Encenação folclórica leva turista a praia pouco explorada do Rio Grande do Norte

Apresentação musical comoveu o escritor Mário de Andrade em 1929

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Fernando Granato
Barra do Cunhaú (RN)

Um dos bairros mais antigos de Natal, Rocas recebeu, em 1929, a visita do escritor Mário de Andrade (1893-1945).

Na região, próxima ao mar e hoje habitada em grande parte por pescadores, Mário conheceu uma manifestação folclórica que o encantou: a Chegança, uma encenação musical que representa a luta de marujos cristãos contra mouros pelo domínio da Península Ibérica, ocorrida durante a Idade Média.

Ele estava em Natal a convite do folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), justamente para conhecer danças, folguedos e representações de arte popular, numa viagem de “redescobrimento do Brasil”, de acordo com o próprio escritor.

Numa noite, quando caminhava com Cascudo pelas ruelas do bairro das Rocas, Mário deu de cara com um ensaio da Chegança, “uma dessas coisas dum valor sublime que me comovem à exaltação”, conforme anotou em seu diário, depois transformado no livro “O Turista Aprendiz”.

A encenação era dirigida por João Marques, “embarcadiço já vivido, respeitável”, como escreveu. 

Pouco tempo depois desse encontro, Marques se mudou para uma praia ao sul de Natal, a Barra do Cunhaú, localizada no município de Canguaretama. E levou junto a tradição da Chegança.

Hoje, 90 anos depois, a mesma manifestação folclórica ainda sobrevive, sob a coordenação de um dos sobrinhos de Marques, Waldemir, 73.

Uma viagem de carro de menos de uma hora, pela BR 101, leva os visitantes de Natal até a Barra do Cunhaú, ainda pouco explorada pelo turismo.

O Grupo Chegança, que encena a batalha e é liderado por Waldemir, tem 40 integrantes e recebeu o título de patrimônio vivo do Governo do Rio Grande do Norte. A sede da trupe fica na rua do Sapo, 146. Mais informações pelo telefone (84) 99446-7624. 

Nas apresentações, que ocorrem ao menos quatro vezes por ano, parte veste-se com fardas de marinheiros, e outra, com trajes vermelhos, representando os mouros. 

Eles saem em procissão da sua sede rumo ao mar, carregando a réplica de um barco e acompanhados pelo som de instrumentos de percussão.

Na praia, a representação de fato começa com a despedida dos marinheiros, que sobem em um barco.

Após algumas cenas no mar, o grupo é abordado pelos mouros que, depois de uma luta de espadas, são derrotados e batizados pelos cristãos. 

O mais velho do grupo é Waldemir e a mais nova, Ysis Cecília, 4, filha de um dos integrantes que representa o lado dos mouros. 

“A Chegança é uma paixão passada de pais para filhos. Dessa maneira, a gente vai conseguindo levar adiante essa tradição, que já tem 115 anos”, afirma Waldemir.

Quase todos os integrantes do grupo viviam da pesca artesanal. Atualmente, são poucos. A atividade diminuiu principalmente por causa do avanço da pesca industrial. 

“Mesmo assim alguns ainda insistem em sobreviver da pesca artesanal e vão levando, junto com a Chegança, essa tradição”, conta Waldemir.

A neta do líder, Nicole, 24, que faz o papel de rainha dos mouros, escolheu outro caminho e foi estudar pedagogia. 

“Estou trilhando outra profissão, mas não vou deixar a Chegança acabar”, afirma. “Vou levar para as outras gerações conhecerem.”

Orgulho da pequena Barra do Cunhaú, a manifestação folclórica junta gente de diversas regiões do país sempre que é encenada na praia. 

A professora Marília Albuquerque, 36, veio de São Paulo especialmente para acompanhar a apresentação que aconteceu dias antes do Natal.

Depois de assistir ao grupo, vale parar em algum dos barzinhos pé na areia para experimentar uma das iguarias locais: o albacora (peixe parecido com atum) na brasa, acompanhado de macaxeira frita.

Com o programa completo, incluindo a apresentação folclórica, o mar azul, a areia branquinha e o peixe que derrete na boca, fica fácil entender por que Mário de Andrade escreveu em seu diário, 90 anos atrás, que tudo aquilo que via no Rio Grande do Norte enchia seu peito até não poder respirar de tanto prazer.

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