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Aposta da Microsoft na Activision vai deflagrar guerras de conteúdo nos games

Transação deve provocar escrutínio intenso por autoridades antitruste de todo o mundo

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Richard Waters
San Francisco | Financial Times

Se o caminho para o metaverso passa pela indústria do videogame atual, o acordo de US$ 75 bilhões (R$ 414 bi) que a Microsoft fechou para adquirir a Activision Blizzard pode se provar uma das transações cruciais para a próxima era da tecnologia.

A aquisição paga integralmente em dinheiro, anunciada na terça-feira (18), explodiu como uma bomba no mundo dos videogames. Ao reunir cerca de 30 estúdios de jogos sob o mesmo teto, "as implicações dessa transação causarão ondas de choque em todo o setor", disse Piers Harding-Rolls, analista de games na Ampere Analysis.

As reverberações ecoaram nos mercados de ações, a Sony abriu em baixa de quase 10% em Tóquio na quarta-feira (19), e outros fabricantes de games registraram altas, com a expectativa de uma nova rodada de fusões e aquisições.

Caixas com o logo de "Call of Duty" são exibidas em loja em Nova York, EUA - Jewel Samad - 3.nov.2014/AFP

A grande aquisição promete transformar a Microsoft em uma das maiores criadoras de entretenimento interativo, desordenar as redes existentes de alianças e rivalidades competitivas que ditam os rumos de um setor que movimenta US$ 200 bilhões (R$ 1,1 tri) ao ano, e ajudar a preparar as fundações para os mundos virtuais completamente abrangentes que existirão no futuro –tudo isso de uma vez.

"É uma nova guerra do conteúdo, em estilo Web 3.0", disse Neil Campling, da Mirabaud Securities. Mas a transação também deve provocar escrutínio intenso pelas autoridades antitruste de todo o planeta, para as quais qualquer jogada das maiores companhias de tecnologia dos Estados Unidos para chegar ao topo de novos mercados importantes por meio de aquisições se tornou uma preocupação.

É tudo muito diferente do que os investidores esperavam quando Satya Nadella assumiu como presidente-executivo da Microsoft em 2014. Na época, ele enfrentou apelos para que abandonasse a divisão Xbox de consoles de videogames para concentrar todos os recursos da empresa em recuperar o terreno perdido na computação em nuvem.

Em lugar disso, Nadella se apegou à ideia de construir novas audiências para a Microsoft com base em comunidades de pessoas formadas em torno dos games, e fez da aquisição da produtora do Minecraft sua primeira transação no comando da companhia.

Outras tentativas de aquisição de comunidades online significativas –entre as quais o app chinês de vídeo TikTok e o serviço de chat Discord– deram em nada, o que levou Nadella a se concentrar nos games como melhor maneira de construir uma audiência de massa.

Ao estender a integração vertical da Microsoft nos games, reforçando sua criação de conteúdo a fim de suplementar os sistemas de distribuição de jogos do console Xbox e de seus jogos para computador, Nadella estabeleceu um contraste acentuado com as demais grandes empresas de tecnologia.

Seus rivais mais próximos optaram por criar algumas das mais importantes plataformas, redes e pedágios no mundo dos games.

Isso inclui a divisão Oculus de realidade virtual do Facebook e a divisão Stadia de jogos em nuvem do Google, cada uma das quais representa um novo canal de distribuição de jogos; as lojas de apps da Apple e Google para smartphones; e a aquisição pela Amazon da rede de streaming de videogames Twitch.

No curto prazo, desde que seja capaz de concluir a transação e integrar com sucesso a empresa que está adquirindo, a Microsoft certamente estenderá seu alcance a novos mercados de jogos, o que fará dela uma competidora mais forte para a rival Sony, nos consoles de videogames, e para a gigante dos jogos para celulares Tencent. A inclusão de jogos como Candy Crush, especialmente, dará à empresa presença mais forte no mercado de jogos móveis, que agora movimenta tanto dinheiro quanto os de jogos para computadores e consoles combinados.

Bobby Kotick, o presidente-executivo da Activision, afirmou que com o interesse ampliado de companhias poderosas de tecnologia como a Apple e o Google pelos games, a aquisição não deve provocar resistência das autoridades regulatórias.

Nunca "houve mais competição do que existe hoje", ele afirmou em uma entrevista ao Financial Times. "Essa é uma motivação forte e importante para nossa transação".

A fragmentação do setor de videogames em um grande número de produtores e plataformas e o fato de que a receita da Microsoft com os videogames ainda deve ficar abaixo das registradas pela Tencent, Sony e Apple também reduzem o risco regulatório, acrescentou Campling.

"A Microsoft pode ter encontrado uma das poucas áreas do universo digital onde existe a possibilidade de escapar a escrutínio forte dos guerreiros antitruste", ele disse.

Mas, mesmo que a fatia da receita dos games que a Microsoft abocanharia não seja grande o bastante, por si, para gerar preocupações, alguns analistas advertiram que a tentativa da empresa de aprofundar a integração vertical poderia causar preocupações. A companhia ainda não anunciou se limitaria a distribuição de alguns jogos da Activision às suas plataformas, o que criaria o tipo de acesso exclusivo que desempenha papel importante na impulsão de vendas dos consoles atuais de videogames.

Garantir a maior audiência possível para os jogos da Activision daria à Microsoft um forte incentivo para manter as vendas por meio de plataformas como o PlayStation, disseram alguns analistas. Mas se a companhia atingir uma audiência própria ainda maior por meio de consoles, computadores e smartphones, esse cálculo pode começar a mudar.

O próprio Nadella deu indicações quanto a um futuro assim, apontando que a Microsoft deseja criar uma "Netflix dos games" –um serviço online unificado e por assinatura que daria acesso a uma ampla variedade de conteúdo exclusivo.

A Microsoft já tem alguma vantagem inicial, porque seu serviço Game Pass de games cresceu quase 30% nos últimos 12 meses e chegou a 25 milhões de assinantes pagos. A Activision daria à Microsoft acesso a uma nova e grande audiência online, para tentar expandir sua base de assinantes. Um dos jogos da Activision registra acesso online por 400 milhões de pessoas ao mês.

Observadores como Harding-Rolls alertam, no entanto, contra comparações simplistas entre o setor de videogames e as guerras do streaming que estão mudando o cenário do mercado de entretenimento. Projeções da Jupiter Research indicam que, mesmo em 2025, assinaturas responderão por apenas US$ 11 bilhões (R$ 60,7 bi) em receita para as companhias de games, uma gota de água no oceano para um setor cujas vendas totais já superam os US$ 200 bilhões.

Mas distribuir videogames via computação em nuvem poderia dar à Microsoft uma porta de entrada para mercados novos e significativos. Jogos acessíveis em qualquer smartphone via Game Pass, por exemplo, poderiam ajudar a Microsoft a explorar novos "mercados mundiais onde os jogos tradicionais para computadores e consoles há muito são um desafio", disse Nadella.

Mais adiante, ele disse, os games se tornarão um importante ingrediente na criação do metaverso. Vistos dessa perspectiva, os mundos virtuais imersivos do futuro parecem "uma coleção de comunidades e identidades individuais ancoradas em fortes franquias de conteúdo, e acessíveis em todos os aparelhos", disse o presidente da Microsoft.

Afirmações como essa se tornaram cada vez mais comuns no mundo da tecnologia, à medida que empresas como a Meta Platforms (antigo Facebook) e Microsoft tentam se posicionar como líderes para a próxima era da interação online.

Mas o mundo dos games não terá de esperar que visões vagas como essas se concretizem para julgar o impacto da aquisição da Activision. Se a Microsoft conseguir concretizar sua aquisição desordenadora, as ondas de choque que isso produzirá terão impacto forte, ruidoso e imediato.

Tradução de Paulo Migliacci

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