Parques mudam rotina para receber visitantes com autismo

Guias treinados e acesso preferencial são algumas das iniciativas; pais relatam problemas em hotéis

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Criança pequena segura filhote de galinha
Arthur, 3, que tem autismo, com filhote de ave na fazenda Walking, que oferece equoterapia, no bairro Jardim Cruzeiro, em São Paulo - Filipe Leal/Divulgação
São Paulo

Parques de diversões no Brasil dão os primeiros passos para atender melhor pessoas com autismo. Para esse público, uma das medidas mais significativas é garantir o rápido acesso às atrações, sem demora em filas.

Em geral, quem tem o transtorno enfrenta com dificuldade esperas longas. Barulhos e aglomerações provocam incômodo nessas pessoas, que lidam com a passagem do tempo de uma maneira diferente.

A exposição a situações desagradáveis, ainda mais por períodos prolongados, pode desencadear crises, afirma Maria Claudia Brito, fonoaudióloga e doutora em educação. 

Por isso, é importante garantir a esses turistas direito a filas preferenciais. No estado de São Paulo, uma lei sancionada no ano passado exige a inclusão do símbolo do autismo, uma fita com estampa de quebra-cabeças, em placas de acesso prioritário. 

No parque Beto Carrero World, em Penha (SC), pessoas com autismo e seus acompanhantes têm entrada preferencial nos brinquedos e nos shows. Para usufruir desse direito, é preciso avisar os funcionários antes de entrar em cada atração. 

O Beach Park, parque aquático em Aquiraz (CE), adotou há dois anos uma estratégia diferente para atender esse público. Por lá, crianças com o transtorno recebem o acompanhamento de um salva-vidas treinado. 

O funcionário identifica os brinquedos adequados a elas, faz a condução para que passem na frente em filas e as acompanha nas atrações. 

"Foi uma viagem mais leve e tranquila para mim, que estou acostumada a ficar tensa, monitorando tudo", diz Andrea Palma, que levou seu filho Mateus, 7, ao parque em julho deste ano. 

Ele foi diagnosticado com Síndrome de Sotos, que causa crescimento excessivo e fraqueza muscular. No caso dele, resulta em comportamentos similares aos do autismo.

Segundo o diretor comercial do parque, Felipe Lima, a iniciativa partiu dos próprios funcionários, que começaram a auxiliar crianças que pediam esse tipo de ajuda.

Hoje, a prática foi institucionalizada, e o atendimento é gratuito. "Como isso não existe na maioria dos lugares, o nível de satisfação dos pais chega a ser emocionante para nós", diz Lima. 

Um problema apontado por Andrea Palma é que não há filas preferenciais separadas. O salva-vidas precisa abrir a passagem para a criança e sua família, o que, segundo ela, causa algum constrangimento.

Como o autismo não apresenta sinais físicos visíveis, diferentemente de outros tipos de deficiência, os visitantes podem estranhar que uma criança aparentemente sem necessidades especiais e sua família tenham acesso prioritário.

De acordo com Lima, não é fácil fazer grandes mudanças para resolver essa questão, porque a parte estrutural do parque tem mais de 35 anos.

O país não tem um certificado que chancele atrações turísticas e hotéis adaptados para atender adequadamente pessoas com autismo.

Os três parques da rede SeaWorld em Orlando, nos Estados Unidos —Aquatica, Discovery Cove e SeaWorld— conquistaram neste ano o selo de Centro de Autismo, do IBCCES (conselho internacional de padrões de credenciamento e educação continuada, na sigla em inglês). 

O processo para a certificação incluiu o treinamento de 80% dos seus 6.000 funcionários. Além disso, os brinquedos dos parques ganharam placas que sinalizam a intensidade do estímulo oferecida para cada um dos sentidos.

Também foram criadas salas do silêncio, com baixa estimulação sensorial, para que pessoas com autismo possam se acalmar, se for necessário.

Outro parque norte-americano certificado pelo IBCCES é o Sesame Place, que segue o tema da Vila Sésamo. Fica em Langhorne, na Pensilvânia, e também é operado pelo grupo SeaWorld. O programa infantil tem uma personagem autista, a menina Julia, que interage com as crianças no parque. 

No Brasil, o Sindepat (Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas) faz há dez anos uma ação para lembrar o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro. 

Na data, os associados recebem gratuitamente a visita de instituições que cuidam de pessoas com deficiência.

Há um treinamento de funcionários para esse dia, de acordo com Carolina Negri, diretora-executiva da entidade. 

Isso facilita a recepção de público com alguma necessidade especial durante o resto do ano, diz ela.

Ainda hoje, porém, crianças com autismo não são bem recebidas em todos os locais.

Ao se hospedar em um resort, Amanda Ribeiro, mãe de Arthur, 3, que tem autismo, queria deixá-lo brincar com a equipe de recreação.

A princípio, ficou animada ao receber uma ficha que perguntava se a criança tinha necessidade especial, o que para ela soou como uma possibilidade de inclusão. "Escrevi que ele era autista, e me responderam que não poderíamos utilizar o serviço, porque não sabiam lidar com ele", afirma. 

Depois de experiências como essa, Amanda, que organizava casamentos, criou a Incluir, empresa de treinamento para hotéis e agências interessadas em aprender a lidar com pessoas com autismo. 

Andréa Werner, autora do blog Lagarta vira Pupa, que tem um filho com autismo, Théo, 11, ressalta que o papel das famílias é criar demanda para ampliar a inclusão.

"Os hotéis não vão se adaptar ao que não está lá. Se a gente não expuser nossos filhos à sociedade, ninguém vai fazer nada", afirma. 

Segundo a blogueira, as famílias podem ajudar a tornar as viagens menos complicadas. Ela recomenda que os pais montem uma história, com figuras, para ilustrar o passo a passo do passeio. Isso ajuda a familiarizar a criança com a situação e diminui o choque com a novidade.

"Geralmente, eles entendem melhor as imagens do que as palavras", afirma. 

Por exemplo: numa viagem de avião, é interessante mostrar fotos da fila para despachar a bagagem, do aparelho de raio-X e da aeronave. 

Ela conta que já saiu chorando de um voo com seu filho, quando ele ficou chutando a poltrona do passageiro à frente e atirando objetos em outras pessoas. 

"Atualmente ele se comporta no avião melhor do que qualquer outra criança, mas isso porque nós insistimos durante anos até que ele se acostumasse", afirma. 

Em viagens de carro, Amanda Ribeiro se programa para oferecer a Arthur uma atividade a cada 15 minutos, com o intuito de mantê-lo interessado. 

Apesar das dificuldades, viajar pode trazer benefícios para a pessoa com autismo, que é exposta a situações desafiadoras e aprende com elas. 

Outros viajantes também podem ajudar a tornar a viagem melhor para todos. Ao presenciar uma crise, nunca se deve fazer um comentário de reprovação para a criança ou sua família. Para Werner, oferecer auxílio é uma boa ideia, mesmo que a oferta seja recusada. 

Outra forma de ajudar, de acordo com a fonoaudióloga Maria Claudia Brito, é informar às famílias de pessoas com autismo que elas podem ter acesso a filas e vagas preferenciais. 

"O Brasil tem legislação que dá direito a acessibilidade, mas muitas famílias não sabem disso", afirma.

Arena Corinthians tem espaço para pessoas com autismo

A Arena Corinthians, na zona leste de São Paulo, inaugurou em setembro um espaço reservado para receber torcedores com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo).

Sala com mesas e cadeiras e vista para gramado
Espaço adaptado na Arena Corinthians, em São Paulo - Divulgação

O local pode acomodar até 160 pessoas e é antirruído. Além disso, tem atrações destinadas às crianças, como brinquedos e desenhos para colorir.

Interessados em acompanhar uma partida no lugar devem mandar um email para tea@sccorinthians.com.br; os autistas não pagam ingresso e seus acompanhantes (até três) pagam meia-entrada para o setor oeste do estádio, onde a sala está instalada.

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