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Kevin Roose

Colunista de tecnologia do The New York Times. Sua coluna, “The Shift”, examina a interseção entre tecnologia, negócios e cultura.

The New York Times

Uma maneira possível de se ler "The Facebook Files", a excelente série de reportagens do Wall Street Journal baseada em pesquisas internas do Facebook que vazaram, é como a história de um gigante incontível que arrasa a sociedade a caminho do banco.

A série expôs evidências prejudiciais de que o Facebook tem um sistema de justiça de duas camadas, que ele sabia que o Instagram estava agravando problemas de imagem corporal entre meninas e que ele tinha um problema maior de desinformação sobre vacinas do que deixava perceber, entre outras questões. E seria muito fácil sair pensando que o Facebook é terrivelmente poderoso e só pode ser subjugado com uma intervenção agressiva do governo.

Mas há outra maneira de se ler a série, e é a interpretação que repercutiu mais fortemente em meu cérebro conforme surgia cada novo capítulo.

Ela é: o Facebook está com dificuldades.

Ilustração de logo do Facebook reproduzida em tela quebrada - Dado Ruvic - 4.out.2021/Reuters

Não dificuldades financeiras ou jurídicas, ou mesmo senadores gritando para Mark Zuckerberg. Estou falando é de uma espécie de declínio lento e constante que qualquer pessoa que já viu de perto uma companhia agonizante pode reconhecer. É uma nuvem de temor existencial que paira sobre uma organização cujos melhores tempos já passaram, influenciando cada prioridade administrativa e cada decisão sobre produtos e levando a tentativas cada vez mais desesperadas de encontrar uma saída.

Esse tipo de declínio não é necessariamente visível por fora, mas quem está por dentro vê centenas de pequenos sinais perturbadores dele todos os dias —crescimento hostil aos usuários, invasões, meias-voltas frenéticas, paranoia de executivos, atrito gradual entre colegas talentosos.

Tornou-se moda entre os críticos do Facebook enfatizar o tamanho e o predomínio da empresa enquanto denunciam seus erros. Em uma audiência no Senado na quinta-feira (30), legisladores fritaram Antigone Davis, diretora global de segurança do Facebook, com perguntas sobre o desenho de produtos viciante da empresa e a influência que ele tem sobre seus bilhões de usuários. Muitas das perguntas a Davis foram hostis, mas, assim como na maioria das audiências com as Big Tech, havia uma estranha espécie de respeito no ar, como se os legisladores estivessem perguntando: Ei, Godzilla, poderia parar de pisotear Tóquio, por favor?

Mas se esses documentos vazados provaram alguma coisa é como o Facebook se sente diferente do Godzilla. Os documentos, compartilhados com o Wall Street Journal por Frances Haugen, uma ex-diretora de produtos do Facebook, revelam uma empresa preocupada por estar perdendo poder e influência, e não ganhando, com sua própria pesquisa mostrando que muitos de seus produtos não estão prosperando organicamente. Em vez disso, ela se esforça cada vez mais para melhorar sua imagem tóxica e para impedir que os usuários abandonem seus aplicativos em favor de alternativas mais interessantes.

Uma boa maneira de pensar nos problemas do Facebook é que eles vêm em dois sabores básicos: problemas causados por ter usuários demais e problemas causados por ter poucos usuários do tipo que eles querem —criadores de cultura, definidores de tendências, jovens americanos cobiçados pelos anunciantes.

Os Facebook Files contêm evidências dos dois tipos. Um capítulo, por exemplo, examinou as tentativas fracassadas da empresa de deter a atividade criminosa e os abusos aos direitos humanos no mundo em desenvolvimento —questão exacerbada pelo hábito do Facebook de se expandir em países onde tem poucos funcionários e pouca experiência local.

Mas esse tipo de problema pode ser solucionado, ou pelo menos melhorado, com recursos e foco suficientes. O segundo tipo de problema —quando os influenciadores abandonam sua plataforma em massa— é o que mata. E parece ser o que mais está preocupando os executivos do Facebook.

Veja o terceiro artigo da série do Journal, que revelou como a decisão do Facebook em 2018 de mudar seu algoritmo do Feed de Notícias para enfatizar "interações sociais significativas" gerou, em vez disso, um aumento da indignação e raiva.

A mudança de algoritmo foi pintada na época como um nobre estímulo a conversas mais saudáveis. Mas relatórios internos revelaram que foi uma tentativa de reverter um declínio de vários anos no envolvimento dos usuários. As curtidas, os compartilhamentos e os comentários na plataforma estavam caindo, assim como uma métrica chamada "transmissões originais".

Os executivos tentaram reverter o declínio ajustando o algoritmo do Feed de Notícias para promover conteúdo que atraísse muitos comentários e reações, o que significava, a grosso modo, "conteúdo que deixa as pessoas muito irritadas".

"Proteger nossa comunidade é mais importante que maximizar nossos lucros", disse Joe Osborne, porta-voz do Facebook. "Dizer que fazemos vista grossa para o feedback ignora esses investimentos, incluindo as 40 mil pessoas que trabalham em segurança no Facebook e nosso investimento de US$ 13 bilhões desde 2016."

É cedo demais para declarar a morte do Facebook. O preço da ação da empresa subiu quase 30% no último ano, empurrado por fortes receitas de publicidade e um aumento no uso de alguns produtos durante a pandemia; o Facebook continua crescendo em alguns países, e poderá ter sucesso neles mesmo que tropece nos Estados Unidos. E a companhia investiu alto em novas iniciativas, como produtos de realidade aumentada e virtual, que poderão inverter a maré se tiverem sucesso.

Mas a pesquisa do Facebook conta uma história clara, que não é feliz. Seus usuários mais jovens estão correndo para o Snapchat e o TikTok, e os mais velhos estão postando memes antivacina e discutindo política. Alguns produtos do Facebook estão encolhendo ativamente, enquanto outros apenas deixam seus usuários irritados ou intimidados.

Nada disso quer dizer que o Facebook não é poderoso, que não deve ser regulamentado ou que seus atos não merecem ser examinados. Pode ser igualmente verdade que o Facebook esteja em declínio e que ainda é uma das companhias mais influentes da história, com a capacidade de moldar a política e a cultura no mundo todo.

Mas não devemos confundir a posição defensiva com paranoia saudável, ou confundir a agitação desesperada de uma plataforma com uma demonstração de força. Godzilla acabou morrendo, e, como os Facebook Files deixam claro, o Facebook também morrerá.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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