Chef eleito de novo o melhor do mundo bagunça a cozinha italiana

Massimo Bottura subverte pratos tradicionais em sua Osteria Francescana, em Modena

Prato da Osteria Franciscana
A sobremesa “ops, eu derrubei a torta de limão”, da Osteria Francescana - Paolo Terzi/Divulgação
Josimar Melo
Modena (Itália)

Quando há duas décadas o chef italiano Massimo Bottura —cujo restaurante em Modena acaba de ser anunciado, pela segunda vez, como número um do mundo na lista World’s 50 Best Restaurants— resolveu subverter um dos pratos clássicos da sua região (tortellini in brodo), foi execrado por sua própria gente.

Depois de uma carreira ligada à tradição, ele havia decidido inovar. No lugar da farta porção da massa recheada mergulhada em generoso caldo, ele colocou somente seis tortellini enfileirados entre camadas de gelatina de caldo de galinha (“tortellini caminhando no caldo”, chama-se o prato).

Ninguém das redondezas aceitou. E seu restaurante, a Osteria Francescana, que era recém-aberto em 1995, só não foi à bancarrota porque um crítico gastronômico da prestigiosa revista L’Espresso, passando ali por acaso, apaixonou-se por suas criações, e ele passou a ter fama (e clientela) nacional.

Esse prato traz até hoje os sinais daquilo que seria a cozinha de Massimo Bottura: receitas provocadoras, produzidas com apuro técnico e modernas ferramentas, mas sempre referenciadas nas tradições da cozinha local.

Uma atualização daquele tortellini poderia ser, por exemplo, um de seus pratos introduzidos há poucos anos: “a parte crocante da lasanha”. Uma versão do prato familiar em que ele evoca a “casquinha”, a borda chamuscada da travessa com a massa crocante, que as crianças disputavam, e que ele reproduz com lâminas coloridas devidamente guarnecidas com molhos bechamel e bolonhesa.

A Emilia Romagna, onde se encontra Modena, é um paraíso gastronômico. Ali nas redondezas são produzidos queijo parmigiano-reggiano, presunto cru de Parma, vinagre balsâmico, culatello di Zibello —impossível não tê-los como referência. 

Mas Bottura também se inspira na arte conceitual (o restaurante de 16 mesas é um mostruário de obras contemporâneas que coleciona) e em debates filosóficos.

É bom exemplo o prato “homenagem a Monk”, com a proposta de comer praticamente sem ver: todo negro, ele é feito com o peixe black cod cozido com cinzas aromáticas num caldo negro de tinta de lula.

Mas na Osteria Francescana pode-se também provar, à la carte, pratos mais tradicionais —até mesmo um tagliatelle com ragu à bolonhesa (que Bottura enriquece com tutano para obter untuosidade), além de leitão crocante ou contrafilé com purê de batatas e molho de vinho. O que chama mais atenção, porém, são as originais criações que deram fama ao chef.

Exemplos: o prato “cinco estágios de maturação do queijo parmigiano-reggiano com diferentes texturas e temperaturas”; o picolé crocante de foie gras coberto com amêndoas e avelãs com vinagre balsâmico; e a sobremesa “ops, eu derrubei a torta de limão”, concebida depois do acidente mencionado no próprio nome.

Bottura tem se dedicado a várias causas em torno da comida, em especial a sua fundação Food for Soul, que anima restaurantes populares que combatem o desperdício de comida (um deles fica no Rio, o Reffetorio Gastromotiva). 

Mas não tira os olhos de seu templo em Modena, tocado junto com sua mulher, Lara Gilmore, e que depois da era da nova cozinha inspirada na nouvelle cuisine francesa após os anos 1980, trouxe um frescor instigante à gastronomia italiana.

Osteria Fracescana
Via Stella, 22, Modena, Itália; tel. +39 059 223912; osteriafrancescana.it; menu-degustação mais extenso, com 12 passos: € 270 (R$ 1.225); com vinhos, mais € 180 (R$ 817)
 

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