LinkedIn realizou experimentos sociais com 20 milhões de usuários durante cinco anos

Estudo descobriu que conexões sociais relativamente fracas eram mais úteis para encontrar empregos do que laços mais fortes

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Natasha Singer
Nova York | The New York Times

O LinkedIn realizou experimentos com mais de 20 milhões de usuários ao longo de cinco anos, que, embora destinados a melhorar a plataforma para os membros, podem ter afetado as oportunidades de trabalho disponíveis para alguns usuários, de acordo com um novo estudo.

Em experimentos realizados em todo o mundo de 2015 a 2019, o LinkedIn variou aleatoriamente a proporção de contatos fracos e fortes sugeridos por seu algoritmo "People You May Know" [pessoas que talvez você conheça] –o sistema automatizado da empresa para recomendar novas conexões a seus usuários. Os testes foram detalhados em um estudo publicado este mês na revista Science em coautoria com pesquisadores do LinkedIn, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, da Universidade Stanford e da Escola de Administração de Harvard.

Os experimentos algorítmicos do LinkedIn poderão surpreender milhões de pessoas, porque a empresa não informou aos usuários que os testes estavam sendo feitos.

Logos do Linkedin e da Microsoft - Dado Ruvic - 13.jun.2016/Reuters

Gigantes da tecnologia como o LinkedIn, a maior rede profissional do mundo, realizam rotineiramente experimentos em larga escala nos quais testam com diferentes pessoas versões diversas de recursos de aplicativos, designs da web e algoritmos. A antiga prática, chamada de teste A/B, busca melhorar as experiências dos consumidores e mantê-los engajados, o que ajuda as empresas a ganhar dinheiro com taxas de associação "premium" ou publicidade. Os usuários geralmente não têm ideia de que as empresas estão executando os testes neles.

Mas as mudanças feitas pelo LinkedIn são indícios de como esses ajustes em algoritmos amplamente usados podem se tornar experimentos de engenharia social com consequências capazes de modificar a vida de muitas pessoas. Especialistas que estudam os efeitos sociais da computação disseram que conduzir experimentos longos e em larga escala que podem afetar as perspectivas de emprego das pessoas e levanta questões sobre a transparência do setor e a supervisão de pesquisas.

"As descobertas sugerem que alguns usuários tiveram melhor acesso a oportunidades de trabalho ou uma diferença significativa no acesso a essas oportunidades", disse Michael Zimmer, professor associado de ciência da computação e diretor do Centro de Dados, Ética e Sociedade da Universidade Marquette, em Milwaukee, Wisconsin. "Esses são os tipos de consequências em longo prazo que precisam ser contempladas quando pensamos na ética de se envolver nesse tipo de pesquisa de ‘big data’."

O estudo na Science testou uma teoria influente na sociologia chamada "a força dos laços fracos", que sustenta que as pessoas são mais propensas a conseguir empregos e outras oportunidades por meio de conhecidos próximos do que por meio de amigos íntimos.

Os pesquisadores analisaram como as mudanças algorítmicas do LinkedIn afetaram a mobilidade profissional dos usuários. Eles descobriram que os laços sociais relativamente fracos no LinkedIn se mostraram duas vezes mais eficazes para conseguir empregos do que os laços sociais mais fortes.

Em um comunicado, o LinkedIn disse que, durante o estudo, "agiu de forma consistente" com o contrato de utilização, a política de privacidade da empresa e as configurações dos membros. A política de privacidade observa que o LinkedIn usa os dados pessoais dos usuários para fins de pesquisa. A declaração acrescentou que a empresa usou as mais recentes técnicas de ciências sociais "não invasivas" para responder a importantes questões de pesquisa, "sem qualquer experimentação nos membros".

O LinkedIn, de propriedade da Microsoft, não respondeu diretamente a uma pergunta sobre como a empresa considerou as possíveis consequências em longo prazo de seus experimentos sobre o emprego e a situação econômica dos usuários. Mas a rede disse que a pesquisa não beneficiou desproporcionalmente alguns usuários.

O objetivo da pesquisa era "ajudar as pessoas em escala", disse Karthik Rajkumar, cientista de pesquisa aplicada do LinkedIn e um dos autores do estudo. "Ninguém foi colocado em desvantagem para encontrar um emprego."

Sinan Aral, professor de administração e ciência de dados do MIT que foi o principal autor do estudo, disse que os experimentos do LinkedIn foram um esforço para garantir que os usuários tivessem acesso igual a oportunidades de emprego.

"Fazer um experimento em 20 milhões de pessoas e então lançar um algoritmo melhor para as perspectivas de emprego de todos como resultado do conhecimento que você aprende com isso é o que eles estão tentando fazer", disse Aral, "em vez de ungir algumas pessoas para ter mobilidade social e outras não."

Experimentos com usuários de grandes empresas de internet têm um histórico conturbado. Há oito anos, foi publicado um estudo do Facebook descrevendo como a rede social manipulou silenciosamente quais postagens apareciam nos feeds de notícias dos usuários para analisar a disseminação de emoções negativas e positivas em sua plataforma. O experimento de uma semana, realizado com 689 mil usuários, gerou rapidamente uma reação negativa.

Os experimentos de rede profissional do LinkedIn foram diferentes em intenção, escopo e escala. Eles foram projetados pelo LinkedIn como parte dos esforços contínuos da empresa para melhorar a relevância de seu algoritmo "pessoas que talvez você conheça", que sugere novas conexões aos membros.

O algoritmo analisa dados como histórico de emprego, cargos e laços dos membros com outros usuários. Em seguida, tenta avaliar a probabilidade de um membro do LinkedIn enviar um convite de amigo para uma nova conexão sugerida, bem como a probabilidade de essa nova conexão aceitar o convite.

Para os experimentos, o LinkedIn ajustou seu algoritmo para variar aleatoriamente a prevalência de laços fortes e fracos que o sistema recomendava. A primeira onda de testes, realizada em 2015, "teve mais de 4 milhões de sujeitos experimentais", informou o estudo. A segunda onda, realizada em 2019, envolveu mais de 16 milhões de pessoas.

Durante os testes, as pessoas que clicaram na ferramenta "pessoas que talvez você conheça" e analisaram as recomendações foram atribuídas a diferentes caminhos algorítmicos. Algumas dessas "variantes de tratamento", como o estudo as chamou, fizeram com que os usuários do LinkedIn formassem mais conexões com pessoas com quem tinham apenas laços sociais fracos. Outros ajustes fizeram com que as pessoas formassem menos conexões com laços fracos.

Não se sabe se a maioria dos membros do LinkedIn entendem que podem estar sujeitos a experimentos que podem afetar suas oportunidades de trabalho.

A política de privacidade do LinkedIn diz que a empresa pode "usar os dados pessoais disponíveis para nós" para pesquisar "tendências no local de trabalho, como disponibilidade de empregos e habilidades necessárias para esses empregos". Sua política para pesquisadores externos que buscam analisar dados da empresa afirma claramente que esses pesquisadores não poderão "experimentar ou realizar testes em nossos membros".

Mas nenhuma das políticas informa explicitamente aos consumidores que o próprio LinkedIn pode realizar experimentos e testes com seus membros.

Em um comunicado, o LinkedIn disse: "Somos transparentes com nossos membros por meio de nossa seção de pesquisa de nosso contrato de usuário".

Em uma declaração editorial, a Science disse: "Foi nosso entendimento, e dos revisores, que os experimentos realizados pelo LinkedIn operaram sob as diretrizes de seus contratos de usuário".

Após a primeira onda de testes algorítmicos, pesquisadores do LinkedIn e do MIT tiveram a ideia de analisar os resultados desses experimentos para testar a teoria da força dos laços fracos. Embora a teoria de décadas tenha se tornado uma pedra angular da ciência social, ela não foi rigorosamente comprovada em um estudo prospectivo de larga escala que atribuiu aleatoriamente pessoas a conexões sociais com forças diferentes.

Os pesquisadores externos analisaram dados agregados do LinkedIn. O estudo relatou que as pessoas que receberam mais recomendações para contatos moderadamente fracos geralmente se candidataram e aceitaram mais empregos –resultados que se encaixaram na teoria do laço fraco.

Os 20 milhões de usuários envolvidos nos experimentos do LinkedIn criaram mais de 2 bilhões de novas conexões sociais e concluíram mais de 70 milhões de pedidos de emprego que levaram a 600 mil novos empregos, informou o estudo. Conexões de laço fraco se mostraram mais úteis para candidatos a empregos em áreas digitais, como inteligência artificial, enquanto laços fortes se mostraram mais úteis para empregos em setores que dependiam menos de software, disse o estudo.

O LinkedIn disse que aplicou as descobertas sobre laços fracos a vários recursos, incluindo uma nova ferramenta que notifica os membros quando uma conexão de primeiro ou segundo grau está contratando. Mas a empresa não fez alterações relacionadas ao estudo em seu recurso "pessoas que talvez você conheça".

Aral, do MIT, disse que o significado mais profundo do estudo foi que ele mostrou a importância de poderosos algoritmos de redes sociais –não apenas para ampliar problemas como desinformação, mas também como indicadores fundamentais de condições econômicas como emprego e desemprego.

Catherine Flick, pesquisadora sênior em computação e responsabilidade social da Universidade De Montfort em Leicester, na Inglaterra, descreveu o estudo como mais um exercício de marketing corporativo.

"O estudo tem um viés inerente", disse Flick. "Ele mostra que se você deseja conseguir mais empregos deve estar mais no LinkedIn."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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