THALES DE MENEZES
DE SÃO PAULO

Muita gente se surpreende ao descobrir que Johnny Cash nunca cumpriu pena numa penitenciária.

Seus quatro álbuns que registram shows em prisões são praticamente um agradecimento a quem inspirou muitas de suas canções.

Os fora da lei sempre foram combustível para suas letras, desde o início na música country. Tudo começou com "Folsom Prison Blues".

Escrita em 1953, a canção entrou em seu álbum de estreia, "Johnny Cash and His Hot and Blue Guitar", de 1957.

Um dos versos mais contundentes é "But I shot a man in Reno/ just to watch him die" ("Mas eu atirei em um homem em Reno/ só para vê-lo morrer").

O cantor disse que imaginou a maneira mais estúpida pela qual um homem poderia matar alguém e descartou qualquer história real que o tivesse inspirado.

Apesar da fama de encrenqueiro desde a adolescência, "Folsom Prison Blues" não tem ligação com episódios conturbados da vida de Cash.

Ele servia o Exército americano numa base na Alemanha, em 1951, quando assistiu ao filme policial "Inside the Walls of Folsom Prison", do pouco badalado diretor americano Crane Wilbur.

O longa, ficcional, foi o primeiro retrato realista das prisões americanas, e Folsom tinha reputação, justificada, de ser uma das mais violentas.

Apadrinhado nos anos 1950 por Sam Phillips, o homem que também lançou Elvis Presley, Carl Perkins e Jerry Lee Lewis, o cantor teve ascensão meteórica e liderava alternadamente as paradas de música country e de rock.

Para evitar uma competição entre pupilos, Phillips minimizou a parcela roqueira de Cash para deixar Elvis sozinho como rei do rock. E a parada country ganhou entre seus astros bem comportados um com fama de mau (seu guarda-roupa deu a ele o título de "o homem de preto").

E a fama era bem defendida: ele bebia demais, se drogava, brigava com amigos, inimigos e policiais, além de levar uma vida amorosa agitada. Tudo isso é bem mostrado na ótima cinebiografia "Johnny & June", de 2005, com Joaquin Phoenix como o personagem principal.

As figuras de "Folsom Prison Blues" e outras músicas sobre detentos geraram um grande número de cartas escritas a Cash por condenados.

Nos anos 1960, ele chamou a atenção da imprensa para condições desumanas em prisões dos Estados Unidos.

O cantor levou anos para convencer autoridades, empresários e donos de gravadoras de que sua ideia de gravar um show em Folsom poderia ser realizada. Assim, na efervescência da contracultura daquela década, o anúncio de que cantaria na prisão no dia 13 de janeiro de 1968 ganhou ares de ato político.

A performance eletrizante, bem mais roqueira do que ele costumava fazer, transformou o disco num clássico das gravações ao vivo. Ele motivou mais três álbuns "atrás das grades". Dois nos Estados Unidos, "At San Quentin" (1968), na prisão californiana, e "A Concert: Behind Prison Walls" (1974), no Tennessee. E um numa prisão sueca, "Pa Osteraker", de 1973.

Cash teve fases distintas na vida e na carreira, entre sucessos e fracassos, mas ultrapassou 90 milhões de discos vendidos pelo mundo.

Entre álbuns originais de estúdio, registros ao vivo e coletâneas, são mais de 200 títulos no catálogo de Cash. Todos com seu vozeirão inigualável e sua devoção aos homens que tomaram o caminho errado na vida.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.