Queimadas atrapalham planos de retomada do turismo no Pantanal

Desastre ambiental atinge pousadas em Mato Grosso e preocupa até regiões do bioma que não foram afetadas pelo fogo

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Estrada de terra com curva, vista do alto, em terreno queimado, com vacas brancas

Gado caminha por trecho queimado do Pantanal em Poconé (MT) Amanda Perobelli/Reuters

São Paulo

O fogo, que já consumiu cerca de 17% da vegetação do Pantanal, além de ser um desastre para o ambiente, jogou um balde de água fria no turismo local. Em julho, a região voltou a receber viajantes após a pausa forçada pela pandemia.

O Pantanal se encaixa naquilo que muitos turistas preocupados com a Covid-19 procuram agora: espaços abertos, com natureza e baixa concentração de pessoas. Mas a intensidade dos incêndios pode afastar os visitantes. Neste ano, há quatro vezes mais focos de fogo do que na média histórica, aponta o biólogo Danilo Ribeiro, professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul).

O entorno da rodovia Transpantaneira, que liga Porto Jofre e Poconé, em Mato Grosso, é uma das áreas mais atingidas. "O incêndio está afetando a região com o maior número de pousadas do Pantanal do Mato Grosso", diz Jefferson Moreno, secretário-adjunto de turismo do estado.

Leopoldo Nigro, um dos diretores da Adepan (Associação de Defesa do Pantanal) e dono do hotel Pantanal Mato Grosso, passou 13 dias combatendo as chamas em sua fazenda e em áreas vizinhas, com a ajuda de outros proprietários e bombeiros, mas só salvou cerca de 20% do terreno.

"Comprei a propriedade em 1997 e nunca teve incêndio como esse por aqui", afirma.

A estrutura do hotel não foi atingida, e a hospedagem ainda está aberta, mas os turistas rarearam.

"Tivemos um bom movimento no feriado de Sete de Setembro, mas vi muitas pessoas tristes por causa da queimada e da fumaça. Nesse último final de semana o movimento já reduziu", diz.

Nigro está hospedando bombeiros na fazenda e disponibilizou tratores para ajudar no combate aos focos.

Outro hotel atingido na região é o Sesc Porto Cercado, em Poconé. Por lá, foram 45 dias de luta contra as chamas, desde o início de agosto. O empreendimento fica dentro do polo socioambiental do Sesc Pantanal, que engloba uma RPPN (reserva particular de patrimônio natural) e o parque Sesc Baía das Pedras.

Como conta Christiane Caetano, superintendente do polo, as queimadas deste ano impressionaram até os moradores locais, acostumados com focos durante a época da seca, que vai aproximadamente de maio a setembro.

A reserva foi bastante atingida. A estrutura do hotel, porém, não foi afetada, mas a situação ainda preocupa.

"Há uma frente de fogo na Transpantaneira, caminhando para o parque. Mobilizamos nossa equipe para fazer o combate a queimadas em áreas vizinhas", diz Caetano.

O Sesc Porto Cercado estava fechado desde o final de março por causa da pandemia. Havia uma previsão de reabertura para o fim de julho, que novamente foi adiada. A próxima data estimada é no dia 25 deste mês, mas não é certeza. "Vai depender da nossa avaliação sobre o risco, porque hoje o Pantanal está coberto de fumaça, é impossível ter um turista aqui", diz Caetano.

Regiões do bioma que foram muito atingidas no ano passado por enquanto estão livres de grandes queimadas, como Miranda e Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.

O Refúgio Ecológico Caiman, fazenda em Miranda que reúne três pousadas, uma reserva particular de patrimônio natural e atividade pecuária, teve 60% da sua área queimada em 2019.

"Ano passado foi terrível, tivemos incêndios fortes, mas nada comparado ao que está acontecendo lá em cima [em Mato Grosso]", afirma Roberto Klabin, fundador do local.

Sua preocupação era de que a natureza não conseguisse se recuperar, mas ele foi surpreendido. A partir de dezembro, com a temporada de chuvas, a vegetação se regenerou, e os animais voltaram.

Como explica Ribeiro, da UFMS, a vegetação pantaneira, assim como a do cerrado, consegue se regenerar. Já os animais só podem fugir ou se esconder, o que é difícil quando o incêndio atinge grandes áreas, como agora.

Quem ainda não voltou ao Refúgio Caiman foram os turistas. As reservas estavam ganhando força quando veio a pandemia. "Temos alguns hóspedes brasileiros agora, mas 75% do nosso público era estrangeiro, e esses não devem retornar até meados do ano que vem", diz Klabin.

Há uma preocupação no setor de turismo do Mato Grosso do Sul em mostrar que o Pantanal tem uma grande extensão e que ainda é possível visitar destinos preservados.

Duas fotos da mesma área de vegetação, a primeira está queimada, e a segunda verde
Área do Refúgio Ecológico Caiman logo após incêndio em setembro de 2019 e três meses depois, com a vegetação regenerada - Divulgação

"Agora que estávamos nesse período de recuperação do turismo começamos a ter cancelamentos de reserva e precisamos tranquilizar as pessoas de que nosso Pantanal não está queimando", afirma Cristina Moreira Bastos, presidente do Visit Pantanal, associação de empresários de turismo e gastronomia da região.

A pesca esportiva, atividade que também movimenta o setor, está acontecendo em Mato Grosso do Sul, apesar da fumaça que atingiu a cidade de Corumbá, de onde partem muitos dos passeios. O que atrapalha a prática hoje é o baixo nível dos rios, por causa da seca, explica Bruno Wendling, da Fundação Turismo de Mato Grosso do Sul.

A região passa pela maior estiagem em 47 anos. Além da falta de chuvas, a limpeza de terrenos com fogo para a agropecuária está entre as possíveis causas das queimadas.

Mas pecuária e turismo sempre conviveram no Pantanal, diz Marcos Pereira Campos, coordenador do curso de Turismo da UFMS em Aquidauana. Muitas pousadas ficam em fazendas, e o ecoturismo se mistura a atividades rurais, como as cavalgadas.

Fazer com que a criação de bois e a preservação da natureza andem juntas é um dos desafios. “A luta é sempre para buscar o equilíbrio entre as atividades do pantanal e mostrar que esse equilíbrio gera muito mais receita”, afirma Klabin. ​

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