Acessibilidade é lei nos hotéis, mas demanda ainda é pequena

Estatuto prevê pelo menos 10% de quartos adaptados, enquanto a ocupação fica em 1%, diz entidade

Banheiro de hotel com barras de apoio e rampa
Entrada do banheiro em um dos nove quartos acessíveis do hotel Radisson na Vila Olímpia, em São Paulo - Divulgação
Ana Luiza Tieghi
São Paulo

Em 1º de março, um decreto presidencial regulamentou a acessibilidade em hospedagens, que já estava prevista no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Segundo Rodrigo Machado, coordenador geral de acessibilidade da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o decreto dá segurança jurídica aos hotéis, já que o estatuto dizia que 10% dos quartos deveriam ser acessíveis, mas não detalhava as modificações esperadas.

Em março, os hotéis foram divididos segundo a data de construção de cada empreendimento: antes de 29 de junho de 2004, entre 30 de junho de 2004 e 2 de janeiro de 2018 e a partir de 3 de janeiro deste ano. 

Os mais recentes devem ter 5% de quartos acessíveis a cadeirantes, seguindo normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Os outros 95% precisam oferecer parte dessas adaptações, com regras menos rígidas para as dimensões dos quartos e dos banheiros.

Ainda assim, devem ter barra de apoio no box, ducha que permita variação de altura, dois olhos mágicos na porta (um a 60 centímetros e outro a 120) e alarmes com luzes para a campainha e aviso de emergência, entre outros itens.

Hotéis antigos e com idade intermediária precisam ter 5% de quartos totalmente adaptados e 5% com a segunda categoria de adaptações. 

Se os antigos provarem que não é possível adaptar 5% dos apartamentos para cadeirantes, a parcela pedida pode cair para 2%.

É exigido de todos os hotéis, porém, áreas comuns acessíveis, o que inclui espaços de lazer.

O hotel Radisson Vila Olímpia, em São Paulo, passou por reforma entre 2013 e 2017 e aproveitou para adaptar 5% dos seus quartos para cadeirantes. Dos 178 apartamentos, 9 estão acessíveis.

Como explica a gerente geral Giuliana Laganá, eles precisaram seguir regras de distanciamento entre o mobiliário, para permitir a locomoção da cadeira de rodas, colocar barras nos banheiros, reduzir a altura da cama e da televisão e aumentar a da mesa de trabalho e das tomadas, além de instalar uma barra que permite abaixar o cabideiro do armário.

"Foram feitas várias adaptações, mas eles têm a mesma cara dos apartamentos regulares", diz ​Giuliana. A ideia é que os hóspedes não se sintam prejudicados por estarem em quartos acessíveis e que clientes sem deficiência não se recusem a ficar nesses quartos, caso seja preciso acomodá-los ali. 

Essa situação não é improvável. O FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil) afirma que suas redes hoteleiras associadas têm em média 2,5% dos quartos adaptados, mas que só 1% é utilizado por hóspedes com deficiência. Segundo os hoteleiros, falta público para os quartos que já existem. 

"Desde o começo do ano passado, quando inauguramos os quartos, no máximo duas unidades ficaram ocupadas ao mesmo tempo", afirma Giuliana.

A ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) defendeu em nota os 5% de quartos adaptados em hotéis novos, mas afirma crer que os antigos deveriam manter o patamar atual, de cerca de 2% de quartos acessíveis.

As adaptações exigem recursos dos hotéis. No Radisson, a reforma dos quartos acessíveis foi R$ 5.000 mais cara por unidade do que a dos outros apartamentos. 

Para Orlando de Souza, presidente do FOHB, nem todas as 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, segundo o Censo de 2010 do IBGE, podem viajar. "E alguns não querem ficar em quartos adaptados, porque estão com acompanhantes sem deficiências."

Ricardo Shimosakai, que é cadeirante e consultor de acessibilidade, afirma que as porcentagens do decreto são altas, mas que isso acontece porque a inclusão no turismo precisa ser trabalhada. O Brasil ainda não tem muitos hotéis com acessibilidade confiável, segundo ele. 

Shimosakai cita o setor automobilístico como exemplo do potencial de consumo das pessoas com deficiência. A venda de veículos adaptados cresceu 35% em 2017. Foram 187,5 mil unidades, segundo a Abridef (Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistida). "Tem muita gente com dinheiro."

Em Socorro, a 132 quilômetros de São Paulo, os hotéis-fazenda Parque e Campo dos Sonhos foram adaptados há dez anos. Para Carlos Tavares, consultor de marketing das hospedagens, não há problema de falta de público. 

"Tem mais gente com deficiência no Brasil do que habitantes na Argentina, e essas pessoas não vão sozinhas ao hotel, então o número de reservas é multiplicado." Cerca de 10% dos quartos são ocupados por pessoas com deficiência e quase 60% dos apartamentos são acessíveis.

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