No sertão alagoano, a cenográfica Piranhas é uma das 199 cidades visitadas pelo Datafolha

Parece que a cantoria dos pássaros rege a incidência de luz matinal que avança sobre o percurso do rio São Francisco num trecho do sertão, bem na divisa entre Alagoas e Sergipe.

Às margens de suas águas tingidas de azul, desponta um casario acidentado de origem inglesa e portuguesa. Erguido entre os montes de vegetação da caatinga nos séculos 18 e 19, o colorido arquitetônico é realçado conforme o Sol se levanta. Tudo ali ganha intensidade no momento em que parcos moradores começam a circular por entre as ruas da "cidade velha".

Estamos na alagoana Piranhas, a 280 km de Maceió ou a 220 km de Aracaju. Ela é um dos 199 municípios brasileiros visitados por pesquisadores do Datafolha que deram origem a esta edição da Folha Top of Mind.

Ao todo, estiveram envolvidos no levantamento 243 pesquisadores de campo. Outros 54 profissionais encarregaram-se da coordenação da pesquisa, feita em todo o país, e da tabulação dos resultados, organizada na sede do instituto, em São Paulo.

Hoje com menos de 25 mil habitantes, Piranhas ganhou fama nacional na década de 1930, ao expor as cabeças de Lampião, Maria Bonita e de outros nove cangaceiros, em frente ao prédio da prefeitura.

A morte de Virgulino Ferreira da Silva ocorreu ali perto, do outro lado do rio São Francisco, na Grota de Angico, em Poço Redondo (SE), no dia 28 de julho de 1938.

A cidade de Piranhas integra a chamada Rota do Cangaço, um roteiro turístico pelas águas do Velho Chico e por terras que abrigaram a folclórica onda de banditismo, percorrendo o trajeto realizado pela polícia até encontrar os cangaceiros. Durante anos, o rio foi o caminho usado pelo rei do cangaço e por seu bando para se locomover entre suas andanças por terras nordestinas.

Os cânions do Xingó estão entre seus principais atrativos. Além de encantar os visitantes, suas belezas naturais movimentam o comércio local, como restaurantes, bares e pousadas. O rio oferece pontos sinalizados para banho e outros que demarcam a saída de embarcações de passeio.

Bem em frente ao centro histórico, conhecido como Piranhas Velha, o ex-pescador José Carlos Paulino Monteiro, 50, barqueiro há 20 anos, está à espera de um cliente.

"Há 20 anos, minha avó Filomena dizia que esse rio ia virar um riacho", comenta.

"Eu não acreditava, rapaz. Hoje, creio. Acabaram os peixes, e o Velho Chico está secando a cada dia que passa", entristece.

Casado, pai de cinco filhos, José Carlos vive atualmente das viagens aos cânions.

O fluxo de turismo, opina, trouxe um certo desenvolvimento ao lugar. "Quatro anos atrás era difícil encontrar as coisas no supermercado. Com os turistas, vieram as novidades. Uns temperos prontos, que ninguém em casa tinha ideia que existiam", conta. "Hoje, em Piranhas, você encontra de tudo."

Antes de ter esse nome, o local era conhecido como Tapera. Reza a lenda que passou a ser chamada de Piranhas devido a um caboclo que teria pescado um enorme exemplar dessa espécie de peixe.

No fim dos anos 1970, Piranhas serviu de cenário para as cenas iniciais do filme "Bye Bye Brasil", do alagoano Cacá Diegues. 

Ironicamente, falta cinema na cidade, entretenimento indispensável na opinião de Jamele Ventura, 23, cozinheira, nascida e criada ali. "Mas temos o rio", consola-se.

Piranhas também já foi apelidada de "Lapinha do Nordeste" por Dom Pedro 2º, quando ele a visitou em 1859.

Em frente a um antigo casarão que teria servido de pouso ao imperador, a bordadeira Maria de Fátima Correa de Moura, 48, elogia a tranquilidade do lugar onde mora: a vila Entre Montes, localizada a 22 km de carro -ou a 12 km a barco- de Piranhas.

Com apenas 500 moradores, a região é conhecida como a capital do bordado.

Antes da onda de explosões a caixas eletrônicos Brasil afora, Fátima sonhava com uma agência bancária alcançada numa pernada. Hoje, porém, ela diz que prefere encarar o rio ou a estrada de terra, para pagar conta ou sacar uma reserva, por temer ataques do gênero em seu povoado.

Costuma se juntar a vizinhos, que dividem os custos de uma viagem até Paulo Afonso, na Bahia, para fazer as compras do mês num atacadista. "O que temos aqui é para o emergencial. O básico", explica.

Em frente à casa dela, a bodega de Erasmo Nunes Lisboa, 80, comerciante há 50 anos, exibe produtos em balcões de madeira centenários. Doces são vendidos em baleiros de vidro que remontam a antigas infâncias. "O bar é mais para a bebida", avisa "seu" Erasmo. "Mas vai que um turista precise de alguma emergência. Aí, a gente vende."

Caixas de cereais e aveias, sandálias Havaianas, escovas de dente e absorventes estão estrategicamente à vista de quem chega. A bodega do seu Erasmo funciona num anexo à casa dele, que, segundo moradores, foi parada de Lampião. 

E, juram, não é conversa de pescador!

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