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22/01/2012 - 03h00

Aos 78 anos, mulher soropositiva há 15 acredita que é possível viver com otimismo

RODRIGO MESQUITA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Dados do Ministério da Saúde mostram que, a cada ano, a fatia de novos velhos diagnosticados com Aids só cresce. Para Maria Luísa¹, 78 anos e soropositiva há 15, o diagnóstico não deve impedir que as pessoas procurem viver o melhor possível. A entrevista foi realizada em uma sala reservada (e ensolarada) de um hospital público da região oeste de São Paulo. Na ocasião, a sorridente e otimista senhora conversou com a reportagem da Folha, acompanhada da filha mais velha.

DEPOIMENTO

"Fiquei viúva e casei novamente. Meu segundo marido estava infectado, mas eu não sabia. Nem ele sabia. Muitos anos depois do casamento, comecei a ficar doente, o que era muito estranho, sempre fui uma pessoa saudável. Se bem que, para mim, não tem dia triste, é um dia bom após o outro".

"Enfim, fui ao consultório e o doutor não achava nada. Eu era doadora de sangue, nunca tive nada. E um outro médico, que me atendeu pelo plano de saúde, perguntou: 'A senhora pode fazer uns exames?'. Ele desconfiava que meu problema fosse Aids e, quando chegaram os exames, lá estava o resultado: soropositiva. Meu marido, que eu não duvido que pegou essa doença quando me traiu, morreu um ano depois do meu diagnóstico".

"Comecei a fazer o tratamento na mesma semana do diagnóstico. Meus filhos me levavam para o consultório. Minha família me trata como se eu não tivesse nada, e é assim até hoje. As exceções foram pessoas que sofreram muito, que diziam 'Ah, ela vai morrer'. Que nada, vou chegar aos 90 anos e ainda vou dar muita entrevista! (risos)".

"Tirei a doença da minha cabeça, até esqueço que tenho Aids, porque não sinto nada. Bloqueei a doença, sempre fui sadia e ainda sou. Faço as minhas tarefas de sempre, continuo a andar, passear etc. Todo mundo esperava que eu ficasse triste, mas não me abalei com isso; sabia que ia matar todos esses bichinhos e, hoje, não tenho nenhum".

"Estou com essa doença há 15 anos, mas nunca me abalei com isso, ajo como se tivesse pegado uma gripe: essa doença pega na cabeça e não vou deixar de viver a minha vida, não vou morrer por causa disso. E não morri: comecei a fazer atividades como ginástica, cooper e natação. Comecei a fazer uma coisa que essa doença não gosta: viver".

"Minha família passou a tomar mais cuidado na hora do sexo, inclusive os meus netos. Já cheguei a pegar camisinha do hospital e colocar nas gavetas deles, nas camas das netas (risos). Coloco lá para chamar a atenção e eu sou a prova viva do que pode acontecer quando há uma relação desprotegida".

"Nunca passei por preconceito, pois ninguém, a não ser meus parentes, sabe que eu tenho Aids. Não estou doente e, se disserem que estou, é mentira. Se a pessoa não sente nada, ela não está doente. É o que acontece comigo".

"Essa doença é uma coisa muito triste para quem não sabe viver. A pessoa tem que ser muito forte nessa hora, tem que ser muito higiênico com a casa, a comida, tudo. Eu sempre fui assim, nunca precisei ter Aids pra ser higiênica; o que lamento é ter deixado de doar sangue por causa da doença, meu sangue é universal. Doei muito sangue, devo ter salvado muitas vidas. É uma pena ter parado".

"Amo o meu médico atual, ele é bastante carinhoso comigo e com os pacientes dele. Isso anima o paciente, dá força pra ele viver, seguir em frente com o tratamento. Se o médico diz 'Tá aqui o seu remédio, toma' e nem olha para a gente, é muito ruim. Mas se ele levanta da cadeira, me dá um abraço e diz que eu vou ficar boa, que estou bonita, que o meu perfume está muito bom... Esse é o médico que coloca o paciente pra cima".

"A morte? Não tenho medo, mas gosto de viver. Acho que vou sentir saudade da minha família, dos meus amigos, do meu povo, que amo tanto. É bom demais ter amizades, ser feliz. Não sou doente, tenho vida, tenho garra para viver. Eu ia até fazer uma lipo, mas acabei desistindo (risos)".

"Eu tenho certeza de que vai surgir uma cura, como também podem vir coisas piores ainda. Isso está mais perigoso para as vovós e os vovôs do que para os meninos. Pois os vovôs se acham os bonzões, vão lá para a cama com as menininhas, e acabam passando o vírus para as vovós. Tanto é que hoje vivo dizendo para as minhas amigas: 'se tiverem um parceiro, usem camisinha, pois o HIV não está escrito na testa de ninguém'".

"Se algum leitor ou leitora soropositiva ler essa matéria, não fique triste. Coloque na sua cabeça que você não tem nada! Tome o remédio e diga: 'abençoe, Senhor, esse remédio, para que ele possa limpar meu sangue'. É o que faço, e sempre ajuda! E tome cuidado para não ter relações desprotegidas. Ah, mais uma coisa: se chorar, se ficar triste, a sua imunidade cai. Sou feliz e procuro sorrir! Sempre!"

¹O nome foi trocado para preservar a identidade da paciente

RODRIGO MESQUITA participou da 52ª turma do programa de treinamento em jornalismo diário da Folha, que foi patrocinado pela Philip Morris Brasil, pela Odebrecht e pela Syngenta.

 

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