Com águas calmas e ventos fortes, Atins (MA) é a meca dos kitesurfistas

População de vilarejo nos Lençóis Maranhenses dobra durante férias escolares na Europa

Davi Molinari
Atins (MA)

Quando se diz que o vilarejo de Atins está em movimento constante, não é uma metáfora. Trata-se de um pequeno território de faixa de areia “firme”, entre um dos igarapés do rio Preguiça e o oceano Atlântico.

O permanente vento forte e os ciclos da maré são os fenômenos que desenham a conformação das dunas e dos bancos de areia. Por conta da atividade natural da região, Atins virou, há apenas cinco anos, o local preferido dos praticantes de kitesurfe. 

Após uma das invasões da água do mar, o lado esquerdo da foz do rio Preguiça, que era um lugar engrouvinhado de mangue, vegetação e areia, se transformou numa praia perfeita para passeio.

Ao mesmo tempo, a formação de uma espécie de istmo a cerca de mil metros mar adentro criou uma barreira natural que mantém as ondas afastadas e promove uma extensa faixa de águas calmas para os kitesurfistas, como uma piscina natural.

É nesse ambiente, com sol constante, que turistas se encorajam a vestir o equipamento e fazer uma aula inaugural de kitesurfe. É o caso de uma advogada paulistana, que contou: “Fiz só duas horas, tempo suficiente apenas para aprender como se organizam as linhas e se conectam os equipamentos ao corpo”.
A turista calcula que precisaria de mais cinco ou seis horas de aula para conseguir ficar em pé na prancha.

Outra paulistana, Carla Trombini, vendeu o carro, há três anos, para comprar uma casa no local. “Quando vi o fluxo e a variedade de nacionalidades na região, sabia que era uma questão de tempo para Atins entrar no circuito mundial”, afirmou.

No pico da temporada (durante as férias escolares na Europa, especialmente na França), dobra o número de pessoas no povoado, que tem cerca de mil habitantes. 

Apesar do aumento da população na temporada, não há problemas de abastecimento de água, pois as três centenas de casas fazem a captação em poços semiartesianos. 

Os gêneros de primeira necessidade e os produtos industrializados são trazidos de Barreirinhas —cidade-entreposto cerca de 30 km ao sul de Atins—, que abastece as pequenas comunidades dos Lençóis Maranhenses

Barreirinhas é onde o turista que vem da capital do Maranhão, São Luís, tem a última chance de sacar dinheiro por meio do caixa eletrônico. Em Atins não há bancos.

O trajeto a partir de Barreirinhas demora uma hora. O traslado mais confortável é feito por “voadeiras”, lanchas velozes, por R$ 60. Quem quiser se arriscar nas estradas de areia pode pegar um “carro de linha”, uma caminhonete adaptada, por R$ 50.

Aos poucos, os moradores do povoado aprendem a tirar proveito do turismo.

Enquanto o Brasil está mergulhado numa crise de emprego sem precedentes, no pequeno vilarejo de Atins é plena a ocupação da força de trabalho disponível. 

“Tem que chamar até gente de fora”, afirma o carpinteiro Raimundo Ferreira Veras, para quem não faltou serviço nos últimos 12 meses. Ele é proprietário de uma pousada, que construiu há cerca de quatro anos.
Piauiense, Veras mudou-se para a região há 18 anos e afirma ter testemunhado a chegada da energia elétrica e a explosão do turismo, impulsionado pelo clima atraente para esportes aquáticos.

Veras foi um dos primeiros a instalar wi-fi, via satélite, e um repetidor de sinal de celular —equipamento que permite o acesso à telefonia móvel. 

Sua pousada, Estrela dos Lençóis, cobra R$ 250 por casal, um quarto do valor da diária praticada, por exemplo, na recém-inaugurada La Ferme de George, da dupla belga Pierre Bident Moldeva e Olivier Verwilghen. 

Nos dois últimos anos, ao menos dez novas alternativas de hospedagem surgiram ali, segundo estimativa de Veras.

Os primeiros moradores de Atins começaram a chegar nos anos 1980. “Eram flagelados da seca do Ceará ou pescadores das regiões vizinhas, que vinham com barcos a remo até a foz do rio Preguiça para pescar”, conta Antônio Carlos Buna Ferreira, dono do Rancho do Buna e da pizzaria Rancharia.

“Gosto de receber as pessoas, mas minha atividade preferida é fazer arte. Sou um artista”, define-se Buna, que faz seus trabalhos —móveis e objetos de decoração— usando madeira da região.

Buna chegou a morar em um barco ancorado no igarapé que fica no fundo do terreno em que ele levantou a sua propriedade. “Eu mesmo fiz as colunas centrais de tijolo deste lugar, há mais de 20 anos. Na época, me perguntavam o que era, e eu me divertia dizendo aos moradores que se tratava de um estacionamento para discos voadores”, lembra ele. 

A Pousada do Buna fica na parte alta de Atins. O descanso no quiosque da piscina é feito na presença de camaleões e calangos. Já o café da manhã e as refeições, que têm como base peixes e frutos do mar frescos, são servidos no saguão coberto por folhas de buriti e acompanhados por um casal de pavões que briga pela atenção dos hóspedes.

Durante muitos anos, Buna foi o único proprietário de barco a motor e de jipe capaz de socorrer alguém da vila em uma emergência e levar para o hospital de Barreirinhas. “Eu era chamado até para resolver crise conjugal”, diz.

Antes do Rancho do Buna, a casa de Rita de Souza Araújo era a única habitação com leito disponível para pernoite.

“Cheguei com meus pais, em 1963, com cinco anos de idade. Aos 22, me casei e construímos uma casinha com dois cômodos. Alugava um e morava no outro”, relata a proprietária da pousada mais antiga de Atins. Como é um estabelecimento bem rústico, suas acomodações não são muito disputadas por turistas internacionais. 

“Minha pousada enche de clientes mais simples”, explica Rita. Ela sabe como é difícil competir com a sofisticação e as estrelas das opções de hospedagem mais modernas. 

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