Pratos tradicionais recontam histórias mineiras em Belo Horizonte

A Folha percorreu pontos tradicionais da cidade que oferecem boa culinária

Eduardo Moura
Belo Horizonte

Boa parte do potencial turístico de Belo Horizonte está na sua comida. De acordo com levantamento da Belotur (empresa municipal de turismo), a gastronomia foi o ponto mais bem avaliado por aqueles que visitaram a cidade no ano passado.

Em 2016, a capital mineira só ficou atrás de Belém nesse quesito, na avaliação de turistas estrangeiros, segundo o Ministério do Turismo.

A Folha percorreu pontos tradicionais de Belo Horizonte que oferecem boa culinária e também ajudam a contar a história local.

 

CAFÉ NICE
Em meio ao tumulto da praça Sete, no centro, fica o café Nice. O modesto estabelecimento coberto por azulejos desbotados guarda quase oito décadas de história.

Em seus primeiros anos de funcionamento, tinha como cliente assíduo o então prefeito da cidade Juscelino Kubitschek (1902-1976), que passava ali para tomar café, prosear e, claro, fazer política.

O atual proprietário, Renato Caldeira, conta que, com Juscelino, deu-se início a uma lenda urbana: "Quem não toma café no Nice não ganha eleição para presidente".

Nos últimos anos, o local se tornou parada quase obrigatória para políticos em campanha presidencial. E a história mostra que o mito tem algo de verdade.

Em 1989, o então candidato ao Planalto Leonel Brizola (1922-2004) chegou de caminhão ao café, afirma Caldeira. O tumulto era tanto que ele não conseguiu atravessar a rua para entrar no Nice.

No mesmo ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma passeata da praça da Liberdade até a praça Sete. Ao chegar à cafeteria, pediu um suco de laranja.

Quem saiu vitorioso foi Fernando Collor, que, por sua vez, provou do cafezinho.

O petista só voltaria ao local em 2002, desta vez sem recusar uma xícara.

Em 2014, Marina Silva também fez uma visita. Preferiu beber chá e não foi eleita.

No mesmo ano, Aécio Neves fez uma carreata que lotou a avenida Afonso Pena, impedindo que o candidato conseguisse chegar ao café. Também não ganhou.

Tanto em 2010 quanto em 2014, Dilma Rousseff bateu ponto no estabelecimento.

O combo com pão de queijo e cafezinho coado, extraoficialmente conhecido como "kit Nice", sai por R$ 5,30.

MERCADO CENTRAL
Criado em 1929, o mercado é um lugar que passou imune pela onda da gourmetização. Os estabelecimentos investem na chamada baixa gastronomia.

No local é possível encontrar uma grande variedade de ingredientes tradicionais da cozinha mineira.

Não é à toa que novos expoentes da culinária local estão sempre por lá.

O chef Leonardo Paixão, do premiado Glouton, sugere a empada de carne seca com jiló do Ponto da Empada, que custa R$ 4, e a tradicional limonada do Mercado (o copo de 200 ml sai por R$ 2, e o de 500 ml, por R$ 5), cuja loja está no ponto há quase oito décadas.

O chef Frederico Trindade, do restaurante que leva seu sobrenome, indica a casa Comercial Sabiá, famosa pela broa de fubá com queijo canastra, que custa R$ 4,50. A loja também conta com uma marca de café própria, produzida na serra da Canastra.

CANTINA DO LUCAS
No cruzamento da rua da Bahia com a avenida Augusto de Lima, situava-se o Grande Hotel de Belo Horizonte.

Os modernistas mineiros, entre eles Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Pedro Nava (1903-1984), fizeram do bar do hotel um de seus pontos de encontro.

Demolido no fim da década de 1950, deu lugar ao edifício Maletta, que logo se tornou o centro da boêmia da capital mineira, de intelectuais e artistas -e ponto de resistência ao governo militar.

No segundo andar do Maletta, antes de existir o Clube da Esquina, Milton Nascimento se apresentava tocando contrabaixo, num trio formado por ele, Wagner Tiso e Paulinho Braga.

Mas o epicentro do Maletta é a Cantina do Lucas, cujos protagonistas não eram músicos nem escritores. O nome é inspirado no maître do restaurante do Grande Hotel.

Ele também serviu de inspiração para o nome de um prato: o filé do maître Lucas, que vem acompanhado de legumes na manteiga, ovo, mussarela e presunto. Custa R$ 71,30 e serve dois.

Outro personagem importante foi seu Olympio, garçom da cantina por décadas. Nascido na Espanha, veio para o Brasil fugindo do regime franquista e tinha forte antipatia pelo governo militar.

Olympio criou um código com os frequentadores, que em grande parte eram de esquerda. Quando ele percebia a presença na cantina de algum "dedo-duro" a serviço do governo, ele dizia "estamos sem filé à cubana".

O prato ainda existe no cardápio e é composto por filé à milanesa, batata palha, banana, abacaxi, ovo, cebola e bacon. Serve duas pessoas e custa R$ 81,40.

NOVA GERAÇÃO

Uma nova leva de cozinheiros de Belo Horizonte que ganhou força no início da década tem explorado a culinária contemporânea a partir de produtos tradicionais mineiros e brasileiros.

Um dos expoentes desse movimento é o chef Leonardo Paixão, do Glouton, que se autodenomina um restaurante franco-mineiro.

Paixão abriu o Glouton em 2013, recém-chegado da França, onde estudou culinária e estagiou em restaurantes. O objetivo era fazer uma cozinha puramente francesa.

A necessidade de renovar constantemente o cardápio e a proximidade com produtos locais, no entanto, fez com que a mineirice invadisse o menu naturalmente.

"Na hora de finalizar os pratos, não tinha jeito, eu sempre buscava esse gosto de comida caseira", diz o chef.

Um dos pratos preferidos de Paixão é a papada de porco -um corte tipicamente mineiro- acompanhada de mil-folhas de mandioca e molho de laranja. A finalização é praticamente idêntica à de uma receita tradicional francesa de vitela.

Atualmente, a faceta europeia do restaurante aparece sobretudo nas técnicas.

Outro representante dessa nova geração da alta cozinha mineira é o restaurante Trindade, comandado por Frederico Trindade.

Ele também estudou na França, onde trabalhou na Maison Troisgros, com três estrelas pelo Guia Michelin. No Brasil, passou pelo D.O.M., de Alex Atala.

O Trindade já nasceu como uma casa contemporânea brasileira, em 2011.

Inspirado por Atala, mas também por nomes como dona Nelsa Trombino, fundadora do tradicional Xapuri, Trindade diz valorizar o pequeno produtor local e ingredientes tradicionais, mas sem deixar de combinar a culinária internacional e a brasileira.

Um dos exemplos é o guioza com recheio de pezinho de porco, frango caipira com tucupi e picles.

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