A representação apaixonada de Madri feita por Almodóvar em seus filmes lhe rendeu recentemente o título de “filho adotivo” da cidade. A honra pelo serviço prestado foi dada a poucos na história desta capital espanhola --o cantor Raphael também foi recentemente homenageado.
Almodóvar disse em sua cerimônia de posse sentir-se “vinculado quase de maneira biológica” à cidade. Como Federico Fellini e Roma, ou Woody Allen e Manhattan, outros diretores associados a latitudes e longitudes.
Almodóvar --que já começa a filmar seu novo longa, o autobiográfico “Dor e Glória”-- não nasceu ali.
É natural de Calzada de Calatrava, ao sul, com menos de cem habitantes. Mas, ao chegar a Madri no fim dos anos 1960, quando tinha 18 anos, ele se enamorou por aquela “cidade dos cinemas, teatros e videoclubes”, como disse.
A “adoção” de Almodóvar por Madri reconhece que sua obra registrou, nas últimas décadas, importantes transformações sociais da cidade.
Filmes como “Labirinto de Paixões” (1982) captam a atmosfera da revolução cultural e social chamada de “movida madrileña”, testemunhada após o fim da violenta ditadura de Francisco Franco (1939-1975).
As sequências de “Ata-me” (1990) na praça de Chueca, por sua vez, servem de registro da época em que o bairro era conhecido como uma espécie de Cracolândia espanhola.
O fim do regime de Franco e o ingresso da Espanha na União Europeia mudaram drasticamente a cidade, e a insegurança urbana já é uma lembrança distante.
“Cresci, diverti-me, sofri, engordei e amadureci em Madri. Muitas dessas coisas fiz na mesma medida da cidade”, o diretor escreveu.
Na cena em que Carmen Maura é molhada com uma mangueira em “A Lei do Desejo” (1986), Almodóvar registra também a experiência comum de quem passeia pela cidade em uma noite de verão, oprimido por um calor de 40°C sem nenhuma perspectiva de ver o mar. A cidade está no centro da península Ibérica, distante dos litorais.
Ciente do impacto do cinema à imagem da cidade e de seu potencial ao turismo, a Prefeitura de Madri acaba de anunciar a criação de um escritório oficial para facilitar os trâmites às rodagens ali --auxiliando, por exemplo, na concessão de permissões.
A região da Andaluzia já trabalha nesse sentido há algum tempo, atraindo as câmeras de “Game of Thrones” com incentivos fiscais. A série voltará ao sul espanhol para gravar a próxima temporada.
“A história dos nossos tempos é feita com imagens e precisamos que a cidade seja narrada por meio delas”, disse a prefeita, Manuela Carmena, quando anunciou a criação do Escritório de Cinema.
Diogo Bercito
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