Descrição de chapéu Tóquio 2020

Atletas se adaptam para buscar vaga olímpica em meio a incertezas

Ausência de competições oficiais por causa da pandemia ameaça prejudicar preparação de brasileiros

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Andrei Ribeiro João Guilherme Bretas Artur Búrigo Flavio Latif
Salvador , Andradas (MG), São Paulo e Florianópolis

Poucas semanas separavam Guilherme Costa, 21, da prova seletiva que poderia garantir sua participação nos Jogos de Tóquio, então previstos para começar em julho deste ano.

O jovem nadador estava pronto para assegurar uma vaga na sua primeira Olimpíada, e bastava repetir os bons índices que vinha alcançando em competições anteriores na prova do Troféu Brasil, marcado para abril.

Aos 30 anos, o corredor Ederson Vilela treinava para conseguir vaga na maratona olímpica, inédita para ele, após uma carreira consagrada nas corridas de 10.000 m. O plano era conseguir marca classificatória numa prova em Viena, na Áustria, também em abril.

Rebeca Silva,19, se preparava para enfrentar mais dois campeonatos mundiais, um na Itália e outro na Inglaterra, para ter a chance de representar o judô paralímpico brasileiro no Japão. O início da competição voltada a desportistas com deficiência estava previsto para agosto.

Com a chegada da pandemia e o adiamento do calendário esportivo, porém, os atletas viram seus planos adiados e tiveram que buscar maneiras de manter a preparação física e lidar com as incertezas sobre o futuro.

O corredor Ederson Vilela, em primeiro plano, trajando máscara preta e casaco azul corre na zona rural de Caçapava (SP)
O corredor Ederson Vilela treina nas ruas da sua cidade natal, Caçapava (SP), depois que a pandemia adiou os eventos classificatórios para Tóquio - Mariane Simão/Divulgação

“Estamos esperando por uma definição do calendário de provas no Brasil. O que move os atletas são as competições, então a ansiedade pela volta delas está bem alta”, diz Ederson, que foi medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima.

Por causa do fechamento dos clubes esportivos, o corredor voltou à sua terra natal, Caçapava (SP), a 112 km de São Paulo, e passou a treinar nas ruas. Diariamente, sai da cidade em direção à zona rural, sempre intercalando sessões de corridas com exercícios de força.

Seu treinador, Cláudio Castilho, que integrou a comissão brasileira de atletismo nas últimas três Olimpíadas, afirma que a falta de competições locais poderá prejudicar a preparação para os Jogos de Tóquio, que foram remarcados para julho e agosto de 2021.

“A grande vantagem de outros países que estão em um nível mais desacelerado da pandemia é que alguns já estão realizando competições. Na primeira prova oficial, certamente estaremos um pouco atrás em nível de competitividade”, diz.

Guilherme Costa concorda, mas vê no adiamento do calendário uma oportunidade também: “Ganhei mais um ano para me preparar. Sou novo ainda, então acho que um ano vai me ajudar bastante”.

Ele tem realizado treinos físicos na casa em que mora com os pais, na zona oeste do Rio. Para aumentar a motivação e não perder o contato com a água, já nadou na piscina do próprio condomínio, em um clube próximo e, desde julho, voltou ao centro aquático Maria Lenk, seguindo protocolos sanitários. “Se todo mundo se dedicar bastante, dá para recuperar”, diz.

Diariamente, Rebeca Silva precisa enviar vídeos dos seus exercícios para os professores da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV). Ela tem apenas 10% da visão, e conta com equipamentos improvisados e a ajuda de um irmão desde março para compensar a pausa dos treinos no centro esportivo de São Bernardo (SP), onde mora. “Mas nada se compara ao tatame”, ela comenta.

A judoca Rebeca Silva, em primeiro plano e vestindo kimono azul, realiza treino físico em sua casa durante a quarentena, na cidade de São Bernardo (SP)
A judoca Rebeca Silva treina durante a quarentena em sua casa, na cidade de São Bernardo (SP) - Beneli Comunicação/Divulgação

Uma pesquisa do Comitê Olímpico Internacional (COI) realizada em maio mostrou que treinar com eficiência, manter a motivação e cuidar da saúde mental eram as principais dificuldades dos atletas em quarentena. O estudo contou com depoimentos de mais de 4.000 esportistas em 135 países, inclusive o Brasil.

“Aqueles que estavam mais perto da vaga olímpica sentiram os efeitos psicológicos da pandemia de forma mais intensa”, diz o treinador Castilho. “Quando entenderam a falta de perspectiva, com todas as provas sendo canceladas, a autoestima e a motivação deles foi lá embaixo.”

Em sua equipe, ele mantém psicólogos que monitoram mensalmente os 13 atletas com quem trabalha. Entre eles, destaca Ederson como um do mais ansiosos. “Ele vinha se preparando desde o Pan de Lima [em 2019] para estrear na maratona, por isso estava com uma expectativa grande”, diz. O corredor, ao menos, tem um novo objetivo concreto: em dezembro, em uma prova na Espanha, tentará a esperada vaga olímpica.

Além dos aspectos físicos e psicológicos, a pandemia também atingiu financeiramente alguns atletas. Guilherme e Ederson tiveram os salários reduzidos em 25% nos clubes que representam —Minas Tênis Clube e Esporte Clube Pinheiros, respectivamente.

O impacto do corte foi reduzido porque os dois ainda são patrocinados por marcas esportivas e fazem parte do Programa de Atletas de Alto Rendimento (PAAR) das Forças Armadas.

Rebeca não teve sua renda impactada pela pandemia. O patrocínio da Caixa Econômica Federal foi mantido, assim como o Bolsa Atleta, programa nacional de incentivo ao esporte financiado pelo governo federal. A categoria Pódio, à qual está vinculada, concede benefícios de R$ 5 mil a R$ 15 mil. Com os recursos, ela também sustenta os pais, desempregados.

A relativa estabilidade dos três atletas, entretanto, não reflete a condição geral do setor. O arranjo que sustenta o esporte de alto rendimento no país —formado por comitês, clubes, confederações e federações— foi duramente atingido pela crise.

Além das reduções de salário, os clubes promoveram demissões e renegociações de contratos com funcionários e fornecedores. As medidas foram uma resposta à perda de receitas com eventos, vendas de restaurantes internos e patrocinadores.

O Pinheiros, por exemplo, um dos celeiros de atletas olímpicos do país, dispensou a equipe inteira de basquete masculino em abril. No mês de agosto, a estimativa é de redução de 27%, ou R$ 5,1 milhões, nas despesas em relação ao orçamento original.

O vice-presidente de formação de atletas do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), Fernando Matos Cruz, afirmou que a instituição antecipou recursos aos clubes parceiros para manutenção de contratos dos profissionais do esporte. No entanto, não foi possível manter todos os acordos firmados durante a pandemia.

Já os repasses mensais de verbas de loterias aos comitês (Olímpico, Paralímpico e de Clubes), principal fonte de financiamento das organizações, caíram quase pela metade nos dois primeiros meses de quarentena e alertaram os dirigentes.

Depois de um decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro reabrir as lotéricas como serviço essencial, os repasses voltaram a subir —em julho, alcançaram cerca de 80% dos valores pré-pandemia.

No último dia 13, o Senado aprovou, com mudanças, um projeto de lei de iniciativa da Câmara dos Deputados que destina até R$ 1,6 bilhão para socorrer o esporte. O projeto agora terá que ser analisado pelos deputados de novo.

O texto inclui medidas como pagamento, em três parcelas, de auxílio emergencial a atletas e profissionais de baixa renda, prorrogação de prazo para prestação de contas de projetos apoiados pela União e abertura de linhas de crédito para compras de materiais esportivos por empresas e pessoas físicas ligadas ao setor.

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