Gastronomia alimenta viagens de experiência pelo interior de Portugal

Alojamentos rurais em regiões como Alentejo e Fundão permitem ao viajante colocar a mão na massa

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Portugal

Portugueses longe de sua terra lembram antes da comida do que de pai e mãe, já dizia um escritor lá no século 19. 

Pois a gastronomia, paradoxalmente rica e diversa em um território minúsculo —cabem mais de 90 Portugais no Brasil—, é hoje um dos eixos do turismo do país, considerado o melhor destino do mundo, pelo World Travel Awards, pelo segundo ano consecutivo.

Não se trata do que vai à mesa, isoladamente, mas do que a comida envolve: o campo, o camponês, os hábitos diários, os fazeres tradicionais.

Um tanto do incremento dos números ligados ao segmento, cuja renda duplicou nos últimos dez anos, se deve ao aumento da busca por vivências como a de se hospedar em alojamentos rurais e participar de uma rotina campestre.

“O interior do país é precioso, pois provoca experiências ligadas às raízes culturais e à natureza”, diz Bernardo Barreiros Cardoso, diretor do turismo de Portugal no Brasil. 

Um passado profundo pode ser revisitado na Herdade do Freixo do Meio, na região alentejana habitada por um pequeno povoado, com vestígios que fazem referência ao período neolítico.

 A fazenda recompôs o montado, um sistema medieval de agrofloresta, que se presta a um uso múltiplo, com atividades agrícolas e pastoris, mais comum na Espanha.

“Em vez de destruir o ecossistema e plantar uma monocultura, hoje criamos mais de 200 produtos”, diz Sven Johannsen, que recebe turistas na sua propriedade. 

Açougue, padaria e armazém (no qual se faz azeite) também são mantidos para abastecer uma economia de subsistência —e enriquecer almoços protagonizados pelo tradicional cozido português.

“Estamos em uma das regiões mais pobres do país e, antigamente, os camponeses andavam muito para trabalhar, não podiam voltar para casa para almoçar.” Eles levavam vegetais que eram lentamente cozidos em uma fogueira comunitária. 

Na época não se consumia muita carne, mas, como o preparo era concentrado em uma panela só, as hortaliças tomavam-lhe emprestado o gosto. 

Hoje, o cozido servido é rico em carne, inclusive de porcos alentejanos que crescem soltos na fazenda comendo o que há disponível na terra: cogumelos, ervas, raízes, castanhas. A carne resulta ultrassaborosa, com gordura que derrete na língua como chocolate.

“Também servimos com os enchidos, que são uma forma tradicional de aproveitar os restos.” Salgados e defumados, são oferecidos à parte para que não interfiram no tempero do cozido. 

Portugal tem essa capacidade de amalgamar traços diversos na paisagem, no povo e, portanto, na alimentação.

Pão integral produzido na Herdade do Freixo do Meio, no Alentejo - Divulgação

Para o diretor regional da Ahresp (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal), João Cavaleiro Ferreira, a gastronomia (e o receituário típico) é um dos grandes estímulos para que as pessoas viajem e permaneçam em um local. 

Segundo a associação, que também alimenta e fortalece uma rede de restaurantes portugueses ao redor do mundo, em conjunto com o governo, para “estimular a portugalidade” e fazer receitas tradicionais circularem, a oferta de alojamentos no contexto rural está em crescimento. Afastados dos centros urbanos, eles propõem pratos que permitem uma volta às raízes. 

Esse retorno às origens, que passa a proporcionar ao turista a execução de tarefas cotidianas, ajuda a manter a identidade de cada lugar. 

Surge reforçada, nesse cenário, a participação em atividades como colheita de uvas e azeitonas, produção de pães, enchidos e queijos e pastoreio de ovelhas, de modo que o turismo gastronômico não fica restrito à mesa e tem o potencial de prolongar as estadas. 

Na Quinta do Barrigoso, em Castelo Novo, na região central de Portugal, uma família se dedica à terra e recebe visitantes em uma casa campestre que os integra à rotina. Ali, pode-se participar da colheita de morangos, tomates, laranjas, limões, uvas. Mas a principal atividade da fazenda é a ordenha de ovelhas. 

O leite desses animais criados soltos a comer pastagem natural resulta rico em proteína e gordura. É cobiçado, portanto, por queijarias como a Quinta do Pomar, nas redondezas, cujo principal produto é um laticínio de pasta branca e untuosa, sem que seja excessivamente úmida, coalhado com o pistilo da flor do cardo, à semelhança do queijo Serra da Estrela. 

Antigamente, a prática de elaboração era restrita às mulheres, para que a temperatura das mãos não interferisse na textura dos queijos. “É preciso que as mãos estejam mornas, para não ficar parecendo borracha”, diz a espanhola Sonia Marryo, atraída a Portugal pelo queijo. “Sou da terceira geração de queijeiros da família. Meu marido recolhe o leite na Quinta do Barrigoso; é importante que haja uma boa sintonia entre agricultor e queijeiro.”

Na mesma região, conhecida no país como Fundão, estão reunidos mais de 300 produtores de cereja, num mercado que movimenta 20 milhões de euros ao ano.

Segundo Paulo Fernandes, presidente da Câmara do município, trata-se da fruta mais importante do território, no qual está concentrada mais da metade de toda a produção de Portugal.

Nesse vale montanhoso compreendido entre as serras da Estrela e da Gardunha, a temperatura oscila e favorece a floração e o amadurecimento da fruta, colhida geralmente no meio do ano. 

Vendidas in natura, as cerejas prestam-se ainda a preparos como aguardente, obtida da fermentação e posterior destilação, gim e licor.

Virou atração visitar as cerejeiras em flor. Sob as árvores com flores brancas e pequeninas, regadas a conta-gotas pela água que nasce nas montanhas, pode-se desfrutar de almoços de final de março a meados de abril, promovidos pelo gabinete de turismo da Câmara Municipal do Fundão. 

Uma mesa atoalhada acomoda queijos e vinhos da região, bacalhau ao forno e receitas como o tradicional arroz de carqueja. No preparo deste último, o frango guisado em banha já misturado aos grãos é regado com um caldo de carqueja, uma erva espontânea típica das serras, e finalizado com o sangue da ave, que lhe reforça a cremosidade.

O órgão também oferece cestas de piquenique e suporte para quem quiser plantar uma cerejeira. A árvore pode ser apadrinhada pelo turista, com nome e data de plantio em placa.

São atividades que permitem ao turista estreitar a experiência com a terra e o modo de vida do português, que mantém ainda hoje uma relação profunda com a vida rural.

Pacotes

R$ 227 
3 noites, na Top Brasil Tur (topbrasiltur.com.br) 
Em Évora, na região do Alentejo, sem regime de alimentação. Preço por pessoa. Sem passagens aéreas

R$ 915 
1 noite, no Convento do Seixo (conventodoseixo.com) 
Em Fundão, com café da manhã. Inclui passeio a uma queijaria, a uma adega e a uma cooperativa de produtores de azeite. Preço por quarto duplo. Sem aéreo 

R$ 2.379 
2 noites, na Françatur (francatur.com.br) 
Em Évora, no Alentejo, com café da manhã. Inclui passeios para degustar vinhos e azeites e trem entre Lisboa e Évora Por pessoa. Sem aéreo

€ 1.159 (R$ 4.960) 
8 noites, na CVC (cvc.com.br) 
Entre Lisboa, Évora, Coimbra e Porto, com café da manhã. Inclui passeios panorâmicos e outras cidades, visita a adega, passeio de barco no Douro, guia e traslados. Preço por pessoa. Sem aéreo

US$ 1.341 (R$ 5.063) 
8 noites, na Flot (flot.com.br) 
Entre Lisboa, Évora, Vilamoura e Sevilha, com café da manhã e duas outras refeições. Inclui visitas guiadas nas cidades e degustação de azeites. Por pessoa. Sem aéreo

R$ 6.200
5 noites, na Abreu (abreutur.com.br)
Entre Lisboa e o Alentejo (Évora, Vila Viçosa, Elvas, Estremoz e Arraiolos), com café da manhã. Inclui um almoço em Évora, visita a três adegas e aluguel de carro. Preço por pessoa. Com aéreo 

A jornalista viajou a convite da Ahresp, Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal

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