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Por que há um risco quando algoritmos definem os preços que você vê

Embora sistemas otimizem procura e oferta, distorções elevam a inflação

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John Thornhill

Editor de inovação do Financial Times

Desestimulado pelo preço de 260 libras (cerca de R$ 1.600) de uma passagem de trem para percorrer os 400 km de Sunderland a Londres, um torcedor inglês encontrou uma maneira mais barata de chegar ao estádio de Wembley para torcer por seu time: viajar via Espanha.

Um voo da Ryanair para a ilha espanhola de Menorca, uma estadia de uma noite em um hotel do aeroporto, um voo de retorno a Londres e uma carona de carro de volta para casa tinham custo total mais baixo do que o preço extorsivo da passagem de trem.

A experiência desse torcedor dos Black Cats [apelido do time de futebol Sunderland] reflete de maneira exemplar os custos, benefícios e ocasionais absurdos da determinação de preços por algoritmos, agora empregada pela maior parte das companhias ferroviárias e de aviação, com o objetivo de maximizar seu rendimento.

Inúmeras pessoas sentadas em frente a computador colocados uns ao lado dos outros
Atualmente algoritmo passou a significar uma sequência finita de operações explícitas para resolver um problema ou fazer um cálculo de modo automático - Kimberly White/Reuters

Esses programas permitem às empresas aumentar preços rapidamente a fim de explorar picos de demanda, por exemplo quando muitos torcedores de futebol querem chegar a um estádio em outra cidade.

Mas também podem reduzir preços automaticamente para atrair consumidores quando as condições do mercado são fracas, como acontece com as companhias de aviação econômicas.

Em um período no qual os consumidores estão preocupados com a alta rápida da inflação, os mecanismos de determinação de preços precisam passar por escrutínio mais forte. Mas os mercados digitais apresentam um desafio especial, porque muitos dos preços são determinados por algoritmos, e não por lerdos seres humanos.

Além disso, a velocidade e flexibilidade de serviço podem muitas vezes ser mais decisivas na compra online que os preços.

Por que o preço dinâmico pode levar a mais inflação

A promessa dos preços dinâmicos é a de que eles equiparam melhor oferta e procura, gerando uma maior eficiência econômica. Mas deveriam certamente estar atraindo mais atenção das autoridades regulatórias do que é o caso no momento. Existem indicações crescentes de que os preços algorítmicos podem conduzir a discriminação injusta e encorajar conluios implícitos entre empresas, o que causaria uma alta geral de preços.

O argumento positivo em defesa dos preços dinâmicos é exposto persuasivamente por Yossi Cohen, que vende esse tipo de serviço.

O fundador israelense da Quicklizard explica como sua empresa combina dados históricos, estoques de produtos e estruturas de custo a variáveis externas, tais como os preços dos concorrentes, indicadores econômicos e até o clima, para automatizar as decisões sobre preços. "Ajudamos empresas a encontrar o ponto ideal na curva de procura", disse Cohen.

Recorrer aos preços dinâmicos, segundo os desenvolvedores, pode elevar os lucros de um grupo de varejo em entre 7% e 10%, o que pode representar uma diferença crítica em um setor conhecido pelas margens minúsculas.

Mas ele argumenta que a onipresença dos serviços de comparação de preços também aumenta o poder dos consumidores para obter as melhores barganhas. "O comércio online alterou o equilíbrio em favor do consumidor", diz Cohen.

A intuição talvez sugira que a capacidade de um varejista online para rastrear e responder automaticamente a cortes de preços por rivais deve intensificar a concorrência. Mas dois estudos, dos quais Alexander MacKay, professor assistente da Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard, é um dos autores, concluem o oposto.

Como regular os algoritmos para evitar distorções

Ao estudar de que maneira os preços dinâmicos funcionam no mundo real, MacKay constatou que, quando uma empresa que dispõe de um algoritmo sofisticado de determinação de preços acompanha instantaneamente os cortes de preços dos rivais, o preço dos produtos sobe, ao longo do tempo. Um concorrente com tecnologia inferior não teria incentivo para reduzir preços. "Isso elimina a concorrência de preços do jogo", diz MacKay.

Mesmo que não exista um conluio de preços explícito que atraia a atenção das autoridades antitruste, os preços dinâmicos podem enfraquecer a competição.

Consumidores espertos e que disponham de tempo talvez consigam pesquisar mais e tirar vantagem de ofertas e promoções de curta duração, mas outras pessoas não poderão fazer o mesmo. "O que a competição tem de bonito é que, quando é forte ela for, os consumidores não precisam ser especialmente sofisticados para se beneficiarem dela", diz MacKay.

No passado, as autoridades regulatórias intervieram para corrigir abusos quando surgiram inovações na determinação de preços e em termos de poder de mercado. Assim, por exemplo, em muitos países o varejo está proibido de vender produtos abaixo do custo com o objetivo de tirar concorrentes do negócio.

Mas o desafio de regulamentar os mercados online é imensamente complexo, se considerarmos sua velocidade e opacidade. Empresas também podem personalizar ofertas, o que significa que dois consumidores diferentes não necessariamente verão a mesma oferta.

A história indica que controles gerais de preço são uma má ideia. MacKay e seus coautores oferecem duas soluções mais inovadoras.

Uma seria limitar a frequência com que as empresas online podem mudar seus preços —a gigante do comércio eletrônico Amazon, por exemplo, muda preços 2,5 milhões de vezes por dia, em todas as suas linhas de produtos.

A segunda proposta seria proibir companhias de incluir os preços de concorrentes em seus modelos logarítmicos. As duas medidas encorajariam mais competição cega e desencorajariam conluios implícitos.

Na ausência de intervenção regulatória desse tipo, os consumidores terão de confiar em sua esperteza para navegar pelos mercados digitais. O problema é que nem todos nós somos tão engenhosos quando aquele torcedor do Sunderland.

Tradução Paulo Migliacci

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