Arembepe, na Bahia, atraía famosos e bichos-grilos com festas e drogas

Santuário da contracultura, vila hospedou Mick Jagger, Janis Joplin e Jack Nicholson

Franco Adailton
Arembepe (BA)

​A aldeia hippie de Arembepe, na Bahia, entrou para o mundo da fama após a passagem de Mick Jagger por lá, 50 anos atrás, e tornou-se santuário do movimento de contracultura. A onda nasceu nos Estados Unidos sob protestos contra a Guerra do Vietnã (1959-1975).

No rastro do rock star britânico veio para Arembepe a cantora americana Janis Joplin (1943-1970). 

A partir daí, a romaria foi seguida pelos cineastas Roman Polanski e Jessel Buss, pelo ator Jack Nicholson e por uma legião de bichos-grilos.

No livro “Anos 70 Bahia”, de Sérgio Siqueira e Luiz Afonso Costa, há relatos de que a trupe de cineastas foi levada para Arembepe numa kombi do governo da Bahia, a convite do governador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007). Lá, participou de uma sessão psicodélica de projeção de fotos que se dava através de um raio de sol.

A passagem dos astros permanece viva na memória do administrador da Pousada da Fazenda, Missival Dourado, 71, morador há 46 anos. Eram tempos de liberdade sexual, de disseminação do uso da maconha e do LSD, recorda. 

“As festas eram regadas a maconha e, de vez em quando, rolavam pílulas de artane [droga usada no tratamento da doença de Parkinson], que deixavam a gente muito louco”, diz Dourado, que costuma terminar as frases com expressões como “bicho”.

Missival Dourado, 71, na varanda da Pousada da Fazenda, que administra em Arembepe
Missival Dourado, 71, na varanda da Pousada da Fazenda, que administra em Arembepe - Raul Spinassé/Folhapress

Ele diz que só tomou conhecimento do LSD “com os gringos, que chegavam sem parar em Arembepe”. 
“Uma vez, a polícia chegou, alguém jogou 60 cápsulas no vasilhame de água e todos bebemos, sem saber. Não sei como não pirei. Tinha gente que via até disco voador”, afirma Dourado.

O próprio Dourado chegou a hospedar o ator Richard Gere, já em 1972, na estalagem simples à beira da praia, com bangalôs inspirados nas casas de taipa da aldeia hippie.

Mas Gere deixou o local após duas noites: não suportou as picadas de inseto. “Certa noite, acordei com um barulho dentro de casa. Quando fui ver, ele estava nu, com um travesseiro na mão, caçando muriçocas. Que cena”.

Como Machu Picchu, Arembepe era ‘lugar mágico’ do mundo 

Os tempos áureos da efervescência cultural baiana estão relatados no livro “Anos 70 Bahia”, uma parceria do jornalista Luiz Afonso com o produtor cultural e fotógrafo Sérgio Siqueira. 

A publicação é uma coletânea de mais de 200 textos escritos a partir de relatos e imagens postados numa rede social por gente que viveu os acontecimentos da época. Com o material em mãos, a dupla fez uma curadoria para elucidar fatos e esclarecer eventuais incoerências.

Siqueira afirma que os registros mais antigos que se têm da aldeia hippie são as imagens do músico britânico Mick Jagger, da banda Rolling Stones, numa casa, na companhia da então namorada, a cantora Marianne Faithfull, no começo de 1968.

Mick Jagger toca violão para a então namorada, Marianne Faithfull, o filho dela, Nicholas, e moradores
Mick Jagger toca violão para a então namorada, Marianne Faithfull, o filho dela, Nicholas, e moradores - Adger Cowans/Getty Images

“Os lugares mágicos do mundo eram Machu Picchu, no Peru, Goa, na Índia, e Salvador e Arembepe, na Bahia”, afirma o fotógrafo.

Entre os colaboradores da publicação está o jornalista e colunista da Folha José Simão, que morou em Arembepe por três meses, em 1973. 

“Vim pela primeira vez com o poeta Waly Salomão. Não lembro muito bem, mas acho que dormia em uma canoa no quintal. Lembro também que, às vezes, Gal Costa aparecia para nos visitar. Vinha linda, com um vestido comprido, transparente”, conta Simão, no livro.

 
Mick Jagger toca tambor na varanda de uma casa em Arembepe, em 1968
Mick Jagger toca tambor na varanda de uma casa em Arembepe, em 1968 - Adger Cowans/Getty Images

Siqueira recorda que o poeta Vinicius de Moraes escolheu Itapuã para morar, no início dos anos 1970. 

“Ao mesmo tempo, Caetano e Gil voltavam do exílio, após o sucesso do tropicalismo. Havia os Novos Baianos, que foram dar um tempo na aldeia por causa da ditadura. Isso tudo fazia parte da mística da Bahia”, afirma.

“A década de 1960 foi marcada por diversas manifestações culturais. Havia dois grupos de jovens que queriam mudar o mundo: um era via luta armada e outro que pensava em mudar o sistema por meio da arte, da cultura, do amor.” 

 

"Anos 70 Bahia"

Autores: Luiz Afonso e Sérgio Siqueira
Editora: Corrupio
Quanto: R$ 19,90 (232 págs.), a versão digital na Amazon

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